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Relatório da USP critica direitos humanos em MS

Sandra Luz - Campo Grande News - 16 de março de 2007 - 19:38

A situação dos direitos humanos em Mato Grosso do Sul foi criticada no Terceiro Relatório Nacional sobre Direitos Humanos no Brasil, apresentado nesta sexta-feira, pela USP (Universidade de São Paulo). O relatório enfocou as situações registradas entre 2002 e 2005, e destaca a morte de crianças indígenas pela fome na região sul do Estado, o assassinato de indígenas em conflitos agrários, a ausência de uma ouvidoria penitenciária, a existência da prática de tortura por policiais, o assassinato de jornalistas e a exploração de crianças e adolescentes para fins sexuais, ou para o tráfico de entorpecentes.

De acordo com o relatório, entre 30 de outubro de 2001 a 31 de julho de 2003, o serviço SOS Tortura recebeu 30 denúncias contra agentes públicos do Estado. Das denúncias, 12 foram registradas em Campo Grande e 18 no interior, nenhuma delas resultou em responsabilização do denunciado, denuncia o documento.

Houve, ainda, 20 casos de violência policial com 21 vítimas fatais e 41 feridas. Segundo o relatório, 20 pessoas foram executadas sumariamente e houve seis casos de linchamento com sete vítimas fatais. Diferente do restante da pesquisa, os dados sobre a violência policial consideram denúncias do período de 1980 a 2005.

A USP apontou que a taxa de homicídios no Estado é alta, ficando em 56,9 para cada mil habitante considerando os 686 assassinatos registrados em 2002. Recentemente, a OEA (Organização dos Estados Americanos) apontou que Coronel Sapucaia ocupa a terceira posição em assassinatos no País. Conforme a USP, a taxa de homicídios em Campo Grande é de 48,9 para cada grupo de 100 mil habitantes.

A pesquisa aponta que no período de estudo o volume de conflitos agrários gerou 29 mortes. Os dados usados são da CPT (Comissão Pastoral da Terra), que registrou 31 conflitos em 2003 com uma morte. Em 2004, de janeiro a agosto, foram 51 conflitos, envolvendo, sem registro de mortes e, m 2005, de janeiro a agosto, foram 39 com 28 mortes. Já os dados da Ouvidoria Agrária apontam 18 ocupações de terra no Mato Grosso do Sul em 2004, sem mortes. Entre janeiro a novembro de 2005 foram nove conflitos, com uma morte não decorrente de conflitos agrários.

Os pesquisadores não encontraram relatos de trabalho forçado em Mato Grosso do Sul. Quanto ao sistema penitenciário, é feita uma crítica à falta de informações oficiais relativas a rebeliões, fugas e mortes entre 2002 e 2004. Os dados apontados na pesquisa foram coletados pela imprensa, que registrou rebelião de 102 detentos em Paranaíba em 2002, com a duração de 25 horas, a morte de dois presos e tentativa de assassinato de outro, que teve 70% do corpo queimado.

Também com dados da imprensa, o relatório cita a morte de quatro presos em Campo Grande entre abril a julho de 2002. Um quinto detento foi morto depois de ter tido o olho direito praticamente arrancado. Eles morreram após uma tentativa de fuga.

Pelos dados do relatório é apontada ausência de liberdade de imprensa, com a citação das mortes do radialista Samuel Roman, com 11 tiros em Coronel Sapucaia; e de Edgar Ribeiro Pereira da Silva, de Campo Grande em 2003. Em ambas as mortes o relatório cita o envolvimento de autoridades.

É citada, ainda, a condenação em fevereiro de 2003 de Waldemir Machado, Theófilo Stocker e Ismael Meurer Silveira, pelo envolvimento na morte da prefeita de Mundo Novo Dorcelina Folador.

Quanto à exploração sexual de crianças e adolescentes, a USP aponta que entre 15 de maio de 2003 e 6 de janeiro de 2005 houve 7,31 denúncias por grupo de mil habitantes no Estado. A situação marcou a instauração de uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) para investigar as redes de exploração de crianças e adolescentes na fronteira. No Estado foram consideradas críticas a rodovia BR-262, na região de Corumbá e BR-463, em Ponta Porã.

O relatório cita casos que marcaram o Estado, como o aliciamento de pessoas com menos de 18 anos em prostíbulos de Dourados e Corumbá; de vereadores que em Campo Grande foram denunciados por abuso e estupro; de um pastor que abusava mulheres no bairro Lajeado afirmando que estava possuído; e por adolescentes exploradas em boates e obrigadas a usar drogas.

O aliciamento de adolescentes foi registrado, ainda, na fronteira do Brasil com a Bolívia, em Corumbá e em Ribas do Rio Pardo, onde um religioso tomava meninas de 12 anos como esposas. Uma das adolescentes relatou que o grupo, formado por outras seis da mesma idade, eram ameaçadas com castigos divinos. A exploração de meninas em Tacuru também foi citada.

