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Recado do Cheida: Exótica paca

Luiz Eduardo Cheida - 14 de dezembro de 2007 - 18:55

Recebi no gabinete, esta semana, uma comitiva de pacas.
Traziam a preocupação de que, de um ano para cá, sua população residente na fronteira entre Brasil e Paraguai experimentava brutal redução.

- É onça! – pensei. Contudo, antes que pudesse falar, a paca que liderava o grupo me encarou:

- Viemos em paz. Mas , no mato, o clima é de guerra.

- Senta, gente! – E, para acalmar os ânimos, pedi à Vilma que servisse a cada uma delas um punhadinho de capim.

E foi naquela reunião em forma de roda de viola, que tomei ciência das ocorrências.

Uma paca gorda, vesga e com cara de barba por fazer, soltou a voz tremida:

- Há meses, em toda lua cheia, se estabelece na região um tiroteio sem-fim. Começa nos giraus das árvores, se estende para dentro da quiçaça, e só finda no deitar das estrelas. As balas passam soltando aquela musiquinha e é tanta que, muita vez e outra, é bala tropeçando em bala. Quando a fumaça baixa no assoalho da mata, quem não fugiu, morreu.

Um silêncio fúnebre caiu sobre a sala. Uma consternação profunda. Só agora percebia que me encontrava diante de parentes de vítimas. Em verdade, sobreviventes de reincidentes massacres executados à luz do luar.

- Serve, Vil ma! – interrompi, e comandei a secretária, plantada no meio da roda com a boca aberta e a bandeja de capim entre as mãos, trêmula pelo macabro relato.

A paquinha vesga mastigou, agradeceu e continuou:

- Semana passada, após meses de extermínio, resolvemos contra-atacar. Mapeamos os homens devoradores de paca.

Ao ouvirem a expressão, os animaizinhos da roda apertaram os olhos, pretos e miúdos como tanajura de formiga, e encolheram ainda mais a já encolhida cauda.

A vesguinha prosseguiu:

- Demos queixa. A polícia bateu atrás dos carnívoros e os encontrou, de braseiro aceso, churrasqueando doze de nossas melhores amigas. Artemízio Bragança, sargento de carreira, e quatrocentos gramas de chumbo de cartucheira espalhados pelo corpo, já chegou erguendo pela aba do paletó o primeiro churrasqueiro que achou. E passando a mãozona em forma de espanador pela cara do sujeito, foi logo dizendo:

- Churrasco de paca? O patrício, agora de indiant e, vai é comer farinha nos cafundó da delegacia!

- Mas, para surpresa nossa – a paquinha prosseguiu seu relato - um tal Juan Bagual, de avental e botinas, falando no castelhano de sua língua natal, assim protestou:

- Um momento, Don Artemízio! Que ilícito constata aqui a sua autoridade?

- Estão comendo bicho silvestre brasileiro e isso é um desacordo integral com a lei de crimes ambiental – fungou pelas cornetas do nariz.

- Não tem importância, doutor. É paca exótica... a lei deixa erradicar.

- Paca exótica? – enfureceu-se Artemízio.

- É paca paraguaia!

Naquela mesma noite, nos confins e na escuridão do xilindró, devidamente guardado, o grupo de devoradores de paca lamuriava-se:

- Imbecil! Você tinha que mentir para o guarda que era paca paraguaia?

E o outro, ainda de avental, agora com a cabeça entre as pernas:

- ¿Por qué no te calas?

Artemízio Bragança sorria. Afinal, trancara a cela e jogara as Chaves fora.

Um forte abraço e até sexta que vem.

Paca: Cuniculus paca. Roedor cinzento ou marrom, meio metro de comprimento, dez quilos de peso. Cauda e membros curtos, dedos alongados. Vive em florestas, perto de água. Passa o dia na toca e sai à noite. Gosta de frutos silvestres e detesta caçadores







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Luiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia e Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Paraná. Foi prefeito de Londrina, Secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

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