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Artigo: Receita da Saudade, por Renato Lustosa

Renato Lustosa Sobrinho - 13 de maio de 2012 - 14:31

Já é madrugada, não costumo dormir cedo, acho que esse é um comportamento que herdei de minha mãe, ela gostava de ficar acordada a noite, fazendo crochê , quando digo ela gostava, já não sei ao certo se ela realmente gostava disso ou se apenas fazia crochê porque queria uma forma de passar o tempo nas longas madrugadas de insônia.
Mas isso não vem ao caso, eu queria mesmo era falar de outra coisa, hoje eu pela milésima vez tinha acabado de decidir fazer um regime e como todo gordo que faz regime, a única coisa que eu conseguia pensar era em comida (risos). Então, pra tirar a comida da cabeça resolvi ir pra cozinha colocar a mão na massa e preparar minhas refeições para o próximo dia, não tenho costume de comer coisas saudáveis, normalmente consigo os nutrientes de que preciso de salgadinhos, refrigerantes e outros quitutes pela rua , mas depois que minha mãe faleceu a grana ficou curta e esse hábito já estava me saindo muito caro , o que me motivou ainda mais a começar a comer em casa de forma mais saudável e econômica.
Abri a geladeira e olhei, tinha um monte de vegetais todos quase perdendo, eu sempre os comprei no mercado meio que por desencargo de consciência, pra dizer ao mundo que eu tentava ser uma pessoa saudável, mas aparentemente eu nunca tive intenção de prepará-los realmente, até essa madrugada...
- Deixe me ver! Repolho, quiabo, pimentão, rúcula, alface, batata doce, tomate, e beterraba.
Olhei pra todos esses ingredientes saudáveis e pensei:
- Meu deus como se prepara isso?
Me vieram à cabeça muitas memórias... Lembrei-me de minha mãe e do modo como ela cozinhava, devo admitir que vi minha mãe cozinhar poucas vezes, na verdade acho que ela não gostava de cozinhar não, nisso ela puxou minha avó (risos)! As duas têm mania de limpeza e eram capazes de passar o dia lavando roupa, ou então jogando água pra lá e pra cá, limpando a casa, mas ambas detestavam as panelas (risos). Engraçado isso porque minha tia Luíza, ao contrario das duas, é uma cozinheira de mão cheia. Os bolos que nunca vi minha mãe fazer, a tia Luíza fazia com maestria, mas isto é uma história que contarei outra hora.
Como eu dizia, minha mãe nunca foi chegada às panelas, mas quando ela cozinhava eu adorava! As melhores lembranças que tenho de minha mãe cozinhando são as de minha infância. Me lembro dela fazendo arroz branco molinho com pedacinhos de carne bem fritinha, eu comia isso com limão e às vezes salada de tomate, pra matar a sede abríamos uma Coca-Cola litro e tomávamos de uma vez só. Acho que esse era um de seus piores vícios, a bendita Coca-Cola! A gente tomava de golada agradecendo a Deus (risos). Todos os pratos que minha mãe preparava eram simples, ela não conhecia nenhuma receita que fosse além do básico arroz com feijão, mas tudo que ela preparava pra mim era delicioso. Nas raras vezes que ela cozinhava, eu me esbaldava por mais simples que fosse o prato, às vezes era costela na panela de pressão, às vezes era arroz com carne, só essas coisas bem simples do interior preparadas com pouquíssimos ingredientes, e pra economizar: ‘’mistura’’. Ela dizia que não podíamos comer tudo de uma vez só.
Enquanto eu picava a beterraba eu me lembrava das mãos dela cortando a beterraba, rápido com uma faca grande e meio enferrujada que tínhamos, me lembro dela mordendo um pedaço ou outro enquanto picava, acho que pra descontar a ansiedade e dar uma saciada na fome até a comida ficar pronta, essa imagem me veio a cabeça e foi umas das imagens mais lindas que vi no dia de hoje. Como a saudade dói, sei que é piegas dizer isso, mas por mais que valorizemos nossos pais nunca será suficiente, nunca será o bastante! Quando eles vão morar com Deus é muito engraçado, porque cada lembrança por menor que seja, por mais boba que pareça se torna um tesouro inestimável.
Estou chorando agora, me sentindo um pouco sozinho, mas quando fecho bem os olhos da pra sentir um calorzinho gostoso, recheado de saudades da lembrança dela. E isso é o que me ajuda a continuar escrevendo essas linhas!
Espero manter ela viva escrevendo estas memórias, eu não sei se terei filhos então às vezes isso me preocupa.
Quando eu me for, será que alguém vai de se lembrar de mim?
Digo a todos vocês que estiverem lendo isso, eu sou Renato Lustosa. Eu vivi aqui neste mundo exatamente como você, eu tive uma mãe cheia de defeitos, meio doida às vezes, mas era a melhor mãe do mundo.
Talvez hoje você não esteja valorizando muito sua mãe, talvez você ainda não se de totalmente conta da importância que ela tem, mas um dia com o passar dos anos eu sei que você me entenderá.
E com relação a você que esta lendo essas páginas e também já perdeu sua mãe, sei que você me entende, então se sinta abraçado meu irmão! Você não esta sozinho, te entendo muito bem, sei o quanto dói. Por mais que você tente não da pra explicar direito, cada lembrança se torna especial um misto de tristeza, alegria e saudade, um sentimento único que só pode ser gerado pela falta que faz a joia rara que é uma mãe, uma MAMÃE.
Então use suas lembranças e chegue mais pertinho dela, aquela que te faz tanta falta, deixe as lagrimas caírem, não tenha vergonha, chorar faz bem pra alma, chorar traz paz ao coração.
Continuei preparando os alimentos, enquanto eu cortava o quiabo me lembrei de uma historia que ela me contava, em quase todas as vezes que eu a via preparando quiabo.
Ela me dizia assim:
- Me lembro quando a gente morava no estado de são Paulo, lembro do meu pai, a gente era pobre ele levantava cedo naquele tempo de chuva, um barro danado! Ele ia pro quintal panhar quiabo pra mamãe fazer, ele chegava com aqueles quiabos, ai a mamãe cortava fininho colocava na panela com alho, cebola, um pouco de óleo e refogava, quando tava fritando a gente colocava umas fatias bem grossas de queijo da fazenda, nossa a gente comia até! E com a boca boa! Eu o João, a Sirlei, era melhor que carne pra gente , éramos felizes.
Ela sempre dizia isso, e enquanto mexia a panela era visível ver seus olhos marejados, sua voz embargada e uma lágrima ou outra escorria do seu rosto naqueles instantes.
Resolvi então preparar meu quiabo com queijo e fiz exatamente como ela fazia, com os olhos marejados, talvez a saudade seja o que torna a receita tão especial...
Saudades, muitas saudades!
Renato Lustosa Sobrinho.
Cassilândia 08/05/2012 são 5:12 da manha de terça-feira.

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