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Artigo: Jânio Quadros nunca falou em "forças ocultas"

(*) Nelson Valente - 16 de maio de 2009 - 06:00

Carlos Castelo Branco, através de uma narrativa, apresenta "a" explicação, a versão autêntica sobre a renúncia, com a inteira concordância de Jânio Quadros. Segundo ele, diz Jânio, que pensou em mudar as instituições na sua própria estrutura: "o vívio, politicamente era estrutural", logo, para saná-lo, "seria mister uma grande modificação no próprio sistema do poder". Que, para administrar, lhe faltava apoio no Parlamento: governar era quase impossível. Discrepavam as exigências do País e a "débil estrutura legal". Cabia "fortalecer a autoridade governamental", "sem o sacrifício dos aspectos fundamentais da mecânica democrática" (veja-se bem: da mecânica, não das instituições). Que vai daí e havia tempos ele próprio e com ele "os ministros mais diretamente ligados às instituições" (isto é, "o ministro Pedroso Horta, e os ministros militares, particularmente o da Guerra, marechal Odílio Denys") "examinavam fórmulas ou soluções". Que o ideal, "a seu ver", no Ocidente moderno, era representado pela Constituição Francesa, arrancada aos franceses pelo Presidente De Gaulle". Já havia para isso um "plano concertado". Foi quando Carlos Lacerda denunciou, pela TV, em duas noites sucessivas, que fora "entretido" por Pedroso Horta para um processo igual àquele pelo qual De Gaulle arrancara aos franceses a Constituição que era o ideal de Jânio Quadros: o Congresso, com apoio das forças armadas, seria posto em recesso, enquanto o Presidente promoveria as reformas, que depois sujeitaria a referendo plebiscitário, com o que se fortaleceria a autoridade governamental sem sacrifício dos aspectos fundamentais da mecânica democrática... A oposição entre o Executivo e a representação popular, isto é, o Congresso, ou mais exatamente, a Câmara dos Deputados, órgão político, aparece como pedra de toque. Além de convocar Pedroso Horta, a Câmara cogitaria (e essa é, talvez, a mais surpreendente das revelações de Jânio) de convocar a própria mulher do Presidente, senhora por todos os títulos, digna de respeito. Jânio Quadros decidiu-se à renúncia. Recusou a ditadura, ou, no seu estilo requintado, "recusou-se à ditadura". Renunciou para não malograr nos objetivos. Seu raciocínio foi este: 1. renunciava; 2. Jango estava longe, na China comunista; 3. as Forças Armadas não permitiam a posse de Jango; 4. proclamava-se o novo regime, o De Gaulle brasileiro subia ao poder supremo, fosse ele o próprio Jânio, fosse com sacrifício dele, outro cidadão, "escolhido por qualquer via". Quem falhou, segundo Jânio? Não ele. Mas os chefes militares, que vacilaram, quando Jango, aceitando o parlamentarismo, desfez "todo o plano concertado, de que talvez soubesse. Isto não está dito assim, simplesmente. Mas está dito e ajustaram-se para dizê-lo dois estilos: o do caso Antônio Houaiss, muito esperto nas formas confusas do pensamento moderno (não foi à toa que traduziu magistralmente o "Ulisses" de Joyce), e do próprio Jânio Quadros. Aqui se diz que a crise era "inevitável"; ali que o Presidente, Horta e os ministros militares examinavam "fórmulas ou soluções"; depois que o plano interno "era o arcaico", pois até o Fundo Monetário Internacional, lá fora, compreendia. Cumpria evitar que a saída fosse catastrófica: "Presidente da República, que aspirasse ser efetivamente vinculado a seu povo, tinha que necessariamente dirigir-se, em verdadeiro plebiscito, a esse mesmo povo, acima dos partidos"... A Câmara não era, não queria, não podia ser, o instrumento da reforma estrutural, "até porque interessada em manter a estrutura e os privilégios vigentes". Sua alma, sua palma, adeus! Rolariam Jango e a Câmara, se o esquema não tivesse falhado "exatamente na vacilação dos chefes militares". E - justiça seja feita - na aceitação do parlamentarismo por Jango, que assim desfez, "talvez sem sabê-lo, todo o plano concertado". Cabe acentuar que no Ministério, apenas Pedroso Horta e os ministros militares procuravam "fórmulas ou soluções" e concertavam plano com o Presidente. Os outros nada sabiam. Aliás, o próprio Silvio Heck, a quem ouvimos sem revelar, por escrúpulo profissional, afirma categórico continuar desconhecendo as razões da renúncia. Cabe dizer que Jânio não conta: 1. detalhes do plano concertado; 2. quais as fórmulas ou soluções examinadas; 3. se a Constituição, no modelo da arrancada aos franceses