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Chapadão: confira a ação de interdição da carceragem

Guilherme C. Girotto - 10 de março de 2010 - 16:12

EXCLUSIVO: confira na íntegra, a ação de interdição proposta pela Defensora Pública de Chapadão do Sul, Graziele Carra Dias Ocáriz e pelo Ministério Público daquela localidade, contra a situação dos presos na carceragem da Delegacia de Polícia Civil do município:


EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA DE DIREITO DA VARA DE EXECUÇÃO PENAL DA COMARCA DE CHAPADÃO DO SUL/MS E EXCELENTÍSSIMO SENHOR CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL.


A DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL e o MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL, representados pela Defensora Pública e Promotores de Justiça que abaixo subscrevem, respectivamente, no uso de suas atribuições legais e com fulcro nos artigos 67 e 66, inciso VIII, ambos da Lei de Execução Penal, vem perante V. Ex.ª formular PEDIDO DE INTERDIÇÃO da Unidade Carcerária localizada na Delegacia de Polícia de Chapadão do Sul/MS, na Av. Oito, 1705, Centro, pelos fatos e fundamentos de direito a seguir expostos.

I- DA LEGITIMIDADE PARA PROPOSITURA – DEFENSORIA PÚBLICA E MINISTÉRIO PÚBLICO.


A Defensoria Pública, instituição essencial à prestação jurisdicional do Estado e instrumento, para os desprovidos de fortuna, capaz de lhes assegurar o exercício pleno da cidadania, ainda hoje luta para tornar densa a sua identidade jurídica.

Preceitua o inciso LXXIV, do art. 5º, da Constituição da República:

“Art. 5º (. . .)
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;”

Para cumprimento dessa norma imperativa, a Carta Política impôs essa atribuição à Defensoria Pública, como se vê inserto em seu art. 134:

“Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.”

E, para o desempenho desse mister, determinou a Lei Fundamental, por razões óbvias, ser indispensável que a instituição gozasse de total independência e autonomia, sob pena de não se ter assegurada na amplitude desejada, a assistência jurídica aos necessitados.

Importante destacar breves comentários acerca da Defensoria Pública e de sua missão, lançados pelo eminente Ministro Celso de Mello em seu voto, na qualidade de Relator, da ADI 2.903-7.

“(. . .)
O exame deste litígio constitucional, no entanto, impõe que se façam algumas considerações prévias em torno da significativa importância de que se reveste, em nosso sistema normativo, e nos planos jurídico, político e social, a Defensoria Pública, elevada à dignidade constitucional de instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, e reconhecida como instrumento vital à orientação jurídica e à defesa das pessoas desassistidas e necessitadas.

É imperioso ressaltar, desde logo, Senhor Presidente, a essencialidade da Defensoria Pública como instrumento de concretização dos direitos e das liberdades de que também são titulares as pessoas carentes e necessitadas. É por esse motivo que a Defensoria Pública foi qualificada pela própria Constituição da República como instituição essencial ao desempenho da atividade jurisdicional.

Ressalta, ainda o ilustre Ministro:

A questão da Defensoria Pública, portanto, não pode (e não deve) ser tratada de maneira inconseqüente, porque, de sua adequada organização e efetiva institucionalização, depende a proteção jurisdicional de milhões de pessoas – carentes e desassistidas – que sofrem inaceitável processo de exclusão que as coloca, injustamente, à margem das grandes conquistas jurídicas sociais.

De nada valerão os direitos e de nenhum significado revestir-se-ão as liberdades, se os fundamentos em que eles se apóiam – além de desrespeitados pelo Poder Público ou transgredido por particulares – também deixarem de contar com o suporte e o apoio de um aparato institucional, como aquele proporcionado pela Defensoria Pública, cuja função precípua, por efeito de sua própria vocação constitucional (CF, art. 134), consiste em dar efetividade e expressão concreta, inclusive mediante acesso do lesado à jurisdição do Estado, a esses mesmos direitos, quando titularizados por pessoas necessitadas, que são as reais destinatárias tanto da norma inscrita no art. 5º, inciso LXXIV, quanto ao preceito consubstanciado no art. 134, ambos da Constituição Federal.
(. . .)” (grifado)

Por esses motivos está a Defensoria Pública Estadual em busca da presente interdição, para propiciar aos presos assistidos hipossuficientes, vide declarações anexas, condições humanas no cumprimento de suas penas.

