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Íntegra da entrevista coletiva do ministro Gilmar Mendes

STF - 19 de dezembro de 2009 - 12:16

Confira a íntegra da entrevista coletiva concedida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, logo após a última sessão plenária da Corte em 2009, realizada nesta sexta-feira (18).

O Senhor quando visitou nossas instalações de novela no Rio de Janeiro sugeriu que o Mutirão Carcerário fosse citado na novela. O diretor Lauro César Muniz, do Poder Paralelo, vai fazer isso. Qual a importância de divulgar mais o mutirão carcerário, que está mudando a vida de muitos presos? A gente vê que juízes de execuções nunca tinham pisado em presídios, em cadeias públicas e que isso tem feito muita diferença.

Gilmar Mendes – Todos os senhores sabem que quando se lida com esse tema a gente lida inicialmente com uma barreira de preconceito. Quando nós começamos a perceber a necessidade de que se fizesse esse trabalho, hoje chamado de “Começar de Novo”, nós encomendamos uma pesquisa a setores especializados e essa pesquisa nos revelou que a população tem um certo sentimento de indiferença ou até de desprezo para com as pessoas encarceradas. Não que, na maioria, as pessoas desejem que elas morram ou que desejem modelos de pena de morte, mas para um certo imaginário talvez, pelo menos foi isso que foi captado nessa pesquisa, é que o ideal seria que essas pessoas desaparecessem, como se não tomassem parte na nossa existência. Então era preciso que, para fazer esse trabalho, nós sensibilizássemos os mais diversos setores, revelando a realidade dos presídios, a possibilidade mesmo de reinserção social. E nós percebemos também que era muito importante que se mostrasse que o “Começar de Novo” tinha uma perspectiva de direitos humanos naturalmente e uma perspectiva humanista, mas também tinha uma feição utilitarista, um programa de segurança pública. Nós temos um alto índice de reincidência e só se pode trabalhar e reduzir essa reincidência se de fato se tem um programa consistente de reinserção social. Por isso que eu fiquei muito contente quando o Lauro Muniz anunciou essa disposição de incorporar um personagem na novela, porque, claro, com isso, levaria essa realidade para as telas e contribuiria para sensibilizar a população. De alguma forma, nós estamos percebendo esse novo quadro. O anúncio recente, em São Paulo, de 5 mil vagas para o próximo ano para as pessoas do “Começar de Novo”, várias iniciativas inclusive de várias instituições, como a FEBRABAN, que firmaram convênio com o CNJ para absorver esse tipo de mão de obra, tudo isso mostra que esse trabalho – de um ano e dois ou três meses – do Mutirão Carcerário e agora nessas vestes do “Começar de Novo”, deu excelentes resultados. Estou muito satisfeito com essa iniciativa.

O ministro [da Justiça] Tarso Genro, ao comentar a questão da impunidade, disse que o trabalho da Polícia Federal se encerra com a entrega dos inquéritos e, sem crítica à justiça, ele disse que o problema é de recursos. Então, eu gostaria de saber se essa reformulação do CNJ também vai trabalhar com essa questão dos recursos.

Ele é feliz porque ele sabe pelo menos uma das causas. A gente, às vezes, tem mais dúvidas em relação a isso. Na verdade, nós temos vários problemas no que diz respeito à justiça criminal. Nós temos descoberto, até dizia isso ao ministro Tarso num documento que lhe enviei, que até aqui houve um certo ruído por parte das autoridades de segurança pública em relação a esse tema ‘justiça criminal’. Em alguns estados, ela funciona de forma talvez mais adequada, em outros, ela estava realmente em um estado quase que de falência. Ela não conseguia dar vazão à massa de processos. Por isso nós criamos um grupo de trabalho no CNJ que apresentou resultados, relatado pelo conselheiro Walter Nunes, que já apresentou algumas soluções: mudança de projetos, reforma de processo penal. Há um grande esforço nesse sentido. De qualquer sorte, nós temos muitos problemas na área de segurança pública. Eu tenho relatado Brasil a fora que quando nós estivemos em Alagoas, por exemplo, onde nós identificamos que havia quatro mil homicídios, registrados portanto como homicídios, ninguém tinha dúvida de que se tratava de homicídios, sem sequer inquérito aberto. Isso é de responsabilidade da polícia, isso é questão de segurança pública. Reclama-se, também, que abrem-se inquéritos, mas o grau de êxito da regulação do crime também é extremamente baixo. Muitas vezes, na discussão na justiça criminal, se diz que o resultado que vai para a absolvição é em decorrência da má condução de inquérito. Portanto, não há como separar as responsabilidades, muitas vezes no que diz respeito à impunidade. Não acredito que o problema decorra tão-somente da massa de recurso. Tem que modernizar sem dúvida o processo, tem que fixar um tempo para sua duração. Nós estamos sugerindo, nessa proposta, que agora está em audiência pública, mas que em fevereiro deverá já obter uma votação no âmbito do CNJ, nós estamos, por exemplo, estabelecendo, pelo menos foi proposta no grupo de trabalho, que em determinados crimes, crimes de organização criminosa, o juiz poderá, como o Supremo já admite, poderá na sentença, quando houver sentença condenatória determinando o regime fechado, que já se decrete a prisão preventiva. Então, são medidas que podem realmente melhorar o quadro, a visão das pessoas em relação à justiça criminal. Estamos preocupados com o número de juízes designados para atuar na justiça criminal, mas eu acho que é importante, realmente, que as autoridades incumbidas da segurança pública no Brasil, não olvidem a justiça criminal porque ela é realmente o elemento central desse processo. É o juiz que prende, embora em algum momento alguém pensava que era a Polícia Federal que prendia, mas no Brasil é o juiz que manda prender e é o juiz que manda soltar e é preciso, portanto, que essa máquina funcione adequadamente.

