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Por que a queda dos juros demora a beneficiar consumidor

Gustavo Bernardes/Agência Brasil - 11 de outubro de 2003 - 10:55

Na esfera da teoria, existe uma série de vertentes sobre como estimular a economia. Muitas delas antagônicas, o que reforça a desconfiança sobre qual a receita certeira para fazer a locomotiva da economia brasileira movimentar-se. Mas há uma que caminha bem entre as sinuosas e divergentes correntes teóricas: a queda dos juros. Isso porque, a partir dela, os empréstimos tornam-se mais baratos e as lojas podem parcelar as vendas com um custo menor. Quando há maior procura pelos produtos, as empresas se vêem necessitadas a incrementar a produção, o que gera uma maior quantidade de empregos. Esse cenário, ideal, é denominado ciclo virtuoso.

Nos últimos meses, empresários e sindicalistas têm solicitado insistentemente que o Banco Central atue de forma a reduzir a taxa básica de juros, para abreviar a chegada da bonança. O coro é fortemente engrossado pelo vice-presidente da República, José Alencar, que, em praticamente todas as aparições, clama por juros menores. O fato é que, com o controle da inflação, a Selic, desde maio, baixou de 26,5% ao ano para 20% ao ano. O reflexo no bolso da população, entretanto, não veio a contento. As queixas quanto às altas taxas de empréstimos, cheque especial e cartão de crédito persistem. Mas por que, então, a redução na taxa básica de juros, tão fortemente desejada, não provocou o efeito desejado?

O economista Reinaldo Gonçalves, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, defende que em nenhuma hipótese a queda da Selic será repassada na mesma proporção ao consumidor. Justifica-se ao afirmar que o sistema bancário não se comporta de modo harmônico. “Isso ocorre simplesmente por causa da cartelização do nosso sistema bancário. Enquanto o governo não peitar os bancos, os juros jamais serão
reduzidos de fato para o consumidor”, salienta. Da mesma opinião compartilha o presidente do Conselho Federal de Economia, Carlos Roberto de Castro. “Como a margem de lucro dos bancos é muito elevada, a redução dos juros nominais acaba não impactando muito no bolso do consumidor”.

Os bancos, porém, contestam. Segundo o consultor econômico da Federação Brasileira dos Bancos
(Febraban), Roberto Luis Troster, muitas instituições financeiras já repassaram para o consumidor taxas maiores que o percentual de queda da Selic acumulado nos últimos quatