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Geral

Manoel Afonso conta como é a vida de viúvo

17 de junho de 2005 - 08:44

Manoel Afonso, dispensa apresentação e elogios. Todos sabem da sua capacidade de colocar no papel o que sente. Viúvo, há algum tempo, escreveu um artigo que a leitura é necessária. Vamos a ele:


Dia das Mães: ganhei uma gravata e parabéns das filhas gêmeas. Mais um capítulo inédito nesta nova fase pessoal. Quando se casa, imagina-se que tudo será como nos filmes de propaganda: família criada, os dois velhinhos e cheios de netos. Aí, vem um câncer e a gente fica na estrada, tipo “sem pneu de estepe” – meio assim borocoxô. E agora Mané? Terapia, lágrimas, saudade e responsabilidade dobrada são reais. Não adianta desesperar. Não resolve!
Eu nunca notara: os viúvos são em menor número; as mulheres, na maioria, “vão” depois. Aliás, na vizinhança da minha mãe, no interior paulista, só tem viúvas. Apenas um ou outro viúvo, de idade bem avançada.
A cidade grande e a falta de parentes próximos pesam. Primeiro, porque viuvez é problema pessoal. Ninguém é obrigado a ouvir suas lamúrias. Todos têm os seus próprios problemas de ordem pessoal-familiar. O pior, a gente se retrai e se afasta dos amigos com os quais se reunia para o churrasco e eventos. Exemplo: Como ir só, ou com as filhas, comemorar o “Dia das Mães”? Meio estranho. Quanto aos parentes, eles fazem falta nesta hora. E como todos moram longe, complica! Dizem que parente é serpente, mas o abraço, mesmo daquele primo chato é bem-vindo, porque o sangue fala mais alto nessas horas.
Detalhe: homem é bicho mole, medroso. Não tem coragem de ir ao médico nem para o exame da próstata. Dizem que homem se casa por medo de ficar só na velhice. Um cidadão aposentado, disse-me: “tenho medo de ficar por último”. Outro me confessou: “nem imagino ficar sozinho naquele casarão”. Enquanto isso, a mulher é mais forte, agüenta as provações. Aliás, conheço muitas – viúvas e pobres – que criaram filhos honrados. Ela vai à luta! Consegue se adaptar mais fácil à nova realidade.
É na viuvez que o homem tem a dimensão exata da enorme responsabilidade da mulher na administração do lar. As refeições, o cachorro, o jardim, as compras, os excessos da empregada, a manutenção da piscina, o horário dos filhos e até o gás que pifou antes do almoço. Não há como fugir! Tem que encarar! Reclamar para quem?
As filhas – um desafio gratificante! Elas têm ligação uterina com a mãe. A dor pela perda corta fundo, lá na alma. Sabem; os afagos, os pratos especiais e os docinhos – nunca mais! Uma delas lembrou: “quando eu casar, meus filhos não curtirão uma vovó. E a mamãe era tão bonita!”. Frases de engolir seco. Pelas cartas psicografadas, sabem que a mãe está em paz, mas isso não basta! Ledo engano: “saudade da mãe, não passa, só aumenta!” E mais: é preciso serenidade para lidar com questões comportamentais próprias da idade. Quando é o caso, recorro às amigas, com as quais as garotas têm identidade.
Mas os problemas não acabam por aí. Natal, Ano Novo, aniversários, viagem de férias, não são mais como antes. Sacou? A casa é a cara da mulher, e mesmo sem ela, ficam as marcas: desde o jardim, passando pela decoração, indo aos mínimos detalhes que fazem da casa um lar! Falar em jogar tudo fora, trocar de endereço é fácil – só na teoria. Consulto sempre as filhas, para não magoá-las. O que elas decidem – tudo bem. Acato. Misto de democracia e respeito “in memoriam”.
Chorar pode. Eu, às vezes, no fundo do quintal e elas, no quarto, juntinhas. Às vezes nos deparamos, pela casa, sem graça, com os olhos brilhando. Mas, após um ano, elas já concluíram que, a vida continua, a caravana e a banda passam; o viúvo na contramão, descartável. O objetivo não é lamentar, emocionar, só relatar essa experiência aos leitores, especialmente os casados. Quem tem mulher, cuide! E arremato citando Mario Quintana: “A vida é uma estranha hospedaria, de onde se parte quase sempre às tontas, pois nem as malas estão prontas e nem nossa conta está em dia”. De leve!

Manoel Afonso - jornalista e
comentarista da TV Record MS.


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