E quanto os crimes chamados de colarinho branco?

Gilmar Mendes - Exatamente por isso há medidas no sentido de acelerar o processo. Vejam, por exemplo, que nós estamos tomando várias medidas, como a apreensão de bens – hoje nós temos medidas adequadas em relação a isso. Nesse projeto, ou nessa série de projetos apresentados, há uma providência, por exemplo, em relação à fiança, pedindo que se eleve o valor da fiança para esses crimes mais graves. Em suma, eu tenho a impressão que se nós conseguirmos uma dinâmica adequada do processo criminal, da justiça criminal em geral, nós vamos estar respondendo a esse tipo de demanda como um todo, não só em relação a crimes de colarinho branco, como em relação aos demais crimes. A gente também pode reclamar, por exemplo, muitas vezes nós temos vários inquéritos que são abertos e depois quedam inconclusos. É uma pergunta que sempre se pode fazer: quantos inquéritos foram abertos e quantos foram concluídos? E daqueles que foram concluídos, quantos resultaram em denúncia? Para que de fato a gente possa examinar a efetividade do sistema como um todo, para daí em seguida prosseguir. Daqueles que tivemos denúncia, quantos resultaram em punição? Isso ainda está no CNJ, nós estamos discutindo isso, está no nosso site, em Audiência Pública. É aquela comissão que resultou um pouco da nossa visão do mutirão carcerário, de que realmente em alguns estados havia um colapso da justiça criminal. Em alguns estados, por exemplo, só para que os senhores saibam, vou dar o exemplo de Pernambuco, nós detectamos que havia uma massa de casos que prescreveria, e o crime era de homicídio, portanto aquele com prescrição mais alongada.

Em pedidos de vista, o Supremo acaba recebendo várias críticas. O senhor considera que isso traz prejuízo para o andamento dos trabalhos da Corte?

Gilmar Mendes - Não acredito que isso traga prejuízo decisivo para o trabalho da Corte. Em muitos casos se impõe o pedido de vista. Nós temos que encontrar, talvez, meios e modos de reduzir o tempo de retomada do julgamento. Acho que é fundamental que nós tenhamos condições para retomar [os julgamentos]. Talvez fixar prazo, algum limite – temos tido alguma dificuldade em relação a isso. Mas muitas vezes o ministro devolve o processo e nós temos dificuldade de fazer a sua reinserção na pauta, tendo em vista essa nova estrutura. Nós temos que, realmente, discutir normas e critérios de organização e procedimentos, para darmos uma dinâmica adequada à vista. Estamos tomando algumas providências no âmbito interno, criando mecanismos de memória eletrônica, chamando a atenção para o tempo em que um processo está suspenso em razão do pedido de vista. Temos realmente que melhorar. Mas muitas vezes a ‘vista’ é imperativa, inevitável.

Como o senhor tem acompanhado o desenrolar dessas questões do escândalo de corrupção aqui no DF, e pela praticamente impossibilidade de uma solução política pelo fato de várias pessoas que estão envolvidas na Câmara Distrital fazerem parte desse esquema de corrupção. O senhor acredita que possa haver uma intervenção federal? Até onde a Justiça pode agir nesse caso?

