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Em questão: A Dimensão Social da Escola

Rogério Tenório de Moura - 10 de dezembro de 2007 - 06:55

Acredito que não existe trabalho neutro em educação. Tudo tem conseqüências, como os atos da própria vida. Por isso, o professor precisa considerar todas as possibilidades de seu “trabalho pedagógico” e refletir sobre o fato de que a educação é uma experiência intersubjetiva, social e histórica, ato e ação que ocorrem num local e numa época concreta, prática que mexe com os valores, com as idéias e com os comportamentos de um grupo. De um lado, as pessoas têm seus interesses e problemas. Vivem e produzem dentro de uma circunstância perfeitamente delimitada. Mas, por outro lado, as pessoas e os grupos supõem a existência de um cenário mais amplo e, em nosso caso, de uma sociedade subdesenvolvida, neocapitalista, onde os ideais democráticos, a revolução científico-pedagógica e o poder dos meios de comunicação nem sempre estão a serviço do homem e de sua realização total, sabemos que ocorre o contrário.
Ação e reflexão são elementos inseparáveis e essenciais de um educador. Somente se capta o dinamismo da vida e do mundo no processo de ação e reflexão. Fora deste ritmo surge o perigo do ceticismo e da neutralidade funcional. O trabalho do professor é por natureza radical e complexo, sem uma postura crítica, sucumbe aos interesses estranhos (que na maioria são os interesses da elite dominante). O educador que ignora o tipo de proposta educativa (se democrática, burguesa, popular, autoritária, etc) presente em seu trabalho, arca sempre com as conseqüências dos seus atos. Desligar a ação da vigilância do pensamento é o mesmo que ser conduzido pelo desconhecido, é deixar-se conduzir, perder a consciência das coisas, substituir a “eficácia da interrogação pela inércia do conformismo”.
Ao professor cabe conduzir o processo de aprendizagem dos alunos, e cabe a ele também avaliar o próprio trabalho e as características da instituição escolar enquanto produtora da educação, reprodutora dos interesses da sociedade e promotora das mudanças e da socialização dos indivíduos. A educação por origem, essência e finalidade é uma ação comunitária.
Porém, no plano dos fatos, o que parece simples adquire complexidade. Se hoje precisamos pensar as relações entre escola e comunidade, é porque estas relações já não são naturais e possivelmente se encontrem destruídas pela artificialidade da escola e perda de seu caráter comunitário. Só a dimensão comunitária permitirá transformar o ensino em educação.
Creio que precisamos refletir sobre o conceito de comunidade. Em geral, entende-se por comunidade o bairro, a vila, as associações, as sociedades, as instituições... Fala-se em comunidade escolar, na comunidade religiosa, certos que alguns fatores comuns unem as pessoas. Vemos, no conceito de comunidade, a solidariedade, a integração cultural, atuação e sentimento da realidade e, mesmo, aspectos geográficos, econômicos e históricos.
Todavia, devemos estar atentos em relação ao conteúdo ideológico do conceito de comunidade assim apresentado, pois ele mais esconde do que diz. Falar que uma comunidade é uma espécie de organismo vivo, em constante mudança, não significa explicar seu aspecto dialético como algo fundamental. Hoje, o conflito é um elemento básico na constituição de uma comunidade. As diferenças de opinião e de interesse são comuns entre os membros de uma comunidade. Não se constata mais a simples concordância das vontades. No mesmo bairro, por exemplo, convivem ricos e pobres, embora possam existir bairros mais ricos ou mais pobres, e com diferentes modos de pensar e de agir. Neste sentido, a comunidade se aproxima da idéia da efetiva participação proporcional de todos os pontos de vista, de todas as vontades representadas pelos diversos segmentos que a compõem. A unidade e equilíbrio de interesses de uma comunidade resultam do conflito previsto e suportável de seus membros e não de um modo de ser orgânico e estrutural.
As relações entre escola e comunidade só podem ser examinadas na medida em que nos indagamos sobre o papel da escola em relação aos elementos conflitantes que tecem as relações da própria comunidade. De uma maneira mais direta: a escola atende os interesses de alguns ou de todos os membros da comunidade? Na verdade, a maioria de nossas escolas reproduz a sociedade em que ainda vivemos, serve apenas uma parte da comunidade. Os conflitos sociais, econômicos, éticos, morais, religiosos, etc. não encontram um espaço de reflexão, pior ainda quando se trata de buscar as soluções. A escola acaba transformando em instrumento de divisão e radicalização maior do desequilíbrio social e cultural.
Essas observações exprimem em linhas gerais as relações danificadas entre escola e comunidade, por isso, para conseguirmos refletir o significado de comunidade, na perspectiva de uma sociedade de classes, precisamos descrever duas situações hipotéticas: 1) a percepção de escola e de fábrica pela população do mesmo bairro; 2) a possibilidade de transferência de uma escola de um lugar para o outro sem nenhuma mudança estrutural e funcional.
No primeiro caso, a premissa comum é de que a escola é mais importante do que a fábrica. Porém, considerada a importância dos processos de produção e relações sociais, a fábrica tem uma presença mais decisiva no bairro. A escola enquanto degrau, instrumento da engrenagem capitalista, permite àqueles passarem por um melhor desempenho na própria fábrica e, em decorrência, uma posição mais digna na vida. A escola possibilita um lugar no escritório, na chefia do setor ou junto à gerência, uma melhor remuneração em relação ao trabalho rude e braçal. As pessoas da comunidade são realistas em relação à escola. Não alimentam discursos bonitos e abstratos. Isso porque este tipo de escola não realiza plenamente suas funções comunitárias, não promove a mudança social para todos os membros do grupo. Limitada e parcial em sua ação, não busca o equilíbrio de todos os interesses e de todas as necessidades e, por isso, é visualizada como um lugar privilegiado, um meio a serviço de alguns. Não cumprindo assim as características básicas da educação.
No segundo caso, se pudéssemos transportar nossa escola para uma outra situação social e histórica, que mudanças ocorreriam nela quanto às disciplinas, programas e metodologias de ensino diante da nova realidade? Apesar de ser irônica a hipótese levantada, a realidade de nossas escolas suscita uma série de dúvidas. A questão possui, para cada um de nós, um certo grau de produção como instrumento de reflexão. E, digo novamente, que não se pode realizar os objetivos e a função educacional, desenvolver as diversas formas de conhecimento, fomentar a cultura e dar início à preparação profissional sem assumir as características do meio econômico sócio-político e cultural dos alunos.
Desse mesmo modo como o homem é um ser-no-mundo, também as instituições precisam se caracterizar pelo contexto. Uma escola sem as marcas do contexto, sem identidade social e cultural, torna-se alienada, utópica, artificial, estática e uniforme, sem vida e sem flexibilidade. Nunca conseguirá adequar-se ao aluno, à família do aluno, às exigências culturais e sociais do meio e por isso, tornar-se-á ineficaz como presença comunitária.

Rogério Tenório de Moura
é licenciado em Letras pela UEMS,
especialista em Didática Geral
e em Psicopedagogia pelas FIC.

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