Geral
Alcides Silva: Língua portuguesa, inculta e bela!
Do lado esquerdo...
Amigo é coisa para se guardar / no lado esquerdo do peito, / mesmo que o tempo e a distância, / digam não, / mesmo esquecendo a canção, lembra Milton Nascimento na linda Canção da América. Do lado esquerdo carrego meus mortos / Por isso caminho um pouco de banda(Carlos Drummond de Andrade). Tem uma paixão morando aqui do lado esquerdo / que dá medo, que dá medo / É segredo, é segredo, cantam César Menotti e Fabiano.
Como empregado acima, a frase do lado esquerdo tem o sentido conotativo de coração.
O pão é uma palavra bíblica que exprime alimento. Comer o pão com alguém significava tomar com ele uma refeição ou um banquete ou, então, concluir uma aliança (Gên. 31,54); daí a expressão usada em Abdias 7, os homens do teu pão. O pão é comparado à sabedoria (Prov. 9,5, o pão da inteligência e a água do conhecimento). A eucaristia é o pão da vida O pão nosso de cada dia.
A esse emprego da mesma palavra para significações diferentes dá-se o nome de metonímia, uma figura de linguagem que consiste na ampliação do âmbito de significação de uma palavra ou expressão, partindo de uma relação objetiva entre a significação própria e a figurada, conforme ensina Mattoso Câmara Jr. (Dicionário de Filologia e Gramática, 4ª ed., p.263).
Comerás o pão com o suor de teu rosto foi a maldição lançada contra Adão (Gên. 3, 19), por ter provado do fruto proibido.
Na Estilística e na Retórica, essa ampliação da significação usual das palavras (pão = alimento; suor = trabalho; rosto = corpo; lado esquerdo = coração = sentido emocional = amor, afeto), chama-se sinédoque, uso da palavra fora do seu conceito real. Na sinédoque, que é uma espécie de metonímia, há uma ampliação ou redução do sentido usual da palavra:
Na Grécia antiga, synedoché significava compreensão de várias coisas ao mesmo tempo.
Se pretendo dizer que alguém só pensa em mulher, posso substituir essa expressão por outra mais significante e enfática: só vive pensando em saias ou só anda atrás de rabo de saia. Na primeira situação, mulher é uma palavra unívoca, isto é, só admite uma única interpretação; na segunda, saia é plurívoca, têm diversas significações ou compreensões.
O mesmo se dá com a palavra cama. De um móvel destinado ao descanso, ao leito, para dormir, hoje, na chamada música popular, cama passou a significar um relacionamento sexual: Mesmo com toda a fama, com toda a brahma / com toda a cama, com toda a lama / A gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando, poetaram Chico Buarque e Caetano Veloso na canção-protesto Vai levando.
Ela é de cama, mesa e banho do chefe, mas é competente (Serra e Gurgel).
Na Segunda Guerra Mundial, depois da tomada de parte da França pelas tropas nazistas, Winston Churchill, primeiro-ministro da Inglaterra, sintetizou ao mundo que só poderia oferecer suor, sangue e lágrimas, expressando, assim, nas manifestações físicas do ser humano, as angústias, as privações e os sacrifícios pelos quais passariam não só os ingleses, mas toda a humanidade.