Gilmar Mendes - Eu tenho a impressão de que certamente haverá uma discussão sobre meios adequados para superar esse impasse. O impeachment tem dificuldade por conta do comprometimento da Câmara local, também uma licença eventual para processar o governador. Eu sei que o procurador-geral propôs uma ação direta contra essa exigência. O Ministro Marco Aurélio num caso específico já havia se manifestado em favor dessa idéia de inconstitucionalidade. Será um tema que certamente poderá nos ocupar já no início do próximo semestre. Também há o debate sobre possível intervenção federal, mas isso tem que ser tratado pelos órgãos competentes. Certamente a Procuradoria-Geral fará a devida avaliação do caso.

Existe uma recorrente crítica ao Supremo por não condenar políticos. O senhor já defendeu publicamente que no julgamento do [deputado federal] Antonio Palocci, por exemplo, o Supremo se ateve a aspectos técnicos para rejeitar a denúncia. Diante dessa crise no governo Arruda, e hoje do julgamento em que não houve a proclamação do resultado do caso do senador Valdir Raupp, como é que o senhor vê esse paradoxo de não punir, de não condenar nenhum político e ao mesmo tempo hoje não ter havido a proclamação do resultado e o risco de uma prescrição de parte das denúncias já em dezembro?

Gilmar Mendes – Os senhores sabem que somente a partir de 2002 passou-se a admitir a tramitação de processos contra deputados e senadores. Até então, no modelo constitucional original, o processo só tramitava depois da licença de cada uma das casas. Essa mudança, portanto, é bastante recente. E a partir daí nós tivemos vários processos que foram abertos, alguns vieram do primeiro grau e já foram retomados. Já temos muitas denúncias em tramitação no tribunal, não sei quantas são, mas posso lhes passar, Creio que temos algo em torno de 50 denúncias recebidas. Por isso tomamos aquela medida de convocar juízes, para que eles instruam os processos, dispensando a utilização de carta de ordem, que envolve delegação de poderes para que juízes de outros estados exerçam as suas atividades, retardando o trabalho. Então esse juiz virá e cuidará do processo, dará uma dinâmica adequada ao processo, assim nós esperamos. Eu acredito que vamos ter bons resultados. O que os senhores percebem, também, em relação a muitos casos, é que nós temos muitas querelas políticas que se transformam em processos judiciais. Por isso também há um alto índice de rejeição de denúncias, ou de absolvição nos processos criminais que tramitam no STF. Mas estão sendo tomadas medidas no sentido de ajustarmo-nos a essa realidade. Como é o caso específico da denúncia quanto ao senador Valdir Raupp. Os senhores hão de convir que surgiu um debate sobre a existência, inclusive, de documentos que diziam que o convênio fora regular, fora adimplido em toda sua extensão. O ministro Joaquim disse que, enquanto relator, não se lembrava da existência desse documento. Daí ter-se justificado a espera. E ontem mesmo já se havia afirmado que não havia grave prejuízo, porque a prescrição incidiria apenas sobre parte da imputação. Nós trouxemos exatamente esse caso, ainda ontem – os senhores sabem que desde o dia 7, o ministro Joaquim Barbosa estava de licença médica, e foi exatamente convidado para participar desse julgamento porque ele era o relator, e porque se temia que houvesse a prescrição. Mas ontem se constatou que a prescrição não teria relevância. Agora, julgamento, como diz a própria expressão, envolve um exame adequado, não se trata de lance opiniático. É fundamental, então, que haja cuidado, inclusive no que diz respeito ao recebimento da denúncia. Quando os senhores costumam dizer – mas se trata apenas do recebimento de uma denúncia – depois vamos julgar o mérito. Muitas vezes isso é definitivo. Daí a importância de que o recebimento da denúncia já seja feito com grande cautela. Quanto ao número de ações penais que tramitam – entre as que foram recebidas aqui e aquelas que já vieram recebidas de outras instâncias – nós temos 104 processos em tramitação no STF. E temos 264 inquéritos.

O senhor disse que em muitos casos querelas políticas acabam sendo judicializadas, por isso o grande volume. O senhor também disse que às vezes o recebimento da denúncia tem um caráter definitivo – pode provocar um estrago na vida do político. É isso que o senhor quer dizer?

Gilmar Mendes – Exatamente. Por isso a necessidade de cuidado quando o Tribunal emite um juízo sobre o recebimento da denúncia. Daí a necessidade de que nós tenhamos realmente muita cautela, e não recebamos denúncia para depois absolver, afinal, passados quatro, cinco, dez anos. O recebimento da denúncia já envolve um ônus processual e cívico significativo.

