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Geral

Alcides Silva: Língua portuguesa, inculta e bela

11 de novembro de 2010 - 18:39

“Que” é basicamente pronome relativo

Já me utilizei diversas vezes do universo drummoniano para falar de fatos da língua portuguesa que se fala no Brasil. Repito, agora, com Quadrilha:
“João amava Teresa que amava Raimundo / que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili / que não amava ninguém. / João foi para os Estado Unidos, Teresa para o convento, / Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, / Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes / que não tinha entrado na história.”
Se o J. Pinto Fernandes só entrou para a história no final, o “que” ali se meteu por seis vezes e desde o primeiro verso.
Afinal, qual a função desse quê, que dá certa graça à poesia drummoniana?
“Que” basicamente é o pronome relativo. É invariável: usa-se com referência a coisa ou pessoa, no singular ou plural.
Por que pronome relativo? Porque geralmente se refere a um termo anterior, relacionando-o com o posterior, permitindo a concordância do verbo com o sujeito. Diferentemente das conjunções (que são meros conectivos), relaciona o termo antecedente ao conseqüente, desempenhando a função sintática de sujeito ou de complemento.
Quanto à concordância: primeiro macete, o termo antecedente é quem determina a variabilidade do verbo: “Em casa que falta pão...” (termo antecedente: casa, substantivo singular = verbo no singular). Nos versos de Drummond, João, Teresa, Raimundo, Maria, Joaquim e Lili são, também, termos antecedentes. “Foram eles que chegaram tarde” (termo antecedente: eles, pronome pessoal da terceira pessoa do plural = verbo no plural).
Havendo dois ou mais antecedentes, segunda dica, o verbo vai para o plural da pessoa que tem precedência sobre as demais (a 1ª pessoa – eu, nós – tem precedência sobre a 2ª - tu, vós – e a 3ª - ele, ela, eles, elas, e a 2ª pessoa, sobre a 3ª): “Não serei eu e nem você que deixaremos de honrar o compromisso”.
Se o pronome que integra um vocativo, e está a terceira regra, o verbo vai para a segunda pessoa: “Pai Nosso, que estais no Céu,...”
Até aqui, tudo simples, pois na própria fala corrente é essa a forma normal. A situação começa a se complicar quando a concordância não agrada aos ouvidos ou parece controvertida como a do exemplo: “Bom número dos brasileiros que paga (ou pagam) impostos reclama da voracidade do Leão”. Mas isso é assunto para outro comentário.
Por ora, fiquemos com algumas da outras funções sintáticas desse pequenino que. Algumas, que para falar de todas seria insuficiente esta página do jornal.
É pronome interrogativo: “Que história é a do J. Pinto Fernandes?”
É pronome exclamativo: “Meu Deus, que susto!”
É preposição, com o significado de exceto, salvo: “Nada mais esperava, que a morte”.
É conjunção coordenativa aditiva: “Dizei-me com quem andas que te direi quem és” (que = e).
É conjunção subordinativa: 1 – comparativa: “Estava mais feroz que um leão indomável”; 2 – integrante: “Contou-me que te ama” (introduz uma oração que funciona como sujeito ou complemento de outra oração); 3 – causal: “Vamos embora que os outros não mais virão”; e 4 – final: “Saudades de minha infância, que os anos não trazem mais”.
É interjeição: “Que! Novamente você!”
E é substantivo: “Fulano tem um quê de misterioso”.

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