Geral
Língua portuguesa, inculta e bela, por Alcides Silva
O zeugma e a vírgula vicária
Zeugma é uma figura de linguagem na qual omitimos uma palavra já expressa anteriormente na oração. Trata-se de um caso especial de elipse (= supressão). Nossos bosques têm mais vida / Nossa vida em teu seio, mais amores (Canção do Exílio, de Gonçalves Dias. Versos reproduzidos no Hino Nacional, por Joaquim Osório Duque Estrada: Teus risonhos lindos campos têm mais flores / Nossos bosques têm mais vida,/ Nossa vida, no teu seio, mais amores.
Os estudiosos chamam o zeugma também de vírgula vicária, quando este sinal exerce a função de representar um outro termo, geralmente um verbo, no caso, tem.
Vicária é uma palavra que tem a mesma origem do termo vigário (do latim vicarius- a- um: que faz as vezes de..., substituto, padre que responde pela diocese na ausência do bispo). Palavra da família do advérbio latino vice (= em vez de..., à moda de...), com uma conotação ideológica de substituição. Etimologicamente, vice-presidente, vice-governador, vice-prefeito, vice-almirante, vice-cônsul seriam aqueles que agissem à maneira do respectivo titular. cf. visconde (do latim, vicecomite = substituto do conde).
Hoje, vice é o substituto ou sucessor natural do titular de determinado cargo, aquele que lhe faz as vezes.
Gramáticos há, como Said Ali (Gramática secundária, 8ª ed;, Melhoramentos, São Paulo, 1969, p. 217), que consideram que só ocorre zeugma quando a palavra subentendida tiver forma flexional diferente da do termo mencionado anteriormente: A casa era modesta e as crianças, tímidas (as crianças eram tímidas). Outros, e a maioria, dizem que existe zeugma sempre que uma palavra já exprimida numa oração se subentende na outra, que lhe é análoga ou ligada: A aurora é o riso do céu, a alegria dos campos, a respiração das flores, a harmonia das aves, a vida e o alento do mundo (Carneiro Ribeiro, Serões Gramaticais, 5ª ed., Livraria Progresso Editora, Salvador, 1950, p. 763).
Zeugma é um substantivo comum de dois gêneros, embora alguns estudiosos entendam-no exclusivamente masculino (Napoleão Mendes de Almeida: Dicionário de Erros e Correções, Saraiva, São Paulo, 1955, p. 272, por exemplo) e outros, unicamente feminino (Celso Cunha: Gramática do Português Contemporâneo, 2ª ed., Editora Bernardo Álvares S.A., Belo Horizonte, 1971, p. 442).
Pode ocorrer antecipadamente, isto é, a omissão é feita na primeira oração, para ser expressa a palavra na oração seguinte: Não fora este, outros fatos teriam acontecidos.
Nem sempre no zeugma é necessária a vírgula. Vezes há em que a esta, se colocada, pode trazer ambigüidade:
Nem ele nos entende, nem nós a ele (entendemos).
Se, no exemplo, houvesse vírgula vicária, a leitura seria de compreensão mais difícil: Nem ele nos entende, nem nós, a ele.
Por isso, como a virtude está no meio, a vírgula vicária não é panacéia gramatical; deve ser utilizada com muita cautela, levando-se em consideração que o principal é a clareza do que se fala ou se escreve.