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Rogério T. Moura: Cartas a um jovem vestibulando

Rogério Tenório de Moura - 08 de dezembro de 2008 - 09:45

É sempre a mesma coisa, toda ano, em época de vestibular proliferam-se os vestibulandos em busca de “previsões” de professores de Língua Portuguesa querendo saber qual será o assunto da redação. Embora tivesse a vontade de dizer que minha bola de cristal está quebrada ou que meus informantes foram demitidos de todas as comissões de vestibular do país; paro, respiro fundo e complacentemente dou sempre as mesmas dicas, que agora repasso ao amigo leitor, mas só porque você tem a boa vontade de, semana após semana, acompanhar minhas elucubrações filosóficas!
Primeiro: quem escolhe o tema de uma redação é uma comissão, logo o assunto a ser abordado será a síntese de um momento, já que o ser humano é um animal social e, sobretudo, condicionável pelo meio e tempo em que se insere. Assim sendo, nada mais natural que o tema abordado, geralmente escolhido uns três meses antes do vestibular, seja a “carne do vaca” dos noticiários dos meses de julho a setembro.
Segundo: se a faculdade onde você prestará vestibular estiver localizada em um Estado de identidade marcante, relativamente independente da influência da grande mídia, é bom que você se informe sobre os aspectos sócio-econômicos dele, bem como acompanhar as notícias dos últimos meses sobre ele.
Terceiro: evite clichês, jargões, vocabulário coloquial, experiências pessoais ou familiares, parênteses, tópicos, repetições desnecessárias, vícios de linguagem e qualquer outro mecanismo que torne seu texto demasiadamente informal ou até mesmo denso. Lembre-se, os corretores não querem descobrir em uma mera redação de vinte e poucas linhas um novo Machado de Assis, mas apenas checar a capacidade de compreensão de mundo, de síntese e de fluência verbal do vestibulando.
Quarto: deixe o título por último, a menos que você tenha memória fotográfica e sente-se para escrever somente quando já tem tudo o que quer expor pronto na cabeça. É possível mudarmos de viés ao longo do que escrevemos e, se colocarmos o título primeiro, corremos o risco de deixá-lo parecendo um retalho com pouco ou quase nada haver com o que foi escrito.
Quinto: essa é tão esdrúxula que até parece mentira. Gostaria que fosse. Nunca decore uma redação para utilizá-la em sua prova! Eu mesmo já corrigi várias, por exemplo, o tema era “A luta do homem contra o mais voraz consumidor: o tempo”, e o candidato escreveu sobre a violência contra os idosos, creio que é porque na época havia uma novela das oito que tratava desse assunto.
E sexto, mas não menos importante, se informe, leia, discuta com as pessoas as suas leituras. A própria Bíblia ensina que “Como o ferro com ferro se aguça, assim o homem afia o rosto do seu amigo.” (Provérbios 27 : 17). Só tem o que escrever quem tem bagagem cultural, conheça o mundo ao seu redor, sobretudo os assuntos de interesse geral, são eles que fazem a diferença à sociedade como um todo; desenvolva o hábito de expor sua opinião de forma embasada e coerentemente estruturada, esse é um predicado indispensável a alguém que galga o Ensino Superior.
Finalmente, para não decepcionar aos vários pedidos feitos via e-mail, embora não seja um especialista no assunto, tentarei esclarecer, da forma mais didática possível, a crise econômica norte-americana; mas ressalto que só me atrevo a fazê-lo porque trata-se de um assunto de interesse geral que, mais cedo ou mais tarde, afetará a todos nós, logo é passível de ser pedido em vestibulares.
O Sr. Manoel, que era dono de um bar, e não de uma padaria, tinha muitos clientes, tantos que não conseguia capitalizar o suficiente para aumentar seu estoque. Com medo de perder clientes por não poder fornecer-lhes toda a cachaça que gostariam de consumir, resolveu pedir um empréstimo a um banco.
A economia do país ia às mil maravilhas, o índice de desemprego não passava dos 4%, assim sendo foi fácil conseguir o empréstimo, sequer pediram-lhe garantias. Aliás, apenas as cadernetas de fiado do Sr. Manoel bastaram. O gerente ficou impressionado com o movimento do bom comerciante e até ofereceu-lhe outros dois empréstimos, um para comprar um carro e outro para fazer o que ele bem entendesse.
O que o gerente do banco não sabia era que os clientes do Sr. Manoel eram todos funcionários de uma usina próxima ao bairro onde moravam. Atraída por generosas ofertas de incentivos fiscais, doações de terras e mão de obra mais barata em outro Estado, a usina foi-se embora e os clientes do Sr. Manoel ficaram desempregados e cada vez mais bêbados. Logo não conseguiram mais honrar com os compromissos firmados na famigerada cadernetinha. O resultado é que o Sr. Manoel não conseguiu pagar seus empréstimos, o banco, que foi vítima da inadimplência de vários donos de boteco ao mesmo tempo, não teve mais dinheiro para continuar emprestando. Por conseguinte teve que cortar gastos colocando máquinas no lugar de homens e as multinacionais que tinham dívidas em dólar com esse banco viram seus ônus se multiplicarem devido a falta da moeda norte-americana no mercado. É uma lei da oferta e da procura, quando é período de seca, o preço do leite é maior. Quando há recessão, falta de dinheiro circulando, esse mesmo dinheiro vale mais, uma vez que está escasso.

*Rogério Tenório de Moura é licenciado em Letras pela UEMS, especialista em Didática Geral e em Psicopedagogia pelas FIC; vice-presidente do SISEC (Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Cassilândia).

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