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Quem aprende a amar não esquece

Camila Cotta e Ubirajara Jr/ABr - 22 de maio de 2004 - 10:56

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Falar ou conceituar o Amor é confuso é difícil para as pessoas. Normalmente a palavra é entendida ou confundida com "experiências", casos fortuitos, namoro, ou, mais modernamente, como "azaração". Até os estudiosos e "especialistas", em sentimento humano não apresentam conceitos consistentes ou plenamente satisfatórios. Essa observação da pedagoga Rosana Rodrigues da Silva enquanto realizava pesquisa para sua tese de doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), direcionou-a no convencimento de que o Amor "é um fenômeno aprendido pelas pessoas e que depende da somatória das experiências vividas". Ela conta que para montar sua tese "O Amor e seus Mo(vi)mentos" - trabalho que demorou três anos -, além de buscar os conceitos atribuídos ao Amor, por meio de uma revisão bibliográfica, procurou também descobrir os sentidos atribuídos ao fenômeno, mas que estavam oculto na psique das pessoas entrevistadas. Atualmente, Rosana trabalha com as disciplinas Fundamentos do Desenvolvimento e da Aprendizagem e Psicologia da Educação, no Instituto Superior de Ciências Aplicadas (Isca), em Limeira (SP). Para ela, embora milenar, moído e remoído, o Amor ainda precisa de muito estudo para ser "entendido". Nessa entrevista, além do Amor, cujo Dia Internacional se comemora amanhã, Rosana fala também de auto-ajuda, relacionamento afetivo e emancipação feminina.

C&T - Qual seria um bom conceito para amor?

Rosana - O primeiro conceito bem abrangente seria: o amor é um fenômeno apreendido na vida das pessoas e que depende das experiências vividas. Pesquisando para minha tese de doutorado (O Amor e seus Mo(vi)mentos) consegui chegar a essa palavra que chamo de fenômeno que não considero nem sentimento e nem emoção, mas um fenômeno da vida das pessoas que é o amor. Sou pedagoga de formação e a minha primeira intenção era discutir a afetividade dentro da sala de aula. Para ter elementos suficientes para falar a respeito disso, precisava de uma palavra chave que compreendesse a vida das pessoas. É que todo mundo tem um aspecto mestre em sua vida emocional, sentimental. O que me pauta nisso é, por exemplo, verificar que uma criança quando nasce não tem experiência nenhuma; ela observa muito os outros e começa, a partir dessas observações, formar opiniões e atitudes, que são muito importantes para um momento futuro quando começar a se relacionar com as pessoas. Ai afunilando essa questão do relacionamento até chegar no amor, que compreendemos de uma forma totalizadora, holística, do senso comum da junção do passado e presente de todas as experiências, de tudo que a pessoa possa oferecer em benefício de si mesmo e da humanidade. Então, aí, o amor seria um fenômeno aprendido que pauta pelo holismo, pela integridade e totalidade do ser.

C&T - Se o amor é um fenômeno apreendido pode-se dizer que é manipulável?

Rosana - É. Ele pode ser manipulado. Imagine uma criança, ela esta recebendo todas as informações dos adultos, das pessoas que estão cuidando dela. Se de repente uma pessoa agir de má fé em relação a essa criança para tirar proveito de uma situação, pode ser considerada uma atitude manipulatória.

C&T - Então poderíamos dizer que o ódio é um fenômeno aprendido?

Rosana - Partindo da questão das experiências, elas são as atitudes que nós temos na vida e quando passamos por uma nova situação semelhante a anterior a gente faz uso da memória. Essas atitudes não são livres de emoção, a pessoa sempre vivencia um fato e junto a ele tem toda uma carga emocional. A pessoa “fantasia” uma situação. Exemplificando em termos de relacionamento, um casal que tem uma vida tranqüila e de repente o homem precisa fazer uma viagem a trabalho e a mulher fica sozinha. Durante dias ela não recebe notícias dele. Então começa a sofrer pensando no que ele pode estar fazendo. Será que ele está com outra pessoa, que não gosta mais dela? E, dependendo do tempo da ausência do companheiro essa carga emocional será muito ampliada. Então, não é o simples fato da falta de comunicação, mas também os sentimentos que acompanham isso. Assim, essa questão do ódio sempre tem essa parte emocional que a pessoa fantasia, que a pessoa complementa o fato em si, tanto em relação ao amor quanto em relação ao ódio. Essas duas situações são aprendidas, porque é um fato mais o componente emocional.

C&T - O ciúmes, então, seria o resultado dessa interação entre lembrança, insegurança e atitudes que criamos?