Se por seu turno o Ministério Público exerce seu mister promovendo as ações penais, procurando defender a sociedade daqueles que atentem contra as normas jurídicas postas, por outro, também compete ao parquet zelar pelo cumprimento escorreito da execução da pena na forma e parâmetros estabelecidos, motivo pela qual, não é possível compactuar com a degradação humana dos presos.

Igualmente, o Ministério Público é dotado de legitimidade inquestionável para a propositura de pedido de interdição de cadeia pública, já que a ele cabe a defesa da ordem jurídica e dos direitos individuais indisponíveis (art. 127 da Magna Carta).

II- DOS FATOS

É fato notório que existem problemas carcerários insuperáveis não somente nessa Comarca, como também em tantas outras deste país. A deficiência na execução penal, estendendo-se o problema aos presos provisórios, é constatada não somente pelo excesso da população carcerária, mas, ainda, pela falta de uma política criminal voltada para a recuperação social do preso.

Em nossa Comarca, infelizmente, a situação não é diferente, presos provisórios encontram-se recolhidos em local inapropriado e, com isso, muitos dos direitos dos presos acabam sendo negados ou inviabilizados. Contudo, há atualmente uma situação na Cadeia Pública local que traz grandes preocupações e reclamações diárias por parte dos presos.

Essas reclamações já foram relatadas em diversos pedidos de providências protocolados na direção do foro local pela Defensoria Pública, em reclamações individuais e pedidos de transferências de presos.

As reclamações são diversas: NÚMERO EXCESSIVO de presos, falta de local apropriado para banho de sol, visitas reduzidas e conduzida de forma inapropriada, condições insalubres de higiene, péssimas condições de instalação, devido ao número superior de presos nas celas, danos de natureza física e moral decorrentes desses direitos tolhidos.

A péssima situação carcerária de Chapadão do Sul já foi noticiada diversas vezes na mídia local e em âmbito nacional, conforme notícias veiculadas em sites na internet e no jornal Folha de São Paulo, que relatam a total falta de estrutura física da delegacia, que até mesmo, por absoluta falta de alternativa, abriga presos em um banheiro.

A situação ainda persiste já que o preso MARCELO DE FREITAS PAULA está atualmente recolhido nas dependências do banheiro da delegacia, conforme termo de declarações anexo (também foi o caso da detenta LOYANE SOUZA ALMEIDA e do advogado MARCOS ROGÉRIO SELOTO, conforme notícias em anexo).

Todos os presos foram ouvidos de maneira individual pela Defensoria Pública, conforme declarações anexas, relatando a atual situação constrangedora e humilhante das celas, onde não dispõem de espaço adequado para dormir, dividindo colchões e expostos em um ambiente insalubre, onde o odor é insuportável.

De fato, a situação de tão calamitosa e desumana, não permite um correto escoamento dos desejos humanos, pois, conforme depoimento da maioria dos detentos, em razão dos sanitários da Delegacia serem interligados ao sanitário da cela, faz com que as fezes passem sempre pelo sanitário dos presos antes de ir em direção ao esgoto, o que traz uma situação de total falta de higiene e dignidade.

Além de ter que conviver com cocô, urina, dejetos e fedores diversos, os próprios detentos sequer dispõem de papel higiênico para se limpar após realização das necessidades físicas, conforme colhido do depoimento de quase todos eles.

Ainda, todos manifestaram o desejo de obter transferência, mesmo porque poucos possuem familiares na Comarca de Chapadão do Sul e todos estão aguardando sentença.

