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Demitidos da vida versus privilegiados: entre o mito e a realidade

Júnior Tomaz de Souza (*) - 16 de julho de 2015 - 08:14

No debate atual sobre as diferenças marginalizadas sempre aparece como sustento do argumento que legitima esse fenômeno o fato de que algumas identidades ou marcadores de diferenças são privilegiados. É assim quando as feministas tentam explicar por que ser macho em uma sociedade patriarcal confere alguns privilégios aos homens. É assim quando os negros afirmam que em uma sociedade onde o preconceito é por cor, é um privilegio ser branco. E é assim quando o movimento homossexual e os pesquisadores sobre sexualidade sustentam que em uma sociedade que hostiliza gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais ser heterossexual se torna um privilégio.

Mas esse suposto privilégio é uma realidade ou um mito? Quem não usufrui dele, insiste que é uma realidade, quem supostamente usufrui insiste que é um mito. Entretanto, em uma sociedade que se afirma a partir das diferenças e que, via de regra, valora algumas diferenças em detrimento de outras, pertencer a um grupo hegemônico, celebrado ou aceito socialmente é de fato gozar de um privilégio.

Não quer dizer que em nenhuma situação um homem branco heterossexual não será discriminado. Mas que alguns marcadores como o gênero, a orientação sexual, a cor da pele, a religião e outros como aqueles que avaliam o homem em útil ou produtivo dividindo-os entre jovens e velhos, saudáveis e deficientes ou doentes inevitavelmente nos permite acessar algumas experiências ou nos impede de acessar outras.

Há quem tenta refutar esse pressuposto de privilégio argumentando por exemplo que não existe misoginia e machismo e sim misandria, um termo bastante problemático, que sugeriria que há na verdade uma demonização dos homens na sociedade, de modo que seria um privilegio ser mulher e não homem. Há quem tente provar também que não existe racismo ou homofobia no Brasil. Se ser branco, hétero e homem não garante a ninguém uma coroa de ouro, pelo menos tem sido um privilégio, pois ninguém tem morre “somente” por isso.

Embora negros, mulheres e homossexuais estejam hoje na agenda política pela reivindicação de direitos, ainda há uma distância significativa entre o alcance de direitos civis e a forma como efetivamente essas categorias são tratadas pela sociedade. Com efeito, embora muitas mulheres hoje tenham conquistado o espaço público e não dependam exclusivamente dos homens, continuam sendo vítimas de violência doméstica e do estupro. O casamento entre pessoas do mesmo sexo é realidade em vários países do mundo, entretanto, gays continuam sendo mortos em razão do preconceito. Não existe mais escravidão nem apartheid, há cotas para negros em concursos públicos e universidades, entretanto, essa população continua sendo a maioria dos pobres, dos encarcerados, e os que mais morrem pela polícia.

Quer dizer, há algo extremamente forte que define como a sociedade continua tratando algumas diferenças como indesejáveis e outras como desejáveis, elevando uns ao status de demitidos da vida e outros ao de privilegiados.
E é sustentados nesse quadro que os movimentos sociais pelos demitidos da vida, ou marginalizados, insistem no debate e reivindicação por mais dignidade. É claro que isso parece se inserir no plano utópico da liberdade e da igualdade, mas necessariamente diz respeito ao confronto de uma agenda que ainda não está esgotada. Alguns sujeitos continuam discriminados, excluídos e violentados.

O curioso é que o discurso dos privilegiados quando provocados pelos demitidos geralmente é: “nem vocês são demitidos nem nós somos privilegiados”. Mas quando os demitidos experimentam algo que era espaço dos privilegiados, estes são os primeiros a reafirmarem a ideia de que cada um deve ficar no seu lugar, algo que ficou evidente, por exemplo, diante das manifestações racistas contra Maju, a apresentadora do tempo no Jornal Nacional dias atrás. Ou seja, o discurso de que não existem privilegiados e demitidos na vida é no mínimo ambivalente e hipócrita.

Júnior Tomaz de Souza é bacharel em Direito (UEMS) e Psicologia (UFMS); Mestre em Educação pela UEMS e servidor público na mesma instituição. É diretor de projetos do Coletivo de Direitos Humanos e Diversidade Sexual Universitário do Município de Paranaíba (Diversas). Atualmente, é leitor, pesquisador, escritor e um curioso de temas ligados aos direitos humanos, diversidade, universidade, educação, violência e sexualidade.

(O Cassilândia Notícias não se responsabiliza por artigos com autoria).

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