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Alcides Silva: Língua portuguesa, inculta e bela!

Alcides Silva - 29 de abril de 2010 - 16:48

“Pernas, para que te quero!”

Explica o Aurélio que essa expressão indica a ação de fugir correndo ante um perigo. E fala o respeitado dicionarista que tal exclamação é gramaticalmente incorreta. Se o substantivo “pernas” é plural, o pronome também deveria estar no plural. Daí, respeitados os cânones, dever-se-ia dizer “Pernas, para que vos quero”. Ocorre, porém, que os fatos lingüísticos nem sempre estão coerentes com a própria gramática. O povo é que fala gostoso o Português do Brasil, já dizia o poeta Manoel Bandeira. Nem sempre, porém, o povo tem razão absoluta.
Isso tudo me veio à mente ao ler o recado mandado por Márcio José, trazido pelo correio eletrônico, no qual ele contesta minha afirmação de que a frase ‘menos farinha’ usada por Ana Maria Braga estava errada. “O que existe, disse ele, é uma variação e que talvez venha a se tornar a forma padrão. Lembre-se das formas do passado que não existem mais. Se todos começarem a usar "menas", aceitando esta como forma correta, a gramática será obrigada a aceitá-la”.
Quando eu disse que o "menas" usado pela apresentadora era palavra que ainda não existia no vernáculo, referia-me aos hábitos linguísticos da comunidade idiomática a que pertencemos, a língua atual que praticamos, na qual mencionada expressão se constitui em vício de linguagem, em barbarismo, em erro. Não posso falar em termos de ‘língua futura’, que desconheço.
Tenho dito com muita freqüência que a língua é dinâmica – e isso não é novidade para ninguém. O que hoje é tido como erro ou negligência, amanhã poderá ser acerto, e vice-versa.
As palavras, produto da atividade humana, passam também por um processo de evolução. Todavia, a mudança linguística não é arbitrária ou anárquica, e nem ditadora; é a língua do povo, porque preceitos há que se eternizam.
A língua não pode ficar presa à dicotomia de certo-errado e nem no liberalismo doutrinário de que a linguagem se desenvolve melhor no estado natural, sem as peias das épocas pretéritas. Entendo, com Eugenio Coseriu (“La geografia lingüística”), que “a linguagem expressa o indivíduo por seu caráter de criação, mas expressa também o ambiente social e nacional, por seu caráter de repetição, de aceitação de uma norma, que é ao mesmo tempo histórica e sincrônica; existe o falar porque existem indivíduos que pensam e sentem, e existem “línguas” como entidades históricas e como sistema e normas ideais, porque a linguagem não é só expressão, finalidade em si mesma, senão também comunicação, finalidade instrumental, expressão para outro, cultura objetivada historicamente e que transcende ao indivíduo”.
No caso do “menas”, que no dizer anticorretista de Márcio José poderá ser aceita nas gramáticas do futuro, no falar da apresentadora televisiva, contrário aos padrões normais da língua, era a expressão de um limitativo de quantidade (menos farinha). Como advérbio é palavra invariável: sem gênero, número ou grau. “Mais amor e menos confiança”, “A mãe é menos severa que o pai”, “Aquela menina é a menos inteligente da classe”, “A rosa é flor menos duradoura que a orquídea”.
“Menos, seja como advérbio (choveu menos), seja como preposição (tudo, menos isso), seja como pronome (mais sol e menos chuva), seja como substantivo (o menos é preferível ao mais) é uma palavra invariável O vulgarismo menas, em função pronominal, “concordando” em gênero com o substantivo seguinte (“isso é menas verdade”), é um caso de hiperurbanismo ou ultracorreção. Ou seja, para evitar uma forma que lhe parece estranha ou errada (como se em menos fé houvesse erro de concordância), o falante inculto a substitui por outra que lhe parece mais correta ou mais culta (“menas fé”), ensinam as apostilas do Colégio Objetivo.

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