Cassilândia Notícias

Cassilândia Notícias
Cassilândia, Sexta, 26 de Abril de 2024
Envie sua matéria (67) 99266-0985

Geral

Cassilândia: juíza Luciane Buriasco escreve sobre adoção

Luciane Buriasco, Juíza de Direito da comarca de Cassilândia (MS) - 23 de setembro de 2011 - 19:05

Era uma vez duas mulheres
Que nunca se encontraram
De uma não te lembras
A outra é aquela que tu chamas mãe
Duas vidas diferentes
Na procura de realizar uma só: a tua
Uma foi tua boa estrela
A outra teu sol
A primeira te deu a vida
A outra te ensinou a viver
A primeira criou em ti a necessidade do amor
A segunda te deu esse amor
Uma te deu as raízes
A outra te ofereceu um nome
A primeira te transmitiu os dons
A segunda te deu uma razão para viver
Uma fez nascer em ti a emoção
A outra aclamou tuas angústias
A primeira recebeu teu primeiro sorriso
A outra secou tuas lágrimas
Uma te ofereceu em adoção
Era tudo que ela podia fazer por ti
A outra rezou para ter uma criança
E Deus a encaminhou em tua direção
E agora, quando, chorando
Tu me colocas a eterna questão
Herança natural ou educação?
De quem eu sou fruto?
Nem de um, nem de outro, minha criança
Simplesmente, de duas formas diferentes de amor

                                  (autor desconhecido)

Adoção

Para quem quer adotar ou entregar o filho à adoção, o primeiro passo é procurar a Assistente Social do Fórum, a Franciane. O casal, ou solteiros – porque solteiros também podem adotar – preenche um formulário de habilitação para adoção, junta documentos, recebe a visita da Assistente Social em casa e tem que fazer um curso, aliás, antes de tudo, para ficar bem informado sobre todos os aspectos de uma adoção. Aqui em Cassilândia o próximo curso será em novembro.

Declarados habilitados, passam a fazer parte de uma lista de pretendentes local, que tem preferência quando surgir aqui uma criança para adoção. Quem faz parte da lista local, entra também na nacional. Aí é só esperar surgir uma criança com aquelas características que colocou no processo. Quanto mais exigências, do tipo criança recém nascida ou até um ano, branca, menina, entre outros, mais difícil de encontrarem a criança. É que de regra, as crianças prontas para adoção – já tiradas dos pais por processo judicial – são mais velhas, pardas, meninos, às vezes irmãos.

Mas esse é o melhor caminho. A adoção pronta – aquela que o casal ou solteiro(a) pega a criança diretamente de uma mãe que quer doar – tem vários inconvenientes: como essa mãe reaparecer querendo a criança, às vezes dinheiro, haver convívio entre família biológica e adotiva, que pode gerar um conflito de identidade na criança. O que passou, contudo, passou. Ou seja, se você adotou assim, não precisa ter medo. Pode procurar um advogado(a) ou a Defensora Pública (se for pobre) e entrar com o processo de adoção, regularizando a situação, que a criança não vai ser mandada para o abrigo e fila de casais habilitados não. Já tendo convívio, prevalece o interesse da criança em ficar com quem já ama/onde já é amado(a).

Também existe a adoção à brasileira, que é quando a pessoa coloca o(a) adotado(a) recém nascido, ainda sem certidão de nascimento, como seu filho. No processo de adoção, a certidão é cancelada e outra, sem qualquer anotação da adoção, é feita. Na adoção à brasileira, desde a primeira certidão já constam como pais os pais adotivos. Além do registro ser falso, nesse caso, normalmente, os pais biológicos – normalmente mãe solteira que entrega filho à adoção – conhecem os pais adotivos, com os mesmos inconvenientes da adoção pronta.

Por isso quem quer adotar, deve se habilitar no Fórum e esperar a criança lhe ser entregue pela Justiça, sem qualquer contato com os pais biológicos e recebendo também um registro de nascimento onde constam como pais, podem mudar o nome original, tudo sem qualquer registro da adoção. No futuro, essa criança pode ver o processo se precisar de um transplante ou algo assim.

O tempo de espera nessa fila é variável. Recentemente (24/04/11), um pediatra francês, Jean-Jacques Choulot, reclamava no jornal Le Monde que existe direito a ter pais, mas não direito a ter filhos. De uma maneira geral, sobram pais e faltam crianças. Os números no Brasil são de aproximadamente 27 mil casais habilitados para adotar e quase 5 mil crianças prontas para adoção.

Com menos de um ano de idade, esse número cai para apenas 15, hoje. Então se você souber de alguém que quer dar o filho, comunica a Assistente Social do Fórum que ela acompanha o caso e faz a felicidade desses casais que estão na espera. Não precisa adotar a criança porque ela não tem ninguém. Tem sim.

Adoção também não é nenhuma maravilha. Não tenhamos ilusões. Ser pai e mãe, adotivos ou biológicos, inclusive, não é nada fácil. Brigas e rejeição entre irmãos, por exemplo, acontecem tanto com filhos adotivos como com biológicos. Sentimento de ingratidão por parte dos pais também.

Houve um caso, publicado na revista Newsweek em 15 de abril de 2010, de uma mãe americana que adotou três crianças russas. Ela narra que os filhos vieram com problemas psicológicos e de saúde. E que entendiam pouco, tendo vivido em abrigo, sobre a dinâmica do dar e receber de uma família. Ela disse amá-los, mas que acredita que seja difícil para eles entender o que amor signifique. Parece que ao final ela não se sentiu amada por eles. Mas não poderia ter acontecido com filhos biológicos?

A maior incerteza que existe é engravidar: não se sabe o sexo, o gênio, a saúde, se vai gostar de você e você dele, nada. E se recebe o filho de braços abertos. Na adoção se pode conhecer a criança e esta os pais. Mas o futuro é incerto. Por isso adotar tem que ser mais que um ato de caridade, tem que ser como ter filhos: um ato de profunda entrega, doação, amor incondicional – ou o mais próximo que conseguirmos disso.

Fato é que a família contemporânea é outra: tem pais e mães solteiras, tem pais e filhos adotivos, adotivos e biológicos, pais homosexuais, filhos de uniões anteriores, filhos criados por avós, enfim.

Não deixou de ser família: é apenas uma nova família, com os mesmos alicerces do amor e do dar e receber. Na linguagem da psicanálise, indo do sonho narcísico de semelhança à ferida narcísica da diferença, como sempre se dá nas relações afetivas.

Luciane Buriasco Isquerdo

Juíza de Direito em Cassilândia

SIGA-NOS NO Google News