Segundo Laudo de Vistoria em Cadeia Pública elaborado por engenheiro civil Paulo José Hermoso Garcia, após a rebelião ocorrida, relata de forma minuciosa a precariedade das instalações das celas na delegacia, observando a fragilidade das grades, das paredes e da laje.

O laudo em tela deixa claro que é inútil até mesmo reformar o estabelecimento prisional em questão, pois o mesmo, ceifado de tanta precariedade, não deve ter outro destino a não a desativação, sob pena de os diversos direitos fundamentais dos detentos continuarem sendo tolhidos, e o que é pior, em detrimento da segurança da comunidade local.

Por outro lado, ainda que se entenda possível a reforma, tal só poderá ocorrer se interditado o estabelecimento em questão, dada a amplitude das obras que se mostram necessárias.

Também nesse sentido é o relato do Delegado de Policia responsável pela segurança no local, solicitando imediata remoção de todos os detentos para reforma urgente, já que não é possível lá permanecer com segurança.

As fotos juntadas no pedido de providencias do r. delegado e também no laudo de vistoria corroboram com as alegações: as celas estão totalmente destruídas com tijolos espalhados, grades sem fixação e paredes danificadas.

Além disso, a Vigilância Sanitária Municipal, por intermédio de seu fiscal, realizou vistoria no local, constatando que as celas são pequenas, sem luminosidade e ventilação e sem “as mínimas condições higiênico-sanitárias de funcionamento”.

Pior relato é de profissional de saúde, médico, que em sua vistoria realizada no dia 04 de março de 2010 constatou:

“Ambiente sem luminosidade e aeração, incompatível para área de comer, favorecendo o desenvolvimento de estresse emocional e de provável instalação e disseminação de doenças infecto contagiosas decorrentes principalmente da ausência de condições sanitárias adequadas”.

Os problemas são de ordem estrutural, elétrico e hidráulico, de modo que por si só já aumentam de forma considerável a possibilidade de fuga. Somando-se isso com a ausência de policiamento adequado em seu interior, uma evasão em massa infelizmente poderá ser tida como inevitável em um futuro bastante próximo.

É certo que no momento não há mais que se falar em prestação de serviço de segurança adequada em tal localidade, tendo em vista que, como é de conhecimento público e notório, há falta de efetivo policial para garantir os direitos dos presos: banho de sol e visitas.

Como já ressaltado antes, os poucos policiais civis que temos à disposição deverão dar prioridade á custodia de presos para a manutenção de banho de sol, visitas religiosas, familiares, etc, para fins de evitar possíveis tentativas de fuga. Em outras palavras, tais servidores não estão mais nas ruas cuidando das funções que lhe foram incumbidas pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código de Processo Penal, qual seja, o exercício de Polícia Judiciária e de apuração das infrações penais

Como se não bastasse, a carceragem encontra-se sensivelmente degradada e com superlotação. Trata-se de um total de 22 detentos. Atualmente são onze presos por cela, quando a capacidade física é de quatro presos por cela. Não havendo local adequado para apreender mulheres e menores infratores, que geralmente passam dias em um banheiro esperando vagas em presídios, conforme noticiado pela imprensa.

Outrossim, a unidade prisional superlotada está localizada em uma região central da cidade, próxima a vários bairros residenciais onde vivem famílias de bem.

O problema é de extrema delicadeza. Surgiu em razão da incumbência da custódia de presos a estas duas instituições (Polícia Militar e Polícia Civil), que não foram criadas para tal finalidade. A solução ideal seria a interdição total da delegacia com a transferência imediata de todos os presos para desativação e reforma das celas.

Para piorar, o Estado de Mato Grosso do Sul se manifestou em diversas oportunidades, por intermédio de seus agentes, que não destinou e não destinará verba à melhoria do local, conforme ofícios anexos e declarações do Presidente do Conselho de Segurança de Chapadão do Sul, em que pese a expressiva e duradoura mobilização da sociedade sul-chapadense.

