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Artigo: Porte de arma não é prerrogativa absoluta de policial

Delegado Matusalém Sotolani - 25 de dezembro de 2011 - 21:44

PORTE DE ARMA NÃO É PRERROGATIVA ABSOLUTA DO POLICIAL
Delegado Matusalém Sotolani

Tenho acompanhado alguns artigos publicados na página da Polícia Civil, versando sobre o apaixonante e contraditório tema que trata da extensão do porte de arma pelos policiais. Independentemente das opiniões manifestadas, devo parabenizar os policiais que ousam expor suas idéias e entendimentos a respeito desse crepitante assunto.

Nos arriscamos também a tratar deste tema e objetivamos trazer maiores esclarecimentos promovendo uma interpretação sistemática da legislação, paralelamente ao contexto social em que vivemos, sem a pretensão de fomentar litígios inúteis que possam causar qualquer tipo de embate jurídico impulsionado pelo corporativismo ou divisão de classes, tampouco julgar o mérito quanto a possibilidade ou não dos policiais portarem arma em locais público, como bares, boates, clubes e etc, apenas expor o que penso e entendo ser adequado ao tema.

Como policial, tenho absoluta certeza que a arma é instrumento essencial e indispensável para o trabalho e para a defesa pessoal, própria e de terceiros, cujo uso efetivo e eventual, pode acarretar inúmeras conseqüências de ordem legal, revelando, destarte, que seu uso exige extrema habilidade, absoluta serenidade, bom senso e, sobretudo, excepcional avaliação da oportunidade e conveniência do memento próprio de agir, sob pena de cometer ações tresloucadas e ceifar a vida de inocentes, tornando injustificável, a despeito de qualquer outro argumento, a perda de uma vida humana.

Não existe no ordenamento jurídico brasileiro direito absoluto. Mesmo o direito à vida é relativo, portanto, sob qualquer ótica que analisarmos o direito ao porte de arma dos policiais, veremos que esse direito, mesmo que decorrente da prerrogativa funcional está sujeito a determinadas restrições, de acordo com as circunstâncias ou determinadas condições impostas pela norma legal.

Com efeito, após o advento do Estatuto do Desarmamento (Lei n.º Lei 10.826/2003) regulamentado pelo Decreto Federal n.º 5.123/2004, com suas alterações posteriores, surgiram algumas dúvidas quanto a possibilidade de utilização da arma, seja do patrimônio público ou particular, em horário de folga.

Extreme de dúvidas que o policial pode portar sua arma fora de serviço, seja do acervo ou particular, observado que neste último caso a arma esteja devidamente registrada no órgão competente, sob pena de incorrer em crime de posse irregular, vez que atualmente não se admite nenhum tipo de arma de fogo sem o devido registro.

O punctum saliens da questão, que interessa a este breve estudo, é quanto o ingresso do policial, sem estar à serviço, em recintos fechados e com aglomeração de pessoas, conduta taxativamente vedada aos cidadãos comuns, a quem o porte é deferido excepcionalmente, ex vi do art. 26 do decreto regulamentador da norma em comento.

Em relação aos policiais que integram as instituições referidas no art. 144 da CF/88, tanto a lei do desarmamento quanto seu decreto foram propositadamente silentes quanto a esta possibilidade, deixando ao critério das chefias destes órgãos a regulamentação sobre o ingresso dos policiais nesses locais fechados de aglomeração pública, conforme a exegese do art. 34 e § 2º do decreto regulamentador, in verbis:
Art. 34. Os órgãos, instituições e corporações mencionados nos incisos I, II, III, V, VI, VII e X do caput do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, estabelecerão, em normativos internos, os procedimentos relativos às condições para a utilização das armas de fogo de sua propriedade, ainda que fora do serviço. (Redação dada pelo Decreto nº 6.146, de 2007 (grifamos)
(..)
§ 2o As instituições, órgãos e corporações nos procedimentos descritos no caput, disciplinarão as normas gerais de uso de arma de fogo de sua propriedade, fora do serviço, quando se tratar de locais onde haja aglomeração de pessoas, em virtude de evento de qualquer natureza, tais como no interior de igrejas, escolas, estádios desportivos, clubes, públicos e privados. (grifamos)
A interpretação sistemática desses dois dispositivos informa a necessidade de regulamentação específica, em normativo interno, sobre a utilização de arma fora de serviço e em “locais onde haja aglomeração de pessoas, em virtude de eventos de qualquer natureza, tais como no interior de igrejas, escolas, estádios desportivos, clubes, públicos e privados”, enfim, qualquer local fechado que haja evento público com a concentração de pessoas.

Subsume dos citados diplomas legais que os chefes dos órgãos relacionados no art. 6º da Lei 10.826/03 poderão impor restrições ao uso de arma de fogo, fora de serviço, quando o policial pretender ingressar nesses locais com o objetivo puramente de lazer e não relacionado aos atos de ofício.

