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O recado do Cheida: asas da liberdade

Luis Eduardo Cheida* - 20 de julho de 2007 - 19:22

Nestes dias pouco ditosos, nos quais o planeta se bate sob o vindouro calor do efeito estufa, afundado em seu próprio buraco de ozônio, sob nuvens de agrotóxicos, o mercado reindireita a espinha, torce e retorce tentando adequar-se aos neoconsumidores sedentos por uma trégua ambiental.

Nestas horas nefastas, o ecologicamente correto toma o lugar do ketchup; dá de ombros ao creme de leite; mostra a língua para a maionese; acotovela os corantes, estabilizantes, flavorizantes e aromáticos; faz careta para a carne vermelha e só sorri para peixe que tem ômega 3.

O exótico cede lugar ao nativo. O sintético ao natural, Deus permita.

Sentia no ar este clima de ecoeuforia quando, dia desses, comprava ovos em uma feira de produtos orgânicos.

Na caixinha de papelão li os títulos: Ovos Orgânicos. Instituto Biodinâmico. Carimbo do S.I.F. Meio Ambiente. Responsabilidade Social. Qualidade. Sistema de Produção. Sistema de Produção? Resolvi ler mais:

Aves criadas livres, em ambiente semi-aberto, garantindo seu bem-estar. Pouca quantidade de aves em cada lote, proporcionando maior atenção e cuidado aos produtos. Possuem uma área de terreiro livre e poleiros para expressar seu comportamento natural.

Enquanto minha mente divaga sobre como um produto pode expressar seu comportamento natural, uma verdadeira azoada sai da insuspeita e orgânica caixa de ovos:

- Deixa-me voar, alçar-me ao infinito!

- Licença? Também quero expressar meu comportamento natural.

- Ciscar, cacarejar, minhocas deglutir, é o destino que anseio.

- Sonho cantar nos píncaros daquele íngreme poleiro.

- E você, amigo, por que tão calado?

- Por que esse ar de enfado?

- Não é bom ter como mãe uma franga sensível?

- Jamé!

- Bronco! De que terreiro você saiu?

- Meus parentais são de granja. De granja também quisera ser.

Um mal-estar súbito instalou-se dentro da pequena caixa de ovos. Motivações nobres os reuniam, afinal. Encontrar ali ovo com anseios tão pouco orgânicos era o mesmo que achar cebola em salada de frutas!

O mal-estar cedeu lugar a uma crescente sensação de ira. Um misto de decepção e revolta apoderou-se dos ovos.

- Empurra, empurra quebra ele, quebra!

- Olhalá, o malandro está mais pra pêra que pra ovo...

- Bem que eu já tinha sentido cheiro de coisa podre.

- Vaiver o branquelo não dá uma gemada.

Resolvi intervir. Abri a pequena caixa, olhei fixamente para cada um dos ovos e disparei:

- Todos aqui já expressaram seu comportamento natural?

- Sim!!! – disseram, ao mesmo tempo, com forte sotaque caipira.

- Yes! – desafinou uma solitária voz de lorde.

- Então, já para a panela, quer dizer, já para casa!

Rumamos para minha casa, envoltos em um manto de silêncio. Nenhum deles deu um pio. Seguiam pensando em como poderiam, se um dia galinhas, expressarem seu comportamento natural. Eu, pensando na descarada transmutação do mercado, na ânsia de vender: poleiros para expressar seu comportamento natural...

Só falta ver frango voar.

Um forte abraço e até sexta que vem.



Luiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia e Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Paraná. Foi prefeito de Londrina, secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

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