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Barrado no aeroporto da Arábia Saudita por “culpa” da revista Playboy

*Paulo Nonato de Souza, Campo Grande News - 30 de junho de 2015 - 10:20

Barrado no aeroporto da Arábia Saudita por “culpa” da revista Playboy

Viajar para o Oriente Médio é sempre motivo de tensão, seja para qual for o país de destino. A Arábia Saudita, por exemplo, não adianta muito o agente de turismo dizer que lá reina a paz, que é diferente dos outros, que a polícia nem usa arma, que é tranquilo, enfim, o fato é que a gente não acredita. A sensação é de medo, mesmo sem nunca ter pisado em um país árabe.

Em março de 1989 lá fomos nós para Jeddah, na Arábia Saudita, cobrir um amistoso da Seleção Brasileira diante do Al Ahli. O Aeroporto Internacional de Guarulhos, então conhecido por Cumbica, tinha sido inaugurado havia quatro anos e a maioria dos voos internacionais para qualquer lugar do mundo ainda partia do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, tanto que até o final da década de 1990 era comum alguém fazer piada sobre o nosso país com a citação de uma frase atribuída ao compositor Tom Jobim de que “a melhor saída do Brasil é o Galeão”.

Particularmente, eu gostava daquela parada no Aeroporto do Galeão. Era jovem, saído do interior de Mato Grosso do Sul e empolgado por trabalhar em São Paulo, sem muito com que se preocupar, a não ser com o futuro, e aproveitava aquilo tudo como diversão, ainda mais quando tinha pela frente uma viagem para a Arábia Saudita, um lugar tão diferente quanto distante, e para a cobertura jornalística de um jogo da Seleção Brasileira.

Já na sala de embarque do Galeão, fui com um colega de uma emissora de radio do Rio até uma livraria de nome bem peculiar, a Sodiler, que nem sei se ainda existe por lá. Comprei um dicionário, que imaginava ser português-inglês, mas no avião descobri que havia comprado um dicionário espanhol-inglês, e ele comprou uma revista Playboy, que trazia na capa a modelo mineira Sílvia Rossi, top model na época.

Durante a viagem com suas várias escalas e muitos repórteres brasileiros a bordo, a revista passou de mão em mão e por um bom tempo de voo não se ouvia qualquer menção de preocupação em relação aos conflitos no Oriente Médio. Por considerar a Playboy uma perda de tempo, somando isso à frustração por ter comprado dicionário errado, possivelmente eu tenha sido o único brasileiro a não se interessar pela “leitura” da Capa e as estonteantes curvas da modelo.

No desembarque em Jeddah, depois de 24 horas de viagem, a atenção para a Capa da revista deu lugar à tensão pela inquietação de um policial saudita, que caminhava de um lado para outro, esbravejava e gesticulava sem parar. E tudo isso olhando em nossa direção. Como ninguém tinha a mínima ideia do que ele falava nem do que estava acontecendo, começaram a surgir as hipóteses. Seria suspeita de atentado? Alguém está com droga na bagagem? Entre nós afloravam questionamentos de toda ordem e quando o militar ordenou que fossemos para um canto do aeroporto, logo tivemos a certeza de que seriamos fuzilados.


Segunda maior cidade saudita, depois da capital Ryad, Jeddah é banhada pelo mar vermelho e por lá passa gente de várias partes do mundo. Mas isso não faz de Jeddah uma cidade liberal. Engana-se quem assim pensa. É das mais censuradas, até pela curta distância de apenas 80 Km em relação a Meca, a cidade sagrada dos muçulmanos, e por isso foi um alívio geral quando chegou o adido de imprensa da nossa Embaixada.

O inquieto e ameaçador policial era membro da polícia religiosa e todo aquele clima de terror que vivemos foi por “culpa” da Playboy, que ninguém da turma de repórteres atinou que se tratava de uma leitura proibida na Arábia Saudita. Situação devidamente esclarecida, o colega repórter estendeu o braço para entregar a revista ao policial e ele saltou para trás como se tivesse diante de um demônio. Sem tocar na revista, ordenou que fosse queimada ali mesmo num cesto de lixo do aeroporto. Só depois fomos autorizados a entrar no país para a cobertura do amistoso da Seleção Brasileira, que venceu o time do Al Ahli por 3 a 1 no Estádio Prince Abdullah Al-Faisal.

*NR: Paulo Nonato de Souza teve grande destaque na imprensa esportiva em São Paulo e voltou a residir em Campo Grande

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