Geral
O recado do Cheida - O vaga-lume e o sapo
Lustroso um astro volante
rompeu das humildes relvas:
com seu vôo rutilante
alegrava à noite as selvas.
Mas de vizinho terreno
saiu de uma cova um sapo,
e despediu-lhe um sopapo
que o ensopou de veneno.
Ao morrer, exclama o triste:
Que tens tu que me acuses?
Que crime em meu seio existe?
Respondeu-lhe: Porque luzes!
A inspirada portuguesinha, Marquesa de Alorna, nos idos de 1810, desfechou estes versos como uma bofetada.
Porque achamos belo, acabamos por destruir o objeto que nos atrai.
O mundo está cheio de exemplos assim.
O marfim é admirado por sua beleza e resistência. Ano passado, 23 mil elefantes africanos (a segunda maior criatura viva sobre a Terra) foram mortos para abastecer o mercado ilegal de marfim. Um massacre.
Assim agem os juntadores de conchas, os apanhadores de corais, os caçadores de pássaros, os colecionadores de borboletas...
Por motivos similares, desaparecem o urso panda chinês, o coala australiano, a marmota de Vancouver, as orquídeas da Mata Atlântica, o rinoceronte de Sumatra, a foca do Mediterrâneo, o corvo do Havaí, o antílope do Tibet, a águia e o crocodilo das Filipinas, o peixe-cachimbo do Texas, o lobo da Tasmânia, o gorila das montanhas...
São espécies em extinção. São mortos-vivos.
Há mercado para a beleza. E ele precisa ser abastecido.
Como a humanidade age para reparar essa destruição? Como aplaca a consciência que mata porque inveja? Que mata porque ama?
Simples: os canteiros de flores viraram asfalto? Façamos flores de polietileno. Edificamos a cidade onde antes havia floresta? Contruamos árvores de plástico. Extingüimos o noa da Nova Zelândia ou o rukh de Madagascar? Montemos estes bichos em borracha.
Fazemos isso tão perfeitamente que, sem-querer-querendo, fazemos quase igual à mãe natureza. Duvida?
Ano passado, em Monte Alto, interior de São Paulo, Domingos Alves, de 60 anos, e Alceu Colevate, de 70, decidiram fazer uma boa ação: plantaram uma árvore no canteiro da cidade. Durante três meses, cercaram a planta de mimos, regando-a todos os dias. Os vizinhos, entusiasmados, participavam. Após três meses, a árvore não cresceu, não floriu, não deu frutos e não murchou. Final do ano, perceberam: haviam plantado uma árvore de plástico!
Segundo o poema, o sapo destrói o vaga-lume porque ele brilha. A inveja mata.
Somos o sapo.
Se, no final dos tempos, nos perguntar a natureza: que tens tu que me acuses? Que jamais respondamos: porque luzes! Seria triste demais.
A espécie humana tem seu próprio brilho. É só procurar. É só admitir.
Enquanto isso, um forte abraço e até sexta que vem.
PS: Ontem fui eleito presidente da Comissão de Ecologia e Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Paraná. Junto a outros seis deputados, pretendo desenvolver um trabalho coerente com os pontos de vista que defendo aqui.
--------------------------------------------------------------------------------
Luiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia da Assembléia Legislativa do Paraná. Foi prefeito de Londrina, Secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e da Secretaria Nacional de Recursos Hídricos.