Cassilândia Notícias

Cassilândia Notícias
Cassilândia, Sexta, 26 de Abril de 2024
Envie sua matéria (67) 99266-0985

Geral

Os clichês e os chavões

Alcides Silva - 09 de agosto de 2013 - 06:49

Os clichês e os chavões

“Clichê” é o nome que se dá ao produto gravado em relevo numa chapa de zinco destinado à reprodução gráfica. Em estilística, é um termo ou frase que se repete abusivamente, transformando-se num lugar-comum, num chavão. O jornalista e filólogo H. L. Mencken identificou a fonte de todo lugar-comum no medo do desconhecido. Entre os chavões mais frequentes, estão as locuções e combinações invariáveis de palavras (sempre as mesmas palavras seguindo a mesma ordem), como "frio e calculista", "mentira deslavada" e "chuva torrencial". Esse tipo de clichê está presente na linguagem falada e escrita, seja formal ou informal.

Rodrigues Lapa, em “Estilística de Língua Portuguesa”, comentou um trabalho no qual o autor descrevia, sem conhecer, ‘uma noite no deserto’. Transcrevo parte de seu trecho inicial:
“Noite encantadora! O luar banha com seus raios argentinos o areal desértico e imenso. Tudo brilha e refulge sob a claridade branda e suave da Lua. As estrelas, como milhões de pirilampos, estão disseminadas pela quietude misteriosa do firmamento. E no silêncio sepulcral, apenas cortado pela brisa rumorejante e dolente do oásis, tudo parece contemplar o céu, meditando no enigma do infinito...”
Nessas poucas linhas (porque não, mal traçadas linhas?) são numerosos os clichês: noite encantadora - o luar banha – raios argentinos – areal desértico e imenso - claridade branda e suave da lua – estrelas, como milhões de pirilampos - silêncio sepulcral - brisa rumorejante e dolente – enigma do infinito.
Essas construções, esses chavões, já tiveram expressividade, porém o emprego excessivo deles tirou-lhes o efeito e a beleza; passaram a ser perífrases ou rodeio de palavras.
O mesmo aconteceu recentemente com o “inserido no contexto”. Virou modismo, tanto quanto referir-se ao sol e chamá-lo de “astro-rei”. Por bom tempo, tudo andou inserido, como se a língua fosse um enorme chouriço.
A televisão tem sido uma fonte permanente de chavões, que o povo adota com facilidade e facilmente abandona. Quem não se lembra do “Tô certo ou tô errado”, do “Zé fini”, de um programa de humor, ou do “É dez”, de determinada novela? Tiveram vida curta.
Dois verbos estão virando arrozes-de-festa, demonstração de falta de vocabulário: investir e resgatar. Abre-se o jornal, inclusive os da grande imprensa, e lá está que a loja tal “investe em modernidade”, que a fábrica x “investe em tecnologia”, que o pecuarista fulano de tal está “investindo na genética de seu rebanho”, que um outro “investe em hidroponia”, que determinada escola “investe na melhoria do ensino”, etc. Todo mundo investe, como se estivéssemos numa imensa tourada.
Como verbo transitivo indireto (que exige complemento precedido de preposição), tem o significado de aplicar dinheiro em negócios (Aurélio) ou de “atirar-se com ímpeto” (Houaiss). Cândido Jucá (filho) dá-lhe os significados de “acometer, arremeter, irromper, assaltar, atacar; empossar”.
Resgatar é o verbo do momento: a três por dois estão “resgatando o amor próprio”, fazendo o “resgate da auto-estima” ou o “resgatar os valores humanos”, “a cidadania”, a “história”. Resgatar é pagar, é recuperar, é retomar, é remir, é expiar, é cumprir (uma obrigação). É certo que também tem o significado de recuperar, de voltar a ter, mas o seu emprego a torto e direito está vulgarizando o termo e o seu uso deve ser evitado por quem não quer plebeizar sua fala ou seus escritos.

SIGA-NOS NO Google News