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Recado do Cheida: Decifra-me ou te devoro!

Luiz Eduardo Cheida - 06 de junho de 2009 - 08:30

A Esfinge, com sua cabeça de mulher, corpo de um leão e asas de águia, foi enviada à cidade de Tebas pela deusa Hera. Depois de destruir os campos e afugentar os moradores, passou a interpelar os viajantes:

O que possui quatro pernas pela manhã, duas pernas à tarde e três pernas ao anoitecer?*

E, ameaçando: - Decifra-me ou te devoro!

Quem não decifrava o enigma, era devorado.

Nestes tempos bicudos, quando parece não existir mais dúvida de que os seres humanos devam tomar um outro caminho, que garanta a viabilidade da espécie, são muitos os que consideram que a questão ambiental é o grande enigma a ser decifrado pela humanidade.

Por questão ambiental entenda-se as pervertidas relações que nós, humanos, temos com o meio ambiente. Até porque, sem os humanos, a natureza estaria por aí, com suas regras simples e claras, sem questão ambiental nenhuma para ser resolvida.

Portanto, nós é que somos o problema.

E o somos porque, a cada etapa de nosso processo evolutivo, nos distanciamos mais e mais do mundo natural. Nos distanciamos a ponto de acreditar, por exemplo, que a natureza humana já é feita de uma outra natureza.

Muitos de nós já nem mais sabe que cheiro tem a chuva quando cai na terra. Somos poucos os que deixam de se incomodar com o vento quando ele desalinha nossos cabelos. Menos ainda os que não se enervam com o monótono zumbido da cigarra. Mas, somos muitos os que tornaram-se intolerantes com o canto do galo, amedrontados com o pio rouco da coruja, ou com o silêncio quase absoluto de uma noite de lua nova.

Somos nós, estes que se distanciaram tanto, que chegamos a sentir a falta do cheiro da fumaça dos veículos, a lamentar a ausência do conhecido odor de esgoto de um rio condenado. Somos nós, os que, de forma inconsciente, em lugar do canto do grilo, desejam o ronco dos motores, a sirene da ambulância, as buzinas e as ensandecidas frenagens. Que em lugar da suave luz do vagalume, preferem os estriônicos flashes dos shoping centers...

Por isso, a cada arranha céu mais alto, a cada vôo espacial mais longo, a cada carro mais veloz, a cada novidadeira mania da informática, da robótica, da química fina, da biotecnologia, reafirmam-se as conquistas humanas sobre o mundo natural. Porque é necessário deixar patente que nos libertamos do mundo animal, do mundo das paixões vis, da escuridão, do mundo da ignorância e do medo.

Para esconder nosso medo é preciso esconder nossa condição animal.

Por isso, reafirmamos tanto que somos de uma outra natureza. E quanto mais nos distanciamos da natureza, mais a agredimos.

Entretanto, quanto mais longe dela, menores serão as nossas chances.

Não... Nós somos natureza também! Essa é a constatação retumbante, verdadeira, sensata, resolutiva, demolidora.

É preciso decifrar o enigma. Na essência da resposta, ouso dizer, está nossa reaproximação com o mundo natural. E, não é preciso abrir mão de muitas das conquistas científicas e tecnológicas que a humanidade, a duras penas, realizou. É tão somente fazer o movimento de volta. Em lugar de ir, voltar.

Até porque, só temos ido. É hora de voltar. Voltar não é, necessariamente, retroceder. Voltar nem sempre significa atraso ou arrependimento. Voltar à procura da paz. Voltar em busca da harmonia. Voltar para reascender uma ética perdida entre os homens; e entre eles e o mundo natural. Voltar trazendo a solidariedade como prova de nossas novas intenções e relações.

Na mesma mitologia grega que criou a Esfinge, Édipo derrotou-a, solucionando o enigma: O que possui quatro pernas pela manhã, duas pernas à tarde e três pernas ao anoitecer?

Respondeu ele:

O amanhecer é a criança engatinhando,o entardecer é a fase adulta, que usamos ambas as pernas, e o anoitecer é a velhice quando se usa a bengala. Portanto,a resposta é: o homem.

Hoje se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente. São poucos os que não se apercebem que o grande enigma a ser decifrado pela humanidade é a questão ambiental. Mas, ainda são muito poucos os que perceberam que a questão ambiental é a própria conduta humana.

Decifra-me ou te devoro!

Um forte abraço e até sexta que vem.







Luiz Eduardo Cheida é médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia da Assembléia Legislativa do Paraná. Premiado pela ONU por seus projetos ambientais, foi prefeito de Londrina, secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

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