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Bresser: Brasil tem de deixar de ser "país dos rentistas

Spensy Pimentel/ABr - 26 de julho de 2004 - 10:42

O economista Luiz Carlos Bresser Pereira acredita que, para entrar de vez no rumo do desenvolvimento sustentado, o país precisa deixar de ser a pátria dos “rentistas”, segundo ele mesmo define, “aqueles que vivem de rendas, fundamentalmente de juros, e não os empresários e os trabalhadores produtivos que vivem do seu trabalho e da sua capacidade de inovação e de empreendimento”. A entrevista exclusiva de Bresser à Agência Brasil é a segunda de uma série com especialistas que dão suas sugestões sobre os desafios a serem enfrentados pelo país na retomada do crescimento sustentável.

Bresser considera que a manutenção da atual taxa de câmbio é outra questão importante. Para mantê-la em níveis que favoreçam as exportações, é preciso mesmo adotar regras para o controle da entrada de capitais estrangeiros, “se for necessário”.

Em 1987, o economista cravou seu nome na história contemporânea brasileira com o chamado “Plano Bresser”. Ele tornou-se ministro da Fazenda do governo Sarney, com a missão de realizar ajustes no Plano Cruzado. Foi logo depois de uma declaração de moratória parcial em relação ao pagamento da dívida externa, na esteira do sucesso eleitoral do PMDB no fim de 1986.

Segundo a biografia em seu site pessoal na internet, “sem condições de realizar o ajuste fiscal e a reforma tributária que permitiria a implementação de um plano definitivo de estabilização, demitiu-se do governo no final do ano”.

Em 1995, o economista assumiu o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, onde comandou uma reforma da gestão pública. No início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, foi ministro da Ciência e Tecnologia. Hoje, dedica-se à participação em conselhos de diversas empresas e leciona economia na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida por telefone a partir de seu escritório em São Paulo.

Agência Brasil – Quais seriam suas sugestões para a retomada do crescimento do brasileiro?

Bresser - A economia brasileira está estagnada desde 1980. Em certos momentos, há uma pequena retomada do desenvolvimento, mas uma retomada verdadeira nós não temos há 25 anos. A economia vem crescendo a taxas per capita inferiores a 1% em todos os períodos. Nos 30 anos anteriores, crescia a uma taxa de quase 4%, então a diferença é enorme.

O motivo fundamental dessa baixa taxa de crescimento a partir de 1994, quando os preços foram estabilizados, foi a política macroeconômica, que não garantiu a estabilidade completa da economia. Não promoveu a estabilidade das contas externas, e por isso tivemos duas crises de balanço de pagamento. E não resolveu o problema da estabilidade das contas internas, da conta do déficit público: isso também causou um crescente endividamento público.

No atual governo, as políticas adotadas foram basicamente mantidas, entretanto há um fato novo importante. Graças às duas crises de balança de pagamentos que nós tivemos, uma em 1998 e outra em 2002, houve uma desvalorização do câmbio. Foi, por isso, em grande parte resolvido o grande problema que causava a estagnação da economia brasileira desde 1994, a supervalorização do câmbio, que aumentava o consumo artificialmente e impedia o crescimento. Hoje, a taxa de câmbio brasileira está quase no nível correto, devia estar um pouco mais alta ainda, mas esse nível já é bastante bom.

O problema que continua gravíssimo é o da taxa de juros. A taxa de juros real que o Brasil vem pagando, há muitos anos, não cai abaixo de 9% reais. Essa taxa é escandalosamente alta, incompatível com o desenvolvimento econômico do país. Dias atrás, os jornais publicaram um estudo da Economática, uma agência de informações econômicas bastante competente, que mostrou que a taxa de lucro das empresas, nos últimos vinte anos, foi inferior a 4%, e o rendimento dos títulos emprestados ao governo foi de 19%.

Ora, com essa diferença... Vamos dizer que atualmente isso baixou para 9%, 10%. Com uma taxa de juros de 10% e uma taxa de lucro de 3%, não há possibilidade de haver desenvolvimento econômico, porque nenhum empresário vai investir. É verdade que eles têm um juro subsidiado quando investem financiados pelo BNDES. Mas, esse financiamento não é completo.

Nós temos de resolver com coragem esse problema: nenhum empresário vai investir enquanto nós mantivermos o Brasil como um país de rentistas – e é isso que o Brasil tem sido nestes últimos vinte anos, um país em que o grande beneficiado do processo econômico são os rentistas, aqueles que vivem de rendas, fundamentalmente de juros, e não os empresários e os trabalhadores produtivos que vivem do seu trabalho e da sua capacidade de inovação e de empreendimento.

ABr - O que o senhor considera então que seja o rumo que se deva tomar para reverter esse quadro?

Bresser - São três coisas fundamentais: uma é continuar a política de ajuste fiscal que vem sendo feita. A segunda é não permitir que o câmbio volte a se valorizar e, para isso, se volta a haver um grande influxo de capitais externos, é preciso então fazer controle de entrada, nunca saída, mas da entrada de capitais externos.

E, terceiro, o que é mais importante: é preciso ter a coragem de enfrentar os rentistas e o sistema financeiro e baixar a taxa de juros, a Selic, a taxa sobre a qual o Banco Central tem controle, para algo em torno de 3% reais, para menos de quatro. Isso é perfeitamente viável, não vai causar inflação, porque a economia ainda tem muito espaço e, portanto, não há nenhuma razão para não fazê-lo.

Este ano, a economia brasileira vai crescer um pouco, está havendo uma pequena retomada do crescimento, mas é ainda muito débil, exatamente porque essa taxa de juros continua muito elevada. A situação já está melhor porque, como eu disse, a taxa de câmbio está bem, e nós temos hoje uma indústria bastante eficiente e produtiva, graças à competição que ela foi obrigada a enfrentar internacionalmente.

Mas, sem uma baixa, uma mudança na política macroeconômica que faça com que se enfrentem os credores, não os credores internacionais, mas que enfrente o Fundo Monetário Internacional e os interesses dos rentistas brasileiros, o Brasil não retomará de fato o desenvolvimento.

ABr – São três pontos, portanto?

Bresser - Fundamentais são essas três coisas: manter a política fiscal dura e um superávit primário elevado, não permitir que a taxa de câmbio volte a se valorizar, estabelecer o controle de entrada de capitais, se for necessário. Certamente, antes disso, aumentando reservas, que é o que se pode fazer imediatamente, está se fazendo um pouco.

E terceiro, baixando-se firme e determinadamente a taxa de juros, porque isso não vai causar inflação e sem isso é impossível que o Brasil se desenvolva. O desenvolvimento depende de uma taxa de juros menor do que a taxa de lucro esperada pelos empresários. Isso é um princípio elementar de teoria econômica e, portanto, enquanto nós não mudarmos isso, nós não teremos nada de novo.

ABr – Como o Estado pode retomar sua capacidade de investimentos?

Bresser - A verdadeira retomada dos investimentos depende da baixa da taxa de juros, sem isso não há uma verdadeira retomada.

ABr – E, da mesma forma, o aumento do poder de renda das pessoas?

Bresser - É claro, o crescimento econômico depende do investimento, de forma que, se você tiver aumento dos investimentos, vai ter aumento da renda e aí se cria um círculo virtuoso. Mas, isso é impossível, enquanto nós tivermos uma taxa de juros do tamanho que está. Com uma taxa de juros desse tipo, é melhor você aplicar dinheiro a juros do que arriscar o seu dinheiro em negócio, que vai render muito menos, é muito mais arriscado e muito menos rentável na média.

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