O Município de Chapadão do Sul não dispõe de condições orçamentárias para reformar as celas, também porque não é de sua atribuição legal (resposta anexa).

Por isso, é medida urgente e necessária a interdição da Cadeia Pública local, impondo-se a pronta, imediata e eficaz intervenção judicial, evitando-se, assim, sejam malferidos inúmeros preceitos legais, conforme abaixo demonstrado. Somente após a adequação do local, com reforma apropriada é que a delegacia poderá voltar a abrigar os presos. Ou então, seguindo a vindoura meta zero do STF, deverá ser totalmente desativada, encaminhando-se os presos para presídios da região.

III - DO DIREITO

A Constituição Federal, em seu artigo 5.º, incisos III e XLIX, estabelece que ninguém será submetido a “tratamento desumano ou degradante” e que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.

Segundo o preciso magistério do preclaro jurista Alexandre de Moraes:

"A dignidade é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas pessoas enquanto seres humanos" (in Direitos Humanos Fundamentais, 2ª edição, São Paulo: Atlas, 1998, p. 60).

Por seu turno, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, adotado pela Resolução n.º 2200 A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, estabelece, em seu artigo 10, caput, que toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana.

Tal dispositivo vem reproduzido, in totum, pela Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica –, adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, e ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992, que em seu artigo 5.º, item 2., estabelece que toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

No mesmo sentido, o artigo 10, item 1., das Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 14 de dezembro de 1990, a qual dispõe que as acomodações destinadas aos reclusos, especialmente dormitórios, devem satisfazer todas as exigências de higiene e saúde, tomando-se devidamente em consideração as condições climatéricas e especialmente a cubicagem de ar disponível, o espaço mínimo, a iluminação, o aquecimento e a ventilação.

Não bastassem os fundamentos acima, insta dizer que a própria Lei de Execução Penal, em seu artigos 10 e 11, inciso I, estabelece que “a assistência ao preso” é “dever do Estado” e será, dentre outras, “material”, sendo que a “assistência material” consistirá em “instalações higiênicas” (artigo 12, in fine, LEP).

Ainda que estejam presos provisoriamente, aguardando sentença, seus DIREITOS DEVEM SER RESPEITADOS e estão assegurados na LEP.

À autoridade judicial cabe garantir os direitos dos presos e fazê-los cumprir pelo sistema penal e penitenciário. Ao Poder Judiciário cabe fazer o controle externo dos atos da administração, faz parte de seu dever de zelar pelos direitos individuais do preso e pelo correto cumprimento da pena.

Ao preso são assegurados todos os direitos não afetados pela sentença penal condenatória e seus direitos só podem ser limitados excepcionalmente nos casos expressamente previstos em lei. E a lei de execução penal prevê expressamente as ocasiões em que os direitos podem sofrer limitação dentro do presídio.

Os presos têm, portanto, assegurado tanto pela Constituição Federal, quanto pela Lei de Execução Penal seu direito de à vida, à dignidade, à liberdade, à privacidade etc e SAÚDE.

O princípio da dignidade da pessoa humana assegura e determina os contornos de todos os demais direitos fundamentais. Quer significar que a dignidade deve ser preservada e permanecer inalterada em qualquer situação em que a pessoa se encontre. A prisão deve dar-se em condições que assegurem o respeito à dignidade.

Ora cabe ao Estado assegurar o direito dos presos, já que pretende a ressocialização dos mesmos e não somente a punição. Mas não é o que ocorre no local, já que não tem um presídio que assegure aos presos aguardar a condenação com o mínimo de dignidade e respeito aos direito básicos garantidos constitucionalmente.

Na delegacia local vários direitos são tolhidos: como menor tempo de banho de sol, visitas de familiares em pouquíssimo tempo, não tem visitas íntimas, não realizam nenhum trabalho (o que poderia diminuir a pena), se revezam para dormir, já que não há espaço para a colocação de todos os colchões, etc.

A humanidade da pena assegura ainda o direito de cumprir pena perto dos familiares, à intimidade, à privacidade, à liberdade de expressão e ao sigilo da correspondência.

