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Recado do Cheida: Cadê meu zap?

Luiz Eduardo Cheida* - 20 de abril de 2009 - 08:00

Estávamos, meu cachorro e eu, jogando uma partidinha de truco, quando a notícia, qual ave de mau agouro, pousou em cima da mesa:

PIMENTÃO CONTÉM MAIS AGROTÓXICO, AFIRMA ANVISA

- Que falou o ministro Temporão? – rosnou ele.
- Que “já mandei tirar o pimentão lá de casa”. – respondi.
- Bati! – gritou meu cão.
- Como, bateu? Isso é jogo de truco, cãopadre...
- Bati a canela na mesa – lamentou-se, começando a lamber aquela parte da perna.

Era assim que o caldo entornava quando, na asinha da noite, depois de um dia suado, chegava uma e outra notícia dessas.

Quem poderia pensar? Em uma escala de zero a cem, o pimentão ficava com 64,36% de agrotóxico; o morango, com 36,05%; a uva, com 32,67%, a cenoura, com 30,39%, a alface, com 19,8% e o tomate, com 18,27%. E, agrotóxicos proibidos, como o ometoato, encontrado no abacaxi ou o metamidofós, usado no tomate, já proibido em dezenas de países e liberado nesta Terra de Santa Cruz, valha-me, Senhor!

- É osso duro de roer! – blasfemei entre os dentes.

Mas, descartando um asmático ás de espadas, foi ele quem filosofou:

- De notícias tão ruins, até que eu extraí um caldinho de coisa boa: a ANVISA divulgando lista de alimentos com veneno. Você já tinha visto isso? Enfim, há vida inteligente naquele planeta.

Cobri o magricela ás de espadas com um estufado 2 de ouros. E, tornei. Não gasto vela com defunto ruim.

Meu cão e eu tocamos uma roça de ameia, aqui no sul do Paraná. Somos 5.300 produtores de orgânicos que, desde há anos, acreditam que o veneno não seja a solução. E esse povinho só vem aumentando:

Há 10 anos, a gente era 300. Hoje, somos 5.300 produtores. Enquanto a safra de orgânicos 1996/1997 foi de 4 toneladas, a safra 2006/2007 foi de 107.230 toneladas. Seguindo-se esta projeção, em 2016, o estado vai produzir 2.980.994 toneladas orgânicos. Então, em 20 anos, terá saltado de 4 toneladas para 3 mil toneladas!

A Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica credita essa expansão, em grande parte, ao aumento de custos da agricultura convencional, à degradação do meio ambiente e à crescente exigência dos consumidores por produtos ditos limpos, livres de substâncias químicas ou geneticamente modificadas.

Também é crescente o número dos que consideram que deveriam ser computados aos custos da produção convencional, os valores que a sociedade, indiretamente, paga através da contaminação ambiental e alimentar, perda de produtividade do solo, uso inadequado da água, assoreamento de rios, perda da biodiversidade, êxodo rural, entre outros desequilíbrios que a produção orgânica reduz e até evita.

Já ia alta a lua crescente, borrada por um sujinho de nuvem quando, de um pulo, o cãopadre subiu na cadeira, uivando como um demente:

- Truco! Truuuuuuuuco! – salivava.

- Quero ver, quero ver! – rebati, sem lembrar que não tinha carta nenhuma que pudesse com as dele.

Foi quando, num gesto de total desprezo, ele mandou um 7 de copas, depois um 3 e, de quebra, derrubou na mesa um outro ás.

- Cadê meu zap? – foi a última coisa que choraminguei.

Mas, o cão já ia longe, festejando mais uma surra neste que vos fala, espantando as más notícias, pensando só nas coisas boas que nós ainda podemos fazer por este Brasil.

Um forte abraço e até sexta que vem.

P.S. O zap é a maior carta do truco. Depois dela, vem o 7 de copas, a espada e o 7 de ouros. Quando jogamos, meu cãopadre tem a prudência de amarrar seu rabo. Afinal, qualquer manifesta satisfação pode botar a perder toda a ciência desse jogo cheinho de mil astúcias.










Luiz Eduardo Cheida* é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia da Assembléia Legislativa do Paraná. Premiado pela ONU por seus projetos ambientais, foi prefeito de Londrina, secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.




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