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Pantanal vive situação atípica

Agência Brasil - 21 de agosto de 2003 - 09:19

Uma área de aproximadamente 55 mil Km² do Pantanal passa por um período de estiagem severa, segundo estimativas da unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). São mais de 50 dias sem chuva em sub-regiões pantaneiras que ainda não se beneficiaram da cheia anormal pela qual passa o rio Paraguai. Na cidade de Ladário (MS), que tem registros diários de mais de 100 anos, o Paraguai registrou, na 2ª feira (18), altura de 4,38 metros, ou seja, 35% acima da média histórica para essa época do ano, que é de 3,24 metros.

As sub-regiões de Nhecolândia, Paiaguás e Nabileque, todas no Pantanal sul-mato-grossense, são as que mais sofrem os efeitos da seca. O gado está mais magro e os animais silvestres buscam por alimento e água nas fazendas. Capivaras e jacarés morrem de sede e de fome. No caso do jacaré, a procura por água é uma armadilha. O réptil acaba se "enterrando" nas lagoas onde se deitou para saciar a sede. Ele fica imobilizado por causa do barro em que se transformam as lagoas.

A oferta de alimento é menor porque a vegetação está seca, o que prejudica também a pastagem. Com a redução do volume de água, formam-se salinas, baías de água salgada. Para salvar o gado, o pantaneiro monta poços de draga, para retirar água do rio, ou ainda poços semi-artesianos, as pilhetas. As estratégias acabam por beneficiar também os animais silvestres. Até agora, não há relato de perda de reses. O prejuízo fica por conta do baixo peso do animal, em função da má alimentação.

Em outra sub-região, a que leva o nome do principal rio que banha o Pantanal, a situação é totalmente inversa. Ali, devido ao atraso das chuvas no planalto onde nasce o Paraguai, na porção Norte da bacia, há água em abundância. "Os pantaneiros da sub-região Paraguai estão rindo à toa", comenta o pesquisador Sérgio Galdino, da área de hidrologia da Embrapa Pantanal.

O ecossistema pantaneiro tem 138 mil Km² de área, segundo Galdino. A bacia do Paraguai, em território brasileiro, ocupa 366 mil Km², de acordo com o Plano de Conservação da Bacia do Alto Paraguai (Bap), projeto desenvolvido de 94 a 97, com recursos do Banco Mundial e coordenado pelo ministério do Meio Ambiente. "Esse talvez seja o melhor diagnóstico da Bap e também do próprio Pantanal", observa o pesquisador. Como a área da bacia é muito grande, há trechos onde há chuva e, simultaneamente, outros trechos não registram chuva.

A cheia atípica do Paraguai, na avaliação de Galdino, sofre influência não só da chuva nos planaltos subjacentes, mas também do maior volume de água proveniente da chuva que ocorre nas cabeceiras de rios como o Cuiabá, principal tributário do Paraguai, o São Lourenço e o Piquiri. Apesar de não haver registros de volume de chuva para o Pantanal, tão antigos quanto os registros de volume de água do rio Paraguai, Galdino arrisca dizer que a quantidade de chuva nas cabeceiras pode até ser a mesma de outras épocas. Para ele, o que aumentou, de fato, foi o volume de água da chuva que chega a Ladário, cidade vizinha a Corumbá.

É que o planalto adjacente ao rio Paraguai era praticamente intocado até a década de 70, quando por estímulo do governo, inclusive com incentivos fiscais, abriu-se uma fronteira agrícola. Com isso, o desmatamento se acelerou. Agricultura e pecuária se desenvolveram, muitas vezes, sem técnicas de manejo de solo adequadas. O solo, assim, ficou mais exposto e a ausência de vegetação o tornou menos permeável. "A água infiltra menos no solo sem vegetação e escorre mais, formando enxurradas. Ou seja, o volume de chuva é o mesmo, mas a entrada de água é maior", avalia Galdino.

O posto de medição do volume do Paraguai, em Ladário, fica no 6º Distrito Naval da Marinha. A corporação faz medições também nas cidades de Cuiabá e Cáceres, ambas em Mato Grosso e em Porto Murtinho, que fica abaixo de Ladário. Cáceres é o ponto de intersecção entre o planalto e a planície. Galdino explica que a água desce com velocidade até ali, em função da maior declividade geográfica. Já na planície, onde a declividade é quase nula, a água desce lentamente. "De Cáceres a Ladário, são dois meses para a cheia tomar corpo e de Ladário a Porto Murtinho, mais um mês", conta. Daí o motivo do atraso de chuva nos planaltos beneficiar a região agora alagada.

O Paraguai registra, hoje, o maior pico de cheia dos últimos seis anos. Em Porto Murtinho, por exemplo, o nível do rio estava em 5,44 metros na 2ª feira (18). O rio transborda e alaga margens e planícies adjacentes. As baías próximas, que se alimentam do rio, ficam extremamente ricas em material orgânico, transportado pelas águas. Duas vantagens da cheia, apontadas pela pesquisadora Emiko Kawakami, chefe da Embrapa Pantanal, é a reposição do estoque pesqueiro e a renovação das pastagens nativas.

Surpresa - Com uma situação tão favorável na parte acima de Ladário, os pesquisadores da Embrapa Pantanal admitem surpresa com a seca nas sub-regiões pantaneiras de Paiaguás, Nhecolândia e Nabileque. "A situação é tão atípica que talvez precisemos rever os conceitos de seca e cheia", observa Galdino. A fazenda Nhumirim, sede da unidade de pesquisa, fica na Nhecolândia. Ali, a estação climatológica que avalia dados como temperatura, volume de chuva, umidade e ventos, é o único parâmetro para comparações de clima do Pantanal. De acordo com a pesquisadora Balbina Maria Araújo Soriano, o volume de chuva nessa região foi 35% menor nessa época, quando se faz a comparações com o mesmo período de anos anteriores. Choveu apenas 694,1 milímetros durante todo o período chuvoso dessa temporada.

Segundo Balbina, além da falta de chuva, essas sub-regiões sofrem com as altas temperaturas e a baixa umidade relativa do ar. "O cenário de estiagem é preocupante", diz a pesquisadora. A situação tende a se agravar porque as previsões a partir de setembro, quando reinicia o período de chuva, é de que o volume seja o mesmo da média histórica. "Isso significa um baixo volume de chuva para os próximos meses", afirma. Os dados relativos ao regime pluvial são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).


Lana Cristina

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