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Alcides Silva: Língua Portuguesa, Inculta e Bela!

Alcides Silva - 06 de junho de 2008 - 08:13

É devagar, devagarinho...’
É conhecida a música cantada por Martinho da Vila “Devagar devagarinho’. Belo o samba, magnífica a interpretação!, mas, conforme a língua padrão, com emprego de palavra inexistente. Aliás, a letra dessa canção foi vertida para o português pelo Martinho que traduziu a frase “c’est lentement, c’est lentement, bien, bien lent” pelo ‘devagar devagarinho’ de seu sucesso musical.
Devagar é um advérbio que expressa um conceito de falta de pressa, de lentidão, de vagarosidade, de demora. Devagarinho, dizem os puristas, não existe porque o advérbio é uma palavra invariável. Será? Veremos depois.
Na maioria das vezes, o advérbio funciona como modificador de um verbo (andar devagar), de um adjetivo (muito devagar) ou de um outro advérbio (excessivamente devagar). Excepcionalmente, modifica toda a frase (devagar ele chegou) e, até mesmo, toda a oração, como se verifica no verso de Carlos Drummond de Andrade, por mim grifado na transcrição:
Casas entre bananeiras / Mulheres entre laranjeiras / Pomar amor cantar.
Um homem vai devagar, / Um cachorro vai devagar,/ Um burro vai devagar, / Devagar... as janelas olham /
Êta vida besta, meu Deus.
Nessa poesia, o advérbio devagar modificou o verbo nos três primeiros versos da segunda estrofe, e foi o modificativo da frase ‘as janelas olham’ do verso seguinte.
Aprendemos nas primeiras lições de gramática que o advérbio é uma palavra invariável, isto é, não tem gênero e nem número. Por exemplo, não existe no comparativo de quantidade, quando o complemento for um nome feminino, a palavra menas, como feminino do advérbio menos. Num determinado bolo poderá haver menos manteiga, menos clara de ovo, menos frutas cristalizadas que no de outra receita, porém nunca menas manteiga ou clara de ovos, ou as tais frutas, como, aliás, se ouve com freqüência, até mesmo em programas de televisão. Já falei aqui da receita da Ana Maria Braga que aconselhava colocar menas farinha; e da constatação de Lula de que o Brasil precisava de “menas política”.
Mas não é só por isso que se poderá afirmar, como dogma, que o advérbio é invariável e que o devagarinho da canção popular estaria errado.
No falar cotidiano, na língua gostosa do povo, é comum o uso de forma diminutiva com o acréscimo dos sufixos inho ou zinho para valorizar o objeto ou o acontecimento a que nos referimos. O jornal local que você costumeiramente lê, na cidade é chamado carinhosamente de ‘jornalzinho’, não porque ele seja pequeno, de poucas folhas ou desprovido de conteúdo. Igualmente quando dizemos aquela criança fará ‘dois aninhos’. Esses diminutivos não inferiorizam aquilo de que falamos e nem tampouco diminui o número de dias que compõem um ano, mas lhe intensifica a significação ou lhe dá um alto grau de afetividade ou de intimidade.
Sabemos que existem advérbios que admitem graus, como os adjetivos. Esses graus são o comparativo e o superlativo. O nosso devagarinho embora possua sufixo diminutivo é um superlativo coloquial, como também o são o “disse baixinho o nome dela”, “chegou cedinho para ver o sol nascer”, “veio depressinha ver o ocorrido”, “agorinha mesmo ele aqui esteve”, “pertinho do céu”, “é bem longinho onde ele mora etc.
Daí não ser verdade absoluta a afirmação de que o advérbio é uma palavra invariável.

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