Quanto à situação das mulheres, o relatório aponta que houve 250 estupros no Estado, o que gera uma taxa de 23,06 para cada grupo de mil habitantes. O volume de assassinatos, 78 em 2002, resultou em 7,2 mortes violentas de mulheres por grupo de mil habitantes. Até abril de 2006, nenhum município deste estado havia aderido ao Plano Nacional de Políticas para Mulheres, que auxilia esse grupo da população.

Pelos dados coletados pela USP é possível afirmar que em Mato Grosso do Sul os afro-descendentes (negros e pardos) têm risco maior do que os brancos de serem vítimas de violência. De 2000 a 2002, para cada branco, 1,12 afro-descendentes foram mortos vítimas de agressão, sendo registrada oscilação desta taxa de 1,11 em 2000 para 1,14 em 2001 e 1,12 em 2002.

A taxa de analfabetismo da população negra era de 12,12% em 2003, quando da branca era de 8,05%. Já a escolaridade média era 7,83 anos de estudo para a população branca e 6,31 anos para população negra. Quanto ao trabalho, a renda domiciliar média era de R$ 402,28 para população branca e R$ 219,98 para população negra. O salário-hora médio era de R$ 4,51 para população branca contra R$ 2,63 para população negra.

Terra indígena-O confinamento dos indígenas guarani-caiuá é apontado como a principal causa da violência desse povo, incluindo homicídios, suicídios, desnutrição e da falta de recursos econômicos. Segundo o relatório, os índios vivem em situação de miséria e trabalham como mão de obra barata em usinas de cana de açúcar.

Os pesquisadores afirmam que a maior parte das terras, ao menos 3 milhões de hectares, está nas mãos de fazendeiros produtores de soja. Confinados, o acesso à comida encontra dificuldades. Em 2004, a Funasa (Fundação Nacional da Saúde) atendeu cerca de 7.320 crianças da etnia Guarani-Kaiowá, menores de 5 anos, das quais 2 mil eram desnutridas ou estavam abaixo do peso normal. São citados os casos de 17 crianças que em 2005 morreram vítimas da desnutrição. Por conta das mortes, a Assembléia Legislativa que chegou abrir uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) e o Congresso Nacional uma CPMI.

Os conflitos de terra e a falta de comida são determinantes para o aumento das taxas de suicídio e homicídio, as maiores do País. Foram 27 27 homicídios e 46 suicídios em 2002. Em 2003, caiu para 21 o número de homicídios e aumentou para 50 o número de suicídios. Entre janeiro de 2001 e julho de 2003 a Funasa registrou 132 suicídios.

No primeiro semestre de 2005, foram registradas 20 mortes violentas indígenas no Mato Grosso do Sul. Entre janeiro e março de 2005, notícias de seis assassinatos e dez suicídios de indígenas foram publicadas nos jornais do Mato Grosso do Sul. Um dos casos citados pela USP é a morte do guarani Marcos Verón, cacique Guarani-Kaiowá de 72 anos, que liderava um grupo de pessoas na ocupação de um território indígena morreu
no hospital depois de ter sido espancado.

O grupo, que se reunira inicialmente no dia 11 de janeiro de 2003, tentava reocupar pacificamente uma pequena área do território indígena de Takuara, localizada na fazenda Brasília do Sul, em Juti, de onde foram em 1953. Na madrugada do dia 13 de janeiro um grupo de cerca de 30 homens atacou o acampamento dos indígenas. O caso foi levado à Anistia Internacional por Ladio Verón, “Ava Taperendy’i”, filho de Marcos. Ainda em 2005 foi citada a morte de Dorival Benitez, espancamento de uma grávida por conflitos agrários na terra tradicional Sombrerito, em Sete Quedas.

Ponto Positivo – Mesmo com os problemas de violação apontados, o relatório destaca como positiva a iniciativa do Judiciário de aproximação da comunidade com o projeto Justiça Itinerante, implantado em 2001.
Por meio de um ônibus, a população de sete comarcas recebe atendimento jurídico. A Justiça Itinerante atende todos os conflitos de competência dos juizados especiais e os de família, que podem ser solucionados de forma consensual.

O trabalho de tentar a conciliação é feito por conciliadores voluntários e, não sendo possível a conciliação, as partes e os respectivos autos de processo são encaminhados aos juízos competentes, para a solução final da causa, com ampla orientação às partes envolvidas.

O trabalho conta com dois juízes, juízes substitutos, que recebem as reclamações e realizam audiências dentro de um ônibus equipado com infra-estrutura de um cartório normal, com equipamentos de informática, gerador de energia e mobiliários, permitindo o atendimento e recebimento das reclamações e a realização das audiências.
Também é elogiado o trabalho da Justiça Comunitária, que funciona por intermédio dos agentes comunitários, responsáveis em mediar os conflitos da comunidade e prestar orientação às pessoas.

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