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Luciane Buriasco

Luciane Buriasco - Não Olhe Para Trás

Magistrada Luciane Buriasco Isquerdo - 03 de julho de 2017 - 08:20

Luciane Buriasco - Não Olhe Para Trás

Não Olhe Para Trás é um filme de 2015, disponível no Netflix, dirigido por Dan Fogelman, com Al Pacino no papel de um roqueiro famoso, já velho, rico, que levou a vida dos últimos quarenta anos entre shows, mulheres jovens, bonitas, mas que o viam meramente como “coroa rico” e o traíam, ou seja, relacionamentos sem amor, muita cocaína, mansões e carros esportivos, além de um vestir meio exagerado. Chega então a ele uma carta de John Lennon, que era para lhe ter sido entregue há quarenta anos, que fala dele se manter c onectado com ele mesmo e sua música, mesmo depois que o sucesso viesse. Ele vai então atrás do filho que nunca conheceu, nora e neta, e tenta voltar a compor. A ideia de não olhar para trás é a de recomeçar, mesmo tarde, e mudar o que for necessário na nossa vida.

Para o filósofo iluminista Immanuel Kant, o homem não sabe o que quer, daí, muito embora todos queiram a felicidade, não há como se construir uma regra geral para isso. Ele aposta então numa regra geral de conduta, espécie de teoria da moralidade, que ele chamou na época de Metafísica dos Costumes, segundo a qual se deve fazer somente o que se queira que se torne uma lei universal, ou seja, não leso o outro porque não quero que lesar o outro se torne uma lei universal, ou acabaria lesado.

A psicanálise, mais recente, aposta na fidelidade ao desejo. Se cada um é diferente, os projetos de felicidade são únicos, restando descobrir cada qual seus próprios desejos e ser fiel a eles. Nem a descoberta, nem o encontrar os meios de se ser fiel aos desejos é tarefa fácil, daí a necessidade do próprio analista, já que há muito de inconsciente nisso e de desejos de outras pessoas que sem nos darmos conta vamos sendo fiéis, em vão tentando encontrar aí nossa felicidade.

Freud diz que não há como viver sem satisfações substitutivas. Coisas como religião (única a dar conta do sentido da vida, de se ver algo bom numa desgraça), ciência (para poucos, mas para ele dispensa até religião), arte (podemos adaptar para artesanato para também não ficar para poucos), a química (drogas, álcool e mesmo antidepressivos hoje ou substâncias produzidas pelo próprio organismo, como a serotonina, ao se praticar exercícios). Ele fala também das pessoas que se realizam de forma narcísica, ou no trabalho, ou eroticamente, na relação com o out ro. Não haveria como escapar disso para se encarar a vida com suas mazelas, e assim como não se deve investir dinheiro numa só coisa, seria bom termos mais de uma satisfação substitutiva na vida. Isto está no início do texto O Mal-estar da Civilização. Com muito bem apontado em tal texto, o que mais nos infelicita, além da degradação do corpo, é nossa agressividade, especialmente aquela que sabemos possa vir do outro.

Difícil, portanto, e muito particular qualquer construção de vida feliz. No convívio com os outros, além do cuidado de não satisfazer desejos alheios pensando ser nossos, temos de nos proteger da agressividade do outro, que pode muitas vezes ser motivada pela inveja. Algo como, usando da linguagem da psicanálise, “Como você ousa ser fiel ao seu desejo enquanto fico aqui renunciando ao meu, ou sem saber o que desejo, ou sem pagar o preço de satisfazer o meu?”. Falando mais simplesmente, “como você ousa ser feliz quando eu não sou?”.

No filme Não Olhe Para Trás, há dois muito distintos projetos de felicidade: a do famoso e rico, mas sem vínculos sólidos de afeto, e a do sujeito normal que se casa com quem ama e tem seus filhos, não gosta muito do patrão nem do que ganha, mas torce para seu time e tudo fica bem. O roqueiro não julgava a sua uma vida feliz e quis que o filho tivesse uma vida normal. No cruzar dessas vidas, a relação com o filho deu mais sentido à sua e o filho pôde acalmar s uas preocupações financeiras e pelo o menos dali em diante ter a presença do pai em momentos importantes da vida, como ao saber se iria ter ou não sua vida interrompida por uma leucemia fatal.

Seja lá o que for felicidade para nós, que saibamos o que seja, para podermos ser fiéis a nossos desejos, que tenhamos nossas satisfações substitutivas, enfrentemos o medo dos outros, e recomecemos, toda vez que for necessário, a cada fase da vida, olhando para frente. Isto também serve para este cenário político onde não sobram muitas opções de voto, bem como para as mudanças legislativas e jurisprudenciais, mas hoje não vou falar nem de política, nem de Direito.

Luciane Buriasco Isquerdo é Juíza de Direito da 2.a. Vara Cível e Criminal de Cassilândia-MS, apresentadora dos programas de rádio Culturativa (http://www.radiopatriarca.com.br/culturaativa.asp) e Em Família, na Rádio Patriarca. Siga-a no Tweeter: @LucianeBuriasco

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