Cassilândia Notícias

Cassilândia Notícias
Cassilândia, Sexta, 26 de Abril de 2024
Envie sua matéria (67) 99266-0985

Geral

Pais de autistas compartilham o aprendizado que vem dos filhos

Campo Grande News - 02 de abril de 2019 - 12:00

Maria Flor tem a doçura nos olhos e no sorriso aberto, que está sempre a mostrar os dentinhos. Com 2 anos e 7 meses, é, por enquanto, a única filha de Sofia e Pedro. Ganhou este nome da mãe, estudante de Medicina. Ela o havia escolhido antes mesmo de conhecer o marido. Achava que “Flor” suavizava o “Maria” que ela já tanto gostava.

A gestação foi planejada e cheia de expectativas. Entre elas, havia um certo medo de que a criança que viria ao mundo poderia ter autismo. Antes de estudar Medicina, Sofia Dias Figueira, 35 anos, foi professora; teve contato com alunos especiais e sabia de todas as dificuldades que eles enfrentavam. “Parecia que Deus estava me preparando para ter a Maria”, narra Sofia.

Quando a menina tinha oito meses de vida, a mãe já estranhava a falta de olhar nos olhos. Até mesmo na amamentação, não existia troca de olhares entre as duas. Conversando com o esposo, psicólogo, Sofia deixou a suspeita para trás; ele afirmava que não havia nada com que se preocupar.

No aniversário de um ano, Maria Flor passou de colo em colo pela festa inteira e não esboçou nenhuma reação. Foi o que precisou para a mãe confirmar o que tinha no coração. “Com um ano e 2 meses, ela fez alguns testes, mas a pediatra recomendou ir ao neurologista para descartar”, recorda a mãe. Foram duas consultas com especialistas até encontrar a resposta: “Havia um alto risco de autismo”.

Maria Flor ainda não engatinhava, mas passava por várias terapias: era fono, terapeuta ocupacional, até fechar o diagnóstico, com 1 ano e 11 meses. “Como eu tinha ido para Manaus sem o meu marido, ela ficou muito nervosa e começou a ter crises de autoagressão. Em uma delas, eu filmei e mostrei para o neuro”, conta Sofia. Já como estudante de Medicina, Sofia sabe que não há testes que comprovem a presença ou não do autismo. Na verdade, o diagnóstico vem mais da análise clínica. “E, muitas vezes, o autismo é leve e o profissional fica pouco tempo com a criança para diagnosticar”, afirma.

LUTO

O pior momento da vida da mãe não foi a palavra final dos médicos e, sim, quando ela soube, pela primeira vez, que a suspeita estava certa. “Quando a neuro disse que ela tinha um alto risco de autismo, eu já tinha certeza que ela era autista. A gente fala que toda mãe de autista e de criança especial passa pelo luto, o luto do filho ideal”, desabafa.

Como pais, eles tinham idealizado a filha namorando, casando, estudando, andando de carro, cozinhando... “E, de repente, a única coisa que você tem é uma incerteza total, e o que te falam é que pode ser que melhore com muitas terapias”.

Os primeiros meses de Maria Flor diagnosticada foram introspectivos para a família e, em especial, para a menininha. Maria Flor era capaz de brincar com o mesmo livro por duas horas. Hoje, com as 27h semanais de terapias, ela é outra criança: espoleta em pessoa.

“Ela é a menina mais carinhosa, mais meiga e educada que eu conheço. Ela é extremamente sorridente e, com as terapias, ela consegue se comunicar – não verbalmente, mas já consegue expressar as vontades dela”, comemora a mãe.

A vida com Maria Flor é um aprendizado que emociona a mãe e faz quem estiver escutando as histórias se emocionar também. “A Maria me ensina todos os dias. Ela me ensina um amor sem pedir nada em troca. A gente aprende, como mãe de autista, a valorizar; cada mínima vitória, para a gente, é ganhar um mundial. A primeira vez que ela apontou para mim alguma coisa, as pessoas não entendiam por que eu estava comemorando tanto. E hoje, mesmo com atraso, a gente sabe que ela é perfeita, porque ela é como é”.

TRANSPARÊNCIA

João tem 14 anos. É o menino ao lado do cavalo, que tem a pureza no coração e na alma. Sem papas na língua, ele ensina a sinceridade para a mãe, a bancária Djanira Pereira da Silva, 47 anos. A família mora em Dourados e começou tardiamente as terapias por falta de especialistas na região. Djanira ligou para a redação do Correio do Estado na manhã de ontem para contar um pouco de sua história, ainda que invisível aos olhos de todos.

Na gestação, já haviam dito que seu filho poderia apresentar, até os 12 anos, algum tipo de necessidade específica. E foi assim que as coisas se encaminharam. João não conversava com outras crianças e só anda – até hoje – na ponta dos pés. “Eu fui procurando, procurando... levava em psicólogos e médicos que não eram especialistas, que não falavam o que ele tinha”.

O diagnóstico veio tarde; o tratamento, também. Hoje, a mãe vive o drama de ter atestados e laudos contestados, além de não poder abraçar nem beijar o filho, já que carinho é um dos gestos que ele não gosta. Os amigos de Djanira foram drasticamente reduzidos a três pessoas. Fora a família, ninguém mais a chama para festas ou eventos. Em meio a tantas dificuldades, ela reflete que aprende com o filho sobre sinceridade. “Se ele não gosta de uma pessoa ou de uma coisa, ele fala mesmo. É a sinceridade dele; o que nós evitamos de falar, ele fala”, explica.

O assunto não deve estar em pauta só na data de hoje, pois a conscientização serve para levar conhecimento acerca do autismo. “Para mim, hoje é um dia muito especial. As pessoas precisam ter conhecimento. Sem ele, as coisas não vão mudar e não vamos ter inclusão social”.

Autismo não se cura, mas se compreende

A associação de Pais e Responsáveis Organizados pelos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (PROD TEA) está com programação de 4 a 7 de abril com palestras de especialistas para pais e profissionais e eventos técnicos.

A abertura será no auditório da OAB, na Av. Mato Grosso, 4.700, às 13h do dia 4. No último dia (7/4), haverá passeio ciclístico e caminhada nos Altos da Afonso Pena, a partir das 8h. Para informações completas, acesse o site da Associação ou ligue: 99107-0578 e 99193-5519.

SIGA-NOS NO Google News