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Luciane Buriasco

Dra. Luciane: Num mundo sem distâncias, quão distante estamos dos nossos pais?

Magistrada Luciane Buriasco Isquerdo - 15 de maio de 2017 - 10:30

Dra. Luciane: Num mundo sem distâncias, quão distante estamos dos nossos pais?

Em 30 de abril deste ano, faleceu o cantor e compositor de MPB, rock e blues, Antônio Carlos Belchior. Com 21 álbuns lançados entre os anos 70 e 90, além de dois ao vivo, parcerias, coletâneas e um de tributo a sua pessoa, é conhecido por várias de suas composições, especialmente 'Como Nossos Pais', imortalizada na voz de Elis Regina, e em 2012 gravada pela filha, Maria Rita. Nesta música, magistralmente, demonstra que muito embora nos revoltemos contra nossos pais, especialmente na adolescência, na vida adulta, somos e vivemos como eles.

Djavan, outro ícone da MPB, gravou em 2015 'Dona do Horizonte', música dedicada à sua mãe, onde conta que ela foi quem disse que ele seria um cantor famoso. Gostei muito dessa afirmação de que mãe seja não só o nome do amor, mas a dona de nossos horizontes. Alcancemos ou não o que ela sonhou para nós, não vamos muito além disso. Minha mãe também me mostrou o horizonte de ser juíza quando eu tinha uns doze anos e estávamos hospedados na casa de praia do meu tio, irmão do meu pai, que era juiz. Ela queria que, como uma mulher do meu tempo e não do dela, eu não dependesse do casamento para ter uma vida sem tantas dificuldades para pagar as contas e ao mesmo tempo com licença maternidade, férias e tempo para fazer a tarefa com meus filhos, o que só começou esse ano, 29 anos depois dessa sua fala.

Muita coisa mudou nesses 29 anos. Temos internet e smartphones, que fazem com que não seja tão diferente estar aqui em Cassilândia ou em qualquer outra cidade, pois se pode ler jornais e revistas do mundo todo, assistir filmes no Netflix, ITunes, DVDs comprados em viagens, ter acesso às mesmas músicas via Apple Music ou Spotify. Podemos nos falar com câmera via Skype ou FaceTime com pessoas, onde estiverem. Viajar daqui até a Europa leva umas dez horas de carro até São Paulo e um vôo de doze horas aproximadamente. E já levou menos num Concorde, o avião supersônico que iniciou nos anos 70 e parou há alguns anos, já velho e inviável economicamente. É a ele que se refere Belchior em sua música não tão conhecida 'Tudo Outra Vez'. Ele diz: "Sertão, olha o Concorde que vem vindo do estrangeiro . O fim do termo 'saudade' como o charme brasileiro". É que o fim dessas distâncias leva ao fim da saudade, palavra sem tradução exata em outras línguas, daí o charme brasileiro (1).

É interessante que neste mundo sem fronteiras, de poucas distâncias, consumos padronizados e empresas multinacionais - em boa parte do mundo se pode comer um Subway, MacDonald ou tomar um café no Starbucks, este aberto mais recentemente em São José do Rio Preto, o primeiro aqui do lado, em Chapadão do Sul - ainda não consigamos ir muito além dos horizontes de nossas mães. Ou como sustenta Belchior, a "dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo que fizemos; ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais". Por que não mudamos de país? Por que nos casamos com pessoas que em algum aspecto se parece com nosso pai ou nossa mãe (lembremo-nos do que sustenta a psicanálise, no conhecido complexo de Édipo)? Por que nossa profissão é uma sugestão ou uma continuação da de nossos pais, às vezes alguma que eles admiravam? Por que a comida da infância tem um sabor tão bom apesar de tudo que possamos ter conhecido de gostos e cheiros na vida adulta?

Somos movidos e profundamente influenciados por este amor da infância, pelo amor de nossas mães por nós. Por isso quando a relação foi conflituosa, de abandono ou vivências difíceis, as feridas deixarão cicatrizes das quais nunca nos livraremos. Tudo bem, também não nos livraremos daquela do tombo de patins ou coisa do gênero.

Por tudo isso, é uma grande responsabilidade ser mãe, instigar os sonhos de alguém para sempre. É também motivo de agradecimento a quem, sabendo ou não o que fazia, aceitou ter esse papel, mal ou bem desempenhado em nossas vidas.

Sim, leitor(a). Esta é uma coluna sobre o Dia das Mães e uma homenagem a Belchior, o cantor e compositor preferido de meu marido. A resposta à pergunta inicial? Praticamente zero, mas tudo bem.

(1) Saudade é por este mesmo motivo o nome de uma música em espanhol composta pelo diplomata brasileiro, Embaixador do Brasil no Paraguai na década de sessenta, Mário Palmério, onde tenta explicar o que seja o termo aos falantes da língua espanhola.

Luciane Buriasco Isquerdo é Juíza de Direito em Cassilândia, Mato Grosso do Sul, membro do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e bacharel em Direito pela UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina.

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