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Avanço da Covid atrasa diagnóstico de câncer

Millena Grigoleti, Diário da Região - 29 de maio de 2020 - 15:23

Para o aposentado Sebastião Procópio do Amaral, de 66 anos, e a advogada Mayara Paschoal Micheias, de 24 anos, deixar de sair de casa para fazer o tratamento contra o câncer é impensável, pois são as injeções, no caso dele, e as quimioterapias, no dela, que os mantêm vivos. O problema é que muitas pessoas, com medo de sair de casa e serem contaminadas pelo coronavírus, estão desmarcando procedimentos necessários do tratamento oncológico. Estimativas das Sociedades Brasileiras de Patologia e Cirurgia Oncológica revelam que, desde que a pandemia começou, pelo menos 50 mil brasileiros deixaram de ser diagnosticados com câncer. Isso porque estão ignorando sintomas da doença e deixando de ir a consultas e exames e optando por ficar em casa.

Manter o isolamento social é, sim, extremamente necessário para frear a Covid-19, mas não dá para ignorar sinais de doenças. Nesses casos, é para procurar o médico. "Esse câncer pode se tornar incurável e pode haver uma grande sobrecarga no sistema de saúde. As equipes estão preparadas para um diagnóstico linear e uniforme. Janeiro diagnostica tanto, fevereiro tanto... À medida que a gente passa um período longo sem diagnosticar, quando chegar no segundo semestre isso pode sobrecarregar o sistema de saúde. Talvez não haja como fazer isso numa condição adequada de atendimento", explica Gustavo Colagiovanni Girotto, pesquisador do Centro Integrado de Pesquisa (CIP) e diretor científico do Serviço de Oncologia Clínica da Funfarme.

Quando o câncer é diagnosticado no início, as chances de cura são muito mais altas. Quando ele já se espalhou pelo corpo, a chamada metástase, as possibilidades do paciente são reduzidas. E não dá para prever quanto tempo essa evolução leva, pois isso depende de uma série de fatores, como a localização do tumor, o tipo de câncer, o perfil do paciente. Ou seja: não dá para garantir que quando a pandemia acabar será possível tratar a pessoa com segurança, por isso, em caso de sintomas de câncer, é para procurar o médico já, com todos os cuidados de higienização e distanciamento social: uso de máscaras, lavagem de mãos constantes, não levar as mãos ao rosto se estiverem sujas, procurar tomar banho e higienizar todos os objetos e roupas quando voltar para casa.

"O caminho ideal é que as pessoas que têm sintomas procurem médicos para serem avaliados para qualquer sintoma que a pessoa tem, e na suspeita de câncer que faça os exames para que se ele for diagnosticado seja tratado, já que o tratamento de câncer não parou", pontua Girotto. A partir do diagnóstico, a lei determina que o tratamento contra a neoplasia comece em no máximo 60 dias.

Além dos diagnósticos deixarem de ocorrer, a supervisora de Oncologia do Instituto do Câncer (ICA), Solange Cristina Fernandes Cunha, relata que os familiares dos pacientes mais idosos estão com medo, mas eles estão optando por comparecerem às sessões de quimioterapia. A instituição adotou procedimentos de segurança para evitar aglomerações, como aplicar a imunoterapia no carro em alguns casos, de modo que a pessoa nem precisa descer do veículo. Quem faz tratamento contra o câncer é grupo de risco para Covid-19, já que tem o sistema imunológico bastante debilitado.

Segundo Solange, o atendimento presencial no ambulatório caiu bastante. "Estão mantidos as primeiras consultas e os essenciais que precisam de exame físico. Os acompanhamentos e os que aguardam resultados de exames têm seu atendimento por telefone, no dia e horário a equipe liga e conversa com o paciente ou responsável", afirma. São pedidos os exames necessários e, se houver queixas, é marcada uma consulta presencial. Se alguém falta à consulta pessoalmente, a equipe liga para saber o motivo. "Entre presencial e por telefone estamos com 90% de nossos atendimentos, os exames também seguem essa faixa."

Tratamentos e cuidados

Seu Sebastião continuou com o tratamento. Ele teve um tumor de pele do tipo melanoma, muito agressivo, diagnosticado em 2014. O câncer já tinha se espalhado para o pulmão e depois chegou ao pâncreas, baço e dorso lombar - no total, atingiu 28,5 centímetros. Para enfrentar o problema, ele toma agora mensalmente uma injeção no CIP, por meio de uma pesquisa. Antes era quinzenalmente, e os tumores já regrediram 98%. Já foram 101 aplicações, tanto que há alguns dias, na aplicação da centésima, o idoso recebeu uma homenagem da equipe por vencer uma batalha tão longa. "Estou muito bem. Não tenho nada. Eu nem saio de casa, às vezes vou ao banco e é de máscara, morrendo de medo. Tem vários remédios que eu não posso tomar por causa da minha doença, se Deus quiser não vou pegar [coronavírus]", diz. "Não posso parar o tratamento porque é minha vida, não paro por coisa nenhuma, enquanto o doutor falar 'você precisa', eu estou lá."

A advogada Mayara Paschoal Micheias, de 24 anos, fez duas quimioterapias durante a pandemia. Moradora de Catanduva, foi diagnosticada com tumor no esôfago em janeiro deste ano, depois de desconfiar que algo estava errado por causa de alguns engasgos. O tumor, embora localizado - sem metástase -, estava em estadiamento, bem avançado. Depois de algumas sessões de quimioterapia e uma cirurgia, precisará de mais quimioterapia daqui a alguns dias.

"Faço na Unimed de Rio Preto e percebi que isolaram bem a área de quimioterapia, os acompanhantes ficam em outra sala. Os cuidados sempre estiveram presentes por conta de serem pacientes com imunidade baixa", diz ela, que confessa ter ficado assustada no início da pandemia e está ficando bastante em casa, sai com as máscaras e higieniza tudo quando chega.

"A gente se vê como grupo de risco, sempre fui instruída de que não poderia pegar nenhuma gripe, mas desde o começo sempre fui muito bem instruída", conta. A advogada comprovou na cirurgia que a quimioterapia foi importante para impedir que o câncer caísse na corrente sanguínea e se espalhasse. "O coronavírus é um risco, o câncer é uma realidade."

O oncologista Gustavo Girotto lembra que é fundamental manter os tratamentos. Mesmo um tumor que já diminuiu pode voltar ao seu tamanho original e até piorar sem a continuidade da quimioterapia, radioterapia ou medicamentos. "Se você imaginar que muitos pacientes vão deixar de tratar seus cânceres com medo da pandemia e se a doença for metastática, o coronavírus não deverá ser a causa da morte dele, e sim o câncer", diz o especialista

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