Geral
O recado do Cheida - O cavalo de Samarra
Na antiga Mesopotâmia, antes a região com a agricultura mais rica do mundo, hoje um deserto, um soldado, cheio de medo, procurou o rei:
- Majestade, salvai-me! Ajudai-me a fugir daqui! Eu estava na praça e encontrei a Morte, toda vestida de negro. Ela me olhou com olhos tão malévolos que, não tenho dúvidas, veio buscar-me. Dai-me vosso cavalo para que eu possa correr para bem longe. Quero ir para Samarra. Permanecer aqui será o mesmo que entregar-lhe a minha vida.
- Dêem-lhe o meu melhor corcel, disse o soberano compadecido arriem Relâmpago!
E fez-se a vontade do rei.
Mais tarde, andando pela cidade, o soberano encontrou a Morte e lhe disse:
- Meu soldado estava desesperado. Disse-me que a encontrou hoje, na praça, e que o olhavas de modo malévolo.
- Não, não respondeu a Morte meu olhar era de surpresa, apenas, pois não sabia como ele podia estar hoje por aqui, visto que o espero em Samarra, esta noite.
Na precipitação para resolver problemas imediatos, confiando na milagrosa velocidade e precisão de novas tecnologias, acabamos vencidos justamente porque corremos.
Nossa civilização tem sido comandada pela busca ao cavalo de Samarra. Também por isso, a crise ambiental em que estamos imersos é uma crise de civilização.
Nosso entendimento de progresso sustenta-se na necessidade de que tenhamos domínio sobre a técnica para que, através dela, dominemos os fenômenos naturais.
Dominando o mundo natural, podemos transformá-lo. Só transformando-o, podemos crescer, erradamente pensamos.
E erradamente agimos.
Crescer quanto e com qual objetivo, não importa. Também, pouco nos preocupa se as soluções encontradas aumentarão os problemas da humanidade como o esgotamento dos recursos naturais e os irreparáveis danos amplamente conhecidos.
Até aqui a velocidade tecnológica tem importado mais que o respeito aos tempos biológicos da natureza. O tempo em que os processos biológicos de amadurecimento e reparação se desenvolvem não são os mesmos que norteiam o voraz mercado.
Enquanto o mundo natural faz do equilíbrio uma evolução, a modernidade faz da celeridade uma condição.
Por isso, no fim da estrada que nos conduz a esse crescimento sem limites e a essa cega fé na tecnologia, pode haver uma Samarra a nossa espera.
O uso adequado da ciência não está em dominar a natureza, mas em viver de acordo com ela.
Quando a cavalo, é preciso trotar no tempo certo.
Um forte abraço e até sexta que vem.
--------------------------------------------------------------------------------
*Luiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia da Assembléia Legislativa do Paraná. Foi prefeito de Londrina, Secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.