O STF entra de recesso agora e o PGR está questionado a constitucionalidade da Lei Orgânica do DF, pra julgar o impeachment do governador José Roberto Arruda. O senhor avalia que o STF pode julgar durante o recesso isso, ou entra só no retorno, mesmo sendo um caso grave, de grande repercussão?

Gilmar Mendes – A matéria foi distribuída, o ministro Toffoli certamente vai fazer uma avaliação e verificar se é caso de examinar já em sede de liminar, ou se a matéria poderá ser objeto de deliberação quando do retorno do STF, em fevereiro/2010. Certamente o relator vai emitir uma decisão ainda hoje sobre o tema. Agora, ele terá que fazer avaliação se esta decisão é imprescindível para a sequência das investigações, ou se o processo poderá ser apreciado em fevereiro, quando do retorno do Tribunal.

O teto salarial do funcionalismo é o do vencimento do ministro do STF. Nos tribunais em todo o país, os desembargadores recebem bem acima desse teto, e alegam em suas ações direito adquirido. Isso também ocorre no legislativo, principalmente na Câmara e no Senado. Quando é que esse teto será respeitado. É necessária uma ação no Supremo?

Gilmar Mendes – Eu não estou informado de que desembargadores estejam ganhando mais do que ministros do STF. Se isto estiver ocorrendo é irregular. Eu sei que várias medidas no CNJ foram tomadas no sentido de fazer a devida adequação, a devida correção. Direito adquirido não tem servido de pretexto para alicerçar esse tipo de argumento. Em relação ao legislativo, o que eu conheço é uma matéria que está afeta ao TCU – se aqueles que percebem uma remuneração autonomamente, como procurador aposentado, juiz aposentado, promotor aposentado, ou até uma remuneração de alguma assembléia legislativa, poderia acumular com os ganhos na Câmara ou no Senado. A matéria estava sendo analisada pelo TCU, que já tinha determinado que houvesse a exclusão, que houvesse a observância do teto. Depois parece que houve uma liminar, não sei como esse assunto evoluiu. Mas aqui no STF nós não temos nenhuma dúvida em relação ao cumprimento do teto. E também, vejam os senhores, por exemplo, a massa de casos que nós decidimos todos os dias, inclusive a presidência do Tribunal, em Suspensões de Liminar, tudo sempre afirmando a subsistência do teto.

O governo da Itália apresentou um questionamento sobre qual foi precisamente os termos do voto do ministro Eros Grau, que teve um posicionamento do STF nesta semana. Em que medida isso pode influir – ou restringir – a discricionariedade do presidente Lula no momento de tomar a decisão sobre a extradição de Cesare Battisti?

Gilmar Mendes – Eu tenho impressão de que, certamente, o presidente está já vinculado àquilo que está estabelecido nas leis e nos tratados. E a decisão que foi explicitada agora, que já estava no voto do ministro Eros Grau, deixa claro exatamente que a eventual recusa no cumprimento da extradição, a sua não execução, terá que ser balizada por aquilo que está estabelecido na legislação, e especialmente no tratado.

Na hipótese de o presidente não conceder a extradição, alguns parlamentares já têm falado da possibilidade do presidente ser objeto de processo por descumprimento.

Gilmar Mendes – Essa é uma hipótese que não se cogita. Na verdade, os senhores sabem que o Brasil é um pleno estado de direito, nós somos uma democracia em funcionamento, somos muito orgulhosos dela, e nós não temos um histórico no Brasil, no plano federal, de descumprimento de decisões judiciais. Também não temos um histórico de descumprimento da legislação, muito menos de tratados. Se por acaso o tratado autorizar providências que impliquem a recusa – não vou falar do caso de Cesare Battisti, mas de qualquer extradição -, terá que ser feita dentro das balizas estabelecidas na legislação.

O senhor sabe quando pode ter o acórdão do julgamento do STF?

Gilmar Mendes – Certamente será no primeiro semestre do ano que vem.

O que marcou o noticiário neste ano, também, foi o desentendimento público do senhor com o ministro Joaquim Barbosa. Isso gerou alguma consequência no relacionamento entre os ministros da Suprema Corte?

Gilmar Mendes – Não acredito. Aquela foi uma questão entre mim e o ministro Joaquim Barbosa. Não acredito que tenha nenhuma consequência em relação ao relacionamento que outros ministros tenham no âmbito da Corte.

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