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Usinas de cana fazem de índias viúvas de maridos vivos

Sandra Luz/Campo Grande News - 12 de fevereiro de 2008 - 18:06

Mulheres de indígenas empregados no corte da cana-de-açúcar em Mato Grosso do Sul são o reflexo das conseqüências sociais deste tipo de trabalho para as sociedades tradicionais no Estado. Elas podem ser comparadas a viúvas, mas de maridos vivos. Maridos que ficam meses fora, ou que preferem não voltar e assumem outras famílias.

“Ele foi embora e não voltou mais. Agora está em outra casa”, relata Maria Lopes, 57 anos, que mora na terra Kurrussu Ambá, em Coronel Sapucaia, distante 396 quilômetros de Campo Grande. Ela explica que não foi comunicada da decisão pelo marido, trabalhador de uma usina de cana, apenas soube após “muito tempo” que ele não retornaria para casa porque já tinha outra família.

A situação de Maria Lopes não é diferente de grande parte das mulheres indígenas cujos maridos são empregados nas usinas para cortar a cana-de-açúcar, conforme o representante do Cimi (Conselho Indígena Missionário) Egon Heck. “Não são raros, são casos que se dão com certa freqüência”. Ele explica que a situação é reflexo das injustiças praticadas contra povos indígenas que ficaram reféns da única alternativa de renda possível para esta faixa da população: o corte da cana.

Hoje, cerca de 12 mil indígenas atuam no corte de cana em Mato Grosso do Sul, de acordo com números do MPT (Ministério Público do Trabalho). Para eles, explica Heck, o custo para as relações sociais é alto, característica a própria atividade, considerando que os trabalhadores ficam longos períodos longe das famílias e amigos. Dentro das usinas o apelo é forte para o uso de drogas e alcoolismo.

O abandono é, por vezes, imposto mesmo com situações de fragilidade por parte das famílias, como aconteceu com Angélica Baio, 22 anos. O marido a deixou por outra família quando Angélica esperava o segundo filho do casal, hoje com 4 meses. A outra criança tem 5 anos e em 2007 ela foi vítima de um atentado à bala dias depois do nascimento do caçula.

No acampamento montando na terra Kurussu Ambá, Angélica e Maria Lopes são tratadas como viúvas, os maridos são considerados mortos porque depende delas e da comunidade o sustento aos filhos. Para Elocilda Pereira, 21 anos, ficar sem marido é ruim em especial para as crianças. As que ainda mamam têm o alimento garantido todos os dias, mas as que já desmamaram dependem das cestas básicas encaminhadas pela Funai (Fundação Nacional do Índio) que duram pouco. “Tenho cinco tias viúvas”, conta.

As esposas de trabalhadores de usinas misturam-se às que perderam os maridos por outros fatores, o principal deles é a violência. Foram várias facadas que tiraram a vida do marido de Hortência Rocha, 60 anos. Marluce Pereira Lopes ficou com duas filhas depois que o marido dela, o líder indígena Ortiz Lopes foi assassinado no ano passado. Outras que são consideradas viúvas pela comunidade são as mulheres de indígenas presos por conflitos na região. São quatro somente em Coronel Sapucaia.

No caso das mulheres que estão no trabalho e ainda vão retornar, como o de Sandriele Fernandes, 20 anos, a questão perpassa pelo quanto do salário chega à aldeia. O emprego dos salários para a família é prejudicado quando o indígena entra em conflito com a realidade da sociedade não-índia. “São casos de auto-afirmação, muitas vezes para benefício individual no caso dos mais jovens”, explica Heck.

Ele afirma, ainda, que diante da exploração imposta aos indígenas, muito pouco dinheiro chega às famílias. São freqüentes as denúncias de atrasos nos pagamentos dos salários e, ainda, de exploração em situação análoga ao trabalho escravo.

Dados do Ministério do Trabalho e Emprego apontam que Mato Grosso do Sul está em segundo lugar no País entre os estados que mais exploram a mão-de-obra análoga à escrava. Das 5.968 liberações de trabalhadores realizadas no ano passado pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego, 1.634 foram registradas em Mato Grosso do Sul. Os números de 2007 superam em 5.534% os registros de 2006, quando 29 trabalhadores foram resgatados.

As principais liberações acontecem em áreas de expansão de cana-de-açúcar e envolvem, em especial, trabalhadores indígenas. Em uma usina de Brasilândia, distante 358 quilômetros de Campo Grande, foram liberados. E no começo do ano foram 150 liberados de uma destilaria.

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