pelo presidente De Gaulle, chegou a ser elaborada (de certo por Francisco Campos...); 4. nem como e em que termos lhe ofereceram os chefes militares a ditadura: só eles poderiam fazê-lo, e "à ditadura recusou-se o Presidente". Politicamente - Jânio é mais político do que historiador -, um precursor do movimento de 1964. Sonhava um novo regime, um regime forte, com ele ou outro Presidente. "escolhido por qualquer via": não lhe acudiu, entre essas vias, o próprio Congresso. Mas o que resulta da revelação feita é a compatibilidade por parte de Jânio Quadros com o sistema de poder nascido da inviabilidade da estrutura política anterior. Com a renúncia o País mergulhou num choque. O ex-secretário de Jânio, José Aparecido de Oliveira, insistia na versão das "forças poderosas" que teriam "deposto" o Presidente. Jânio se exaspera quando lhe falam em "forças ocultas". Nunca falou em "forças ocultas". Mas falou em "forças terríveis" - e nunca disse quais eram... Não seriam os chefes militares, pois proclamava, no documento da renúncia, a conduta exemplar, "em todos os instantes", das Forças Armadas. Nem seria o Congresso, ai dele, poder desarmado... Nem seria o Fundo Monetário Internacional, fantasma muito usado, porque esse elogiara sua política-financeira (a bem da verdade, mais financeira do que econômica). Segundo Carlos Castello Branco, irritava a idéia da deposição consentida maliciosamente ou sem resistência viril. Numa ou noutra hipótese, seria a primeira vez que isso acontecera na história do Brasil. E não ficava mal apenas para Jânio Quadros mas para todos os seus patrícios. Não, nunca houvera deposição sem a tropa em armas, nas ruas, praticamente unânime. Desde o dia em que Pedro I, brasileiro de adoção, chegara à janela, gritara: "Às armas", acudiram sete pobres diabos do Batalhão do Imperador: o resto, mais o Comandante, se bandeara para a revolução vitoriosa. É por isso que aceito como autêntica e válida a versão da "História do Povo Brasileiro". Ela coincide com os fatos sabidos e com detalhes mal conhecidos. Coincide com a psicologia de Jânio, pois, como disse certa vez Freud, "nem tudo que é estranho é insano". A alguém que convidara para trabalhar a seu lado, Jânio teria dito, com ênfase: "Só lhe peço seis meses da sua vida". Já pensaria na renúncia, em agosto, no "plano concertado", em de Gaulle? Sabe-se que o ser humano é comemorativo. Passado o 24 de agosto, que outra data buscar que associasse, para as massas, Jânio e Getúlio? Sabe-se que na véspera da renúncia Jânio perguntou ao Itamarati onde estava Jango, quanto tempo gastava na volta. Sabe-se que esperou no telefone a resposta, tal pressa tinha da informação, de cuja falsa inocência nem os maliciosos diplomatas desconfiaram. O próprio Afonso Arinos, só veio saber de tudo quando Jânio lhe contou. O drama de Jânio foi sua total inadaptação ao processo democrático. Ele era demófilo mas não democrata, isto é, amava o povo, tinha pena do povo, mas impacientava-o de conter-se nos pesos e contrapesos da legalidade democrática. Não gostava dos partidos, nem do seu próprio. Tolerava-os com alguma irritação. Os auxiliares que escolheu não o representavam, embora fossem homens de partido; nem representavam unidades estaduais ou mesmo força regionais, embora a alguns deles não faltasse certo sabor federativo, quando não provinciano, no que coincidiam com o próprio Presidente que, se não gostou de Brasília, "cidade maldita", ignorou sempre o Rio de Janeiro. Tudo nele era pessoal, despótico, até o acerto das escolhas. Foi o último dos Bragança no poder. Somava as qualidades e os defeitos de D. João VI, Pedro I, Pedro II. Até no estilo dos seus bilhetes, entre o imperial e o íntimo, como os de D. João VI e na malícia de certos comentários, desencantadamente ferinos, como os de D. Pedro II. Com as massas ele se entendia. Prometia-lhes o Juízo Final e esperavam dele o Paraíso Terral. Mas elas se sentiram traídas pelo condutor que se negava ao dever involuntário. E decompuseram-se, fugindo à ação coletiva de tipo heróico, para que não foram convocadas em solidões domésticas, onde o ímpeto revolucionário cedia lugar à perplexidade e à amargura e se dissolvia em conversas, vitupérios e lamentos, enquanto o Bem Amado partia para longe, e logo apontava no horizonte - que a política detesta o vácuo - o advento de João Goulart e da sua era.


(*) é professor universitário, jornalista e escritor













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