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Alcides Silva: Língua portuguesa, inculta e bela!

Alcides Silva - 12 de maio de 2011 - 15:05

‘A gente se liga em você’

Nas últimas semanas, em um pequeno anúncio institucional de prestigiada rede de televisão, o substantivo ‘gente’ foi utilizado na forma pronominalizada sete ou oito vezes. Essa repetição ‘exagerada’ de um mesmo termo num texto pequeno é chamada de ‘anáfora’. Ocorre na reiteração de uma palavra ou expressão para reforçar o sentido, contribuindo para sua maior expressividade. Já se a enunciação da mesma palavra acontece sem motivo, torna-se uma reprovável obesidade verbal.
‘Gente’, verdadeira palavra-ônibus, é um dos vocábulos que mais se emprega no linguajar do Brasil.
Nos meados dos anos 80, ditadura militar em baixa, um roque cantado pelo grupo Ultraje a Rigor empolgava as passeatas de protesto: “A gente não sabemos escolher presidente /A gente não sabemos tomar conta da gente”.
Gente, dizem os dicionaristas, significa multidão de pessoas, povo, o gênero humano; a humanidade, um número indeterminado de pessoas, ou mesmo uma só pessoa; alguém.
Primitivamente, gens era a família, um grupo de pessoas ligadas a um ancestral comum, possuindo um nome também comum, o sobrenome dos nossos tempos. Depois, os romanos, vaidosos de sua cidadania (cives romanus), passaram a chamar de gens os que não haviam nascido em Roma.
Paulo de Tarso, o Apóstolo das Gentes, veio a ser assim denominado porque sua missão foi a de converter os gentios, na linguagem eclesiástica, os pagãos. A palavra gente, primitivamente significando a prole, a geração ou a raça, com o evolver do tempo passou a expressar o gênero humano, a pessoa.
Essa palavra gente, e as correlatas genitor, genuíno, genuflexório e outras têm de comum... o joelho, em latim, geno.
Uma rápida explicação: no antigamente, toda casa do grego ou do romano possuía um altar e nesse altar, o larário onde deveria sempre existir o fogo ou brasas. Desgraçada a casa onde o fogo se extinguisse! A religião deles era doméstica, de culto aos ancestrais masculinos mortos, tidos como entes sagrados. Cada morto varão era um deus, sem necessidade de ter sido virtuoso em vida.
Duas famílias podiam viver juntas, uma ao lado da outra, mas tinham deuses e larários diferentes. A filha, enquanto solteira, cultuava os deuses de seu pai: casada, os do marido. Para o casamento, a moça, de branco e coroa à cabeça, era levada à casa do marido, onde não ingressava por seus próprios pés. Era preciso que o noivo a arrebatasse, simulando um rapto. Como com o matrimônio ela deixava o culto dos deuses de sua infância e mocidade, deveria dar alguns gritos, mostrar-se contrariada, manifestando dor, como se lamentasse o iminente desligamento de seus deuses do antigo lar, que até então cultuara. Por isso, o gesto ainda presente, de a noiva ser levada ao leito conjugal, carregada pelo noivo.
O matrimônio tinha por objetivo a perpetuação da família. Tanto que as antigas legislações determinavam o casamento da viúva, que não tivesse tido filho varão, com o mais próximo parente de seu marido. “O filho nascido desse segundo casamento era considerado como filho do defunto”, explica Fustel de Coulanges em A cidade antiga.
O nascimento da filha, porém, não satisfazia ao fim do casamento, porque a mulher não podia continuar com o culto doméstico.
Nascido o filho, no nono dia, ocorria sua iniciação no culto, uma espécie de batismo, de purificação. O pai reunia a família, chamava testemunhas e realizava, então, uma cerimônia ao redor do fogo sagrado, ao fim da qual o menino recém nascido era pego pelo pai e colocado em seus joelhos, para exprimir com esse gesto que o reconhecia como seu filho legítimo, filho autêntico, genuinu, o que foi colocado sobre os joelhos.
Daí, as palavras gente, genitor, gentílico (próprio de uma família), genuíno, genuflexório, terem o mesmo prefixo gen, de geno, o joelho, a significar ou o ato religioso de reconhecimento do filho varão, ou a pessoa (genitor) que o reconheceu, ou ainda a família (gente) onde foi reconhecido. Genro, não é descendente de gen, embora seja palavra bem assemelhada. Isso, porém, é outra história. Originária do latim, mas de étimo diferente (generu, genialis), significava destinado às noivas, à geração dos filhos, às núpcias, o fértil, o fecundo.


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