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Língua portuguesa, inculta e bela!

Alcides Silva - 11 de abril de 2013 - 14:50

Língua portuguesa, inculta e bela!

Evolução semântica


Paixão pelo Latim ou esnobismo filológico, talvez mais este que aquele, vivo aqui a procurar o étimo de palavras que andam ou andaram na moda. Aliás, o termo “esnobismo”, embora não tenha paladar romano, também merece busca em sua raiz: esnobe + -ismo; do inglês ‘snobbism’. De origem obscura, parece ter sido nome de um frívolo que bajulava exageradamente os poderosos e desprezava os humildes, de onde proviera. Sua fonte histórica remonta a 1781, segundo Houaiss.
Tenho repetido todas as vezes em que me surge a oportunidade, que a língua é dinâmica e evolutiva, e que muitas palavras, com o passar do tempo, têm o sentido original alterado, chegando, inclusive, a exprimir ideias completamente diversas das contidas na significação primitiva. A palavra formidável é um exemplo clássico. Antes significava terrível, pavoroso, temível, hoje tem o valor de “muito bom, muito bonito; admirável, excelente, magnífico”.
“Êxito” que no passado era consequência, efeito, fim, hoje é “resultado feliz”, “sucesso”. Aliás, “sucesso” também está perdendo seu significado primitivo de acontecimento, aquilo que sucede, evento, para ser sinônimo de “êxito”, de “sorte”, de “resultado favorável”, de “acontecimento feliz”.
Outras curiosidades da evolução semântica: “hipócrita”, do grego hypokrités, pelo latim, hypocrita era o nome que se dava ao “ator”, ao “intérprete”, ao “artista”; hoje é o adjetivo que qualifica uma pessoa fingida, falsa, impostora; “caderno”, do latim quaternum perdeu o sentido primitivo de ‘folha de papel dobrada em quatro’; “pedagogo” era o escravo que levava as crianças à escola (do grego paidagogós [paídes>menino – ago> qualificativo do escravo-pajem]); secretário, originariamente ‘depositário dos segredos’, ‘confidente’. O verbo “chegar” veio do latim plicare, que etimologicamente significa “dobrar”: os navios ao chegarem ao porto, dobravam as velas. A evolução da palavra começou com o abrandamento do grupo pl em ch, (como de pluvia veio a chuva) e do c em g. Depois, veio a alteração semântica do sentido (ideia) da palavra dobrar>chegar.
Tudo isso me vem à mente quando leio frases que contenham o verbo “suicidar-se”. É ou não um pleonasmo? A etimologia indica que suicidar é “matar a si próprio” (do latim sui = a si + cida, ae < caedere, 'cortar'; 'bater', 'ferir'; 'matar', 'fazer grande morticínio'; 'imolar'). Pelo estudo histórico da palavra seria dispensável o pronome reflexivo “se”. Mas, na língua atual, isso não é verdadeiro. Ninguém fala “ele suicidou”, mas “ele se suicidou”. E isso é irreversível na língua que praticamos. O verbo é pronominal. Aqui também houve uma transformação semântica: o elemento sui (a si) perdeu o seu valor reflexivo.
Mário Lago, falecido em 2002, presença permanente na música, no teatro, na literatura e na televisão do século passado, como compositor deixou vasta obra e dela, as memoráveis “Ai que saudades da Amélia”, “Atire a primeira pedra”, “Número um”, “Fracasso” e a marchinha "Aurora". Foi contista e nas suas deliciosas “Dezesseis linhas cravadas”, contou a história de um professor de português que se matou ao descobrir que a esposa o traía. Deixou escrita a razão de seu gesto: “Adélia suicidou-me”.

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