Rosana - Sim, porque quando a gente fala de amor numa visão holística, totalizadora, pensamos no ser completo. Se as pessoas são completas, seguras de si, lógico o ciúme seria o cuidado com a outra pessoa. Mas se a pessoa tem um ciúmes exacerbado isso já muda a configuração. Aí a pessoa já incorpora um sentimento de posse em relação à outra pessoa. Dependendo da carga emocional, da “fantasia” que a pessoa promove os fatos da sua vida, ela vai sentir mais ou menos ciúmes. É interessante observarmos isso. Procurei a concepção do amor mais numa visão transpessoal que é justamente ultrapassar a questão do limite de espaço, tempo, pensar num amor não psicológico e sim mais espiritual. O amor psicológico, penso, em termos de tempo, é passional e o espiritual é atemporal e mais maduro. Isso acaba influenciando muito nos relacionamentos e no dia-a-dia das pessoas.

C&T - A partir do seu conceito inicial de amor, podemos dizer que o gostar ou o sentimento amoroso dos séculos XIX e XX será diferente deste século XXI?

Rosana - Acredito que sim, pois muda a concepção que as pessoas têm no dia-a-dia. Se pensarmos nos primórdios, o homem cuidava da caça e tinha uma atividade predominantemente fora da comunidade onde ele precisava prover o alimento para a família. A mulher cuidava do ambiente familiar e das crias. Com o passar do tempo ainda se mantém essa característica, mesmo falando que o machismo caiu, ainda existe essa concepção emocional do homem ser o provedor, apesar da mulher ser polivalente. A essência permanece, mas as pessoas tentam mudar a concepção e aos poucos observamos que os valores estão sendo modificados. Existem muitos pais que assumem a responsabilidade perante o filho, os chamados pais solteiros. A essência existe, mas no dia-a-dia alguns grupos de pessoas tentam mudar essa situação. No meu ponto de vista há sim uma evolução em relação ao amor. Não existe nenhuma pesquisa que nos mostre, mas acredito que a essência está sendo modificada.

C&T - Na sua opinião porque hoje os relacionamentos são mais curtos e menos duradouros?

Rosana - Estive procurando algumas coisas relacionadas à alma gêmea. A concepção que temos sobre esse assunto é um complemento. Eu sou uma metade e procuro uma outra metade. Então, com essa visão metafísica as pessoas ficam procurando esse complemento. E algo que encontrei de interessante na minha pesquisa foi à questão de alguns autores como Ray e Deepak Chopra afirmarem que alma gêmea não existe com essa concepção, porque seria uma mesma formação monádica, ou seja, a origem dela seria a mesma. Essas pessoas com a mesma origem seriam muito parceiras, companheiras, no sentido de fazer algum bem para a sociedade e não num relacionamento amoroso. Desta forma, o que significaria essa questão de alma gêmea que tanto as pessoas falam? Entre aspas seria um capricho dos deuses, como se expressou Chopra. Porque são duas pessoas, dois deuses, perfeitamente completos, senhores de si, com capacidades próprias, eu superior, que não precisariam de nada. Mas se dão o luxo de conhecerem outro eu superior que está plenamente resolvido, totalizados resolvem viver uma situação prazerosa para ambos. Se tivermos essa visão de integridade para nos compreendermos mais, sabermos nosso objetivo de vida, ser mais empático, então seríamos mais completos. Gostando da gente nós teríamos mais possibilidades de encontrar uma pessoa completa também e nesse sentido ter um relacionamento mais duradouro. E, assim, não tão volátil como acontece hoje.

C&T - Então o que seguraria os casamentos de 20 e 30 anos atrás?

Rosana - Justamente a integridade das pessoas.

C&T - A emancipação conquistada pela mulher na década de 70, englobando a sexualidade, o mercado de trabalho, a igualdade com o homem, ou seja, a revolução feminina como um todo, isso influenciou no relacionamento das pessoas?

Rosana - Influenciou sim. Primeiro porque como disse anteriormente, o homem provia tudo e todo o sustento da família. De repente, houve um certo abalo, aí temos novamente a questão da carga emocional. Esses fatos (emancipação) trouxeram alguns fantasmas para o homem. Hoje, em termos de relacionamento, vemos que as mulheres também saem a caça, não ficam mais na passividade de aguardar os rapazes fazerem algum contato. Isso assusta. Portanto, essa posição da mulher de mais autonomia, mais confiança, acaba modificando as relações. De certa maneira, buscando um pouquinho de igualdade, não sei se isso é benéfico ou não nos relacionamentos. Falando do ser humano, cada um tem características particulares, apesar da emancipação da mulher em estar buscando um pé de igualdade com o homem, creio que cada um tenha a sua função. O homem, por exemplo, não conseguirá gerar uma vida como a mulher. A questão da essência deveria ser respeitada, do lado espiritual.