O legislador pátrio priorizou o interesse e a segurança coletiva, focado na efetiva possibilidade de ocorrer danos às pessoas, pelo uso inadequado da arma nesses locais de concentração popular, como, aliás, são muitos os casos noticiados pela imprensa, dando conta de ferimento ou morte de inocentes por disparo inadvertido de arma.

Obviamente que somente nos locais que haja possibilidade de controle de entrada, com revista pessoal dos participantes, seria possível coibir o ingresso de pessoas armadas, sejam pessoas comuns ou policias, neste último caso, havendo adequado acondicionamento da arma arredada.

Argüi-se enfaticamente que o policial está sujeito ao mister de suas funções vinte e quatro horas por dia e, na eventualidade de um crime, estaria obrigado a interceder, sob pena de prevaricação, punição e etc. Tais argumentos não passam de retórica desprovida de contornos realísticos e cai por terra ao simples manejo da estatística de ocorrências envolvendo policiais no interior desses estabelecimentos.

Raramente há fatos positivos revelando que o policial agiu no estrito cumprimento do dever quando no interior dessas casas noturnas, ao contrário, a quase totalidade dos eventos dessa natureza demonstra que o policial foi abusivo, fez uso inadequado da arma, intimidou seguranças e demais pessoas que trabalham no local, colocou em risco a vida dos presentes e, não raramente, agiu sob a influência de bebida alcoólica.

Noutro sentido, ao longo de mais de vinte anos de serviço policial, não tenho conhecimento de qualquer responsabilização do policial em seu horário de descanso, sob o argumento de ter omitido na eventualidade de uma ocorrência.

Estando de folga, ainda que a lei lhe impõe como dever, cabe ao policial agir segundo a sua consciência e, principalmente, observando os aspectos de conveniência e oportunidade, aliado aos fundamentos da boa prática policial, aprendidos nos bancos da academia, cujos ensinamentos indicam que jamais o policial deverá colocar em risco a vida de terceiros, especialmente em locais de aglomeração de pessoas, onde o uso da arma expõe a vida de inocentes a risco iminente e concreto.

Diga-se mais, no cotidiano das ruas, são muitas as ações meritórias de policias que intervém no momento da prática do ato criminoso, especialmente em casos de furtos e roubos, quase sempre resultando em ações positivas e que elevam o conceito do policial e da própria instituição a que pertence. Diferentemente, os fatos ocorridos em boates e clubes, são sempre negativos e objeto de descrédito a toda instituição, motivos suficientes a autorizar restrição do porte de arma no interior dos estabelecimentos dessa natureza.

No âmbito da Polícia Civil/MS, foi editada a PORTARIA/DGPC/SEJUSP/MS Nº 061, de 13 de setembro de 2005, que regulamenta o porte de arma pelos policiais, inclusive, as armas de propriedade particular, no entanto, o mencionado diploma legal não tratou do porte de arma ou ingresso do policial armado nesses locais de aglomeração pública, especialmente clubes e boates.

À míngua de uma legislação própria que especifique e autorize o policial a ingressar nesses estabelecimentos, quando não está à serviço, impõe a necessidade de observar a regra geral exposta no estatuto do desarmamento e em seu decreto regulamentador, ou seja, a proibição de adentrar nesses locais armado.

Noutro ponto, enquanto não houver dispositivo interno regulamentando a matéria, deve prevalecer a lei do bom senso, isto é, se o local oferecer condições adequadas para o acondicionamento da arma, esta deve ser entregue pelo policial ao ingressar e retirá-la ao sair, período em que toda a responsabilidade pela guarda e conservação se transfere ao estabelecimento, cujos proprietários responderão por qualquer dano, extravio ou uso inadequado da mesma.

Não havendo adequado acondicionamento para a arma, o policial não poderá ser impedido fisicamente de ingressar no ambiente, uma vez que a proibição se restringe a arma e não a pessoa física, cuja liberdade de ir e vir é assegurada constitucionalmente.

Por fim, entendemos que o ingresso do policial em ambiente de lazer, seja clubes, boates ou outro qualquer, quando não está a serviço, impõe-lhe observar as mesmas normas de conduta de qualquer cidadão, devendo tratar as pessoas com urbanidade, pagar ingresso e todo o consumo durante sua permanência, não sujeitando o estabelecimento a lhe fornecer nada graciosamente, assim como não poderá o estabelecimento exigir que o policial atue na eventualidade de qualquer confusão ali ocorrida, situação que deverá ser resolvida pelos seguranças do local.

“ A probabilidade de alguém estar observando você é proporcional à estupidez de sua ação” (A. Kindsrater)


Publicado no site da Polícia Civil de MS

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