Na Lei de Execução Penal (LEP) são, principalmente, os artigos 41, 42 e 43 que descrevem, obviamente sem pretensões esgotar o assunto, direitos dos presos.

Inicia-se com a garantia de respeito devido por todas as autoridades à integridade física dos condenados e presos provisórios (art. 40 da LEP).

Nesse sentido, preceitua o artigo 5º XLIX, da Constituição Federal:

“Art. 5º. XLIX, CF. É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”

Segue o artigo 40 da Lei nº 7.210/84:

“Art. 40. Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.”

Por derradeiro, a Lei de Execução Penal, em seu artigo 66, inciso VIII, estabelece que, dentre a competência do Juiz da Execução, encontra-se a de:

“interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta lei;” (grifamos)

Indiscutível, portanto, que a Cadeia Pública de Chapadão do Sul não se encontra funcionando em obediência aos dispositivos da Constituição Federal e da Lei de Execução Penal, sem olvidar-se ainda dos outros fundamentos jurídicos acima invocados, também ora violados. É de rigor sua interdição total (artigo 66, VIII, da Lei de Execução Penal).

IV - DA COMPETÊNCIA PARA A ANÁLISE DO PEDIDO DE INTERDIÇÃO.

Estabelecem os artigos 294 a 300 do Provimento n. 1 de 27 de janeiro de 2003, da Corregedoria-Geral de Justiça de Mato Grosso do Sul:

“Art. 294. Verificada a situação precária do prédio da cadeia pública, o juiz corregedor de presídios baixará portaria instaurando processo de interdição.

Art. 295. Nos autos deverão constar os seguintes documentos:
I - relatório passado pela autoridade policial competente;
II - laudo médico sobre as condições sanitárias e higiênicas da cadeia pública, subscrito por dois médicos;
III - laudo técnico sobre as condições de segurança e de utilização do prédio, subscrito por um engenheiro;
IV - fotografias da cadeia, assinalando os seus defeitos;
V - comunicação da prefeitura municipal local e da Secretaria de Segurança Pública do Estado, sobre a possibilidade de se efetuar as obras de reforma, de reparo ou de nova construção, conforme as conclusões do laudo técnico.

Art. 296. Ultimadas as diligências, sem prejuízo de outras julgadas de interesse e com manifestação do Ministério Público, o juiz corregedor de presídios examinará sobre a conveniência da interdição.
Parágrafo único. Em caso positivo, o juiz, antes de decretá-la, encaminhará os autos à Corregedoria-Geral de Justiça, para a sua aprovação.

Art. 297. Entendendo justificada a medida, a Corregedoria-Geral de Justiça, sem prejuízo de outras providências, autorizará a interdição.

Art. 298. Em seguida, os autos serão devolvidos à comarca de origem, e o juiz corregedor de presídios decretará a interdição, expedindo portaria.

Art. 299. Encerrado o procedimento, serão remetidas cópias da portaria de interdição à Corregedoria-Geral de Justiça e à vara de execuções penais da Capital, dando-se ciência aos Secretários de Estado da Segurança Pública e da Justiça.

Art. 300. Para interdição de cadeia ou presídio por outros motivos, deverá o juiz corregedor de presídios, previamente, justificar e pedir autorização ao Corregedor-Geral de Justiça.

Do observado acima, pode-se concluir, em consonância com a doutrina de José Maurique e Rafael Garcia , que o procedimento em tela possui cinco fases, a saber:

a) art. 294 - verificação da situação precária do estabelecimento pelo Juiz Corregedor permanente (ou seja, este juízo da Execução Penal de Chapadão do Sul/MS, que assim o fará quando receber estes autos), o qual deve baixar portaria instaurando processo de interdição, acompanhada da documentação própria (art. 295, cujos documentos já instruem os autos);