C&T - Hoje, a fragilidade dos relacionamentos, com a emancipação da mulher, passando a ser também caçadora, não levou a direcionar muito a palavra amor à palavra sexo. Não arrastou o amor para a sexualidade afastando-o do sentimento?

Rosana - É verdade. Na minha pesquisa fiz um trabalho de rastreamento para verificar o que os pesquisadores falavam de amor e fui a campo também. Selecionei uma classe de universitários e fiz a pergunta: O que seria amor para vocês? A primeira resposta ou contra-pergunta que tive foi de um universitário perguntando o que deveria escrever, se era sua experiência atual, o que estava vivendo. As pessoas não conseguem definir o amor, não sabem o que é isso. Elas podem sentir, cada um num grau de intensidade, pois cada um tem suas experiências vividas, mas na hora de verbalizar fica muito difícil. As pessoas acabam colocando o amor como filme com final feliz, de relacionamentos bem sucedido - questão emocional e sexual. As pessoas entrevistadas não conseguiram centrar uma definição e contaram toda a vida. Por isso que acabei definindo o amor como as experiências vividas, que não tem como desvincular. A pessoas que teve vários relacionamentos em sua vida e em cada um tem um encontro sexual, ela vai ficando afastada do que seja esse amor. O sexo dá aquela satisfação imediata, o amor não. Ele transcende isso. O sexo é prazeroso, não leva a pessoa a nenhum crescimento. O amor não, faz a pessoa rir e chorar, oferece condições para a pessoa refletir sobre sua própria vida e sobre a vida da pessoa ao seu lado. E não é só o amor homem e mulher, é com o amor universal.

C&T - Nesse sentido de sexualidade, você acha que a Aids veio a ser um divisor de águas no sentido de mudar o conceito não só de relacionamento mais também de sentimento amoroso?

Rosana - Ela limitou mais. Nunca havia pensado nada nesse sentido, mas acho que as pessoas começaram a analisar mais o outro com objetivo de selecionar para um envolvimento maior na questão da sexualidade do que na parte emocional. Por exemplo, a questão do amor a primeira vista, ouvir as pessoas falarem que foi vítima de um amor a primeira vista quando da certo. Hoje em dia é um pouco difícil ouvir falar disso. Na atualidade as pessoas estão pensando um pouquinho mais.

C&T - Você acha que a grande quantidade de livros de auto-ajuda que são lançados hoje é resultado da fragilidade do relacionamento das pessoas, ou seja, se estivéssemos vivendo relações mais sólidas esses livros não venderiam tanto e esses autores não fariam tanto sucesso?

Rosana - Com certeza. Os livros de auto-ajuda servem para as pessoas tentarem se encontrar. É uma coisa que preocupa, pois as pessoas estão muito fragilizadas, não estão conseguindo ter o seu próprio tempo. Estamos sempre desempenhando uma atividade pensando na atividade seguinte e não paramos e pensamos no que realmente estamos fazendo, não é à toa que cresce as estatísticas de acidentes. A questão da auto-ajuda é mais ou menos isso, ás vezes precisamos escutar alguma coisa de outra pessoas para parar e pensar no que realmente estamos fazendo da vida, ajudar naquilo que não conseguimos encontrar em nós mesmos. As pessoas estão precisando olhar para si, pois não estão conseguindo se enxergar.

C&T - Você acha que a busca do corpo perfeito, do ideal estético, é em função da saúde ou para se projetar, chamar a atenção do outro?

Rosana - Aqui em Campinas - interior paulista - temos parques em que as pessoas fazem exercícios, e que dizem que há horário para fazer exercício e horário para fazer uma azaração. Se você observar o horário próprio para o exercício, verá pessoas belas, com saúde, mas só que centrados em si. No horário que já serve para os namoros, se encontra pessoas muitas bem vestidas, de barriga de fora, rapazes musculosos. Dá para distingüir muito bem o que é síndrome do pavão dos que estão buscando um condicionamento físico melhor. Há um limite para aquelas pessoas que estão buscando a saúde. Essa questão de culto ao corpo tem muito a ver com o se mostrar para o outro, ou seja, a primeira imagem é a que fica. Não acredito muito quando se diz que o interessante é a beleza interior. A gente conhece a beleza interior do outro depois de um bom tempo de convivência. Acredito mais que nessa cultura exacerbada do corpo tem muito mais a ver com o se mostrar, apresentar uma imagem agradável aos olhos do que com o amor

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