b) art. 296 - exame do Juiz Corregedor da Execução Penal (este juízo de Chapadão do Sul) a respeito da conveniência da interdição e, em caso de juízo positivo, encaminhamento dos autos à Corregedoria-Geral de Justiça para a sua aprovação (parágrafo único do mesmo dispositivo de lei);

c) art. 297 – em caso de juízo positivo da Corregedoria-Geral de Justiça, a autorização, por este órgão, do pedido de interdição;

d) art. 298 - devolução dos autos à comarca de origem para que o Juízo Corregedor da Execução Penal decrete a interdição mediante expedição de Portaria;

e) art. 299 - remessa de cópias da portaria de interdição aos juízos da Execução Penal da capital, bem como ciência ao Secretário de Segurança Pública.

Embora o último dispositivo não o diga, é diligente que se estenda a comunicação da interdição a todos os juízos de execução penal de comarcas do interior onde existam presídios, como é o caso, a titulo de exemplo, em nosso Estado, das comarcas de Amambai, Naviraí e Dois Irmãos de Buriti, o que certamente facilitará no remanejamento de vaga para os detentos do estabelecimento interditando.

Assim, pode-se dizer que o rito estabelecido no provimento em tela está de acordo com a natureza jurídica do pedido de interdição de estabelecimento prisional, que, segundo tese amplamente majoritária, se trata de um ato administrativo complexo, pois, sendo único e indiviso, resulta de vontades distintas e homogêneas (nesse sentido, STJ, MC 5220, 1ª Turma. Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 02/02/2004, decisão em anexo).

V - DO PEDIDO

Pelos fatos e fundamentos de direito anteriormente expostos, o MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL e a DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL requerem:

a) seja determinada, liminarmente, a INTERDIÇÃO TOTAL da Cadeia Pública de Chapadão do Sul/MS, de modo que: (a.1) proíba-se o ingresso de novos presos até a solução dos graves problemas estruturais apresentados, evitando-se assim o incremento da superlotação de tal Estabelecimento Penal, o conseqüente desrespeito aos direitos humanos e amenizando-se os evidentes riscos de fuga; (a.2) providencie-se a remoção IMEDIATA DE TODOS OS DETENTOS que atualmente encontram-se recolhidos no estabelecimento interditando, remanejando-os para o Presídio de Dois Irmãos de Buriti-MS, Presídio de Amambai, Presídio de Três Lagoas, Presídio de Naviraí, ou outros estabelecimentos penais em onde haja disponibilidade de vagas.

b) Que a transferência dos detentos seja providenciada pela Polícia Militar local e/ou pela Agência Penitenciária de Mato Grosso do Sul;

c) Que, a contar da data da decretação da interdição, seja determinado á Polícia Militar e Polícia Civil o encaminhamento imediato de presos em flagrante para outras unidades penitenciárias deste Estado;

d) Que as autoridades policiais desta comarca se abstenham de prender, no estabelecimento penal ora sob interdição, mulheres e adolescentes, dada a inexistência de local adequado para tal;

e) a adoção do procedimento do art. 294 a 300 das Normas da Corregedoria Geral de Justiça de Mato Grosso do Sul (Provimento n.º 001 de 17 de janeiro de 2003, interdição por força da estrutura precária de Cadeia Pública, texto em anexo);

f) a notificação da Ordem dos Advogados do Brasil para que, caso entenda de direito, integre o pólo ativo do presente procedimento;

g) a notificação do Diretor da AGEPEN - Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário/MS e ao Secretário de Segurança Pública, para que apresentem informações;

h) a notificação para a ciência e fiscalização das decisões judiciais ao: 1. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - Brasília -DF; 2. Departamento Penitenciário Nacional, órgão do Ministério da Justiça- Brasília – DF; 3. Conselho Nacional de Justiça. Brasília -DF


Graziele Carra Dias Ocáriz
Defensora Pública Estadual


Marcus Vinícius Tieppo Rodrigues
Promotor de Justiça da Execução Penal


Etéocles Brito Mendonça Dias Júnior
Promotor de Justiça da Cidadania e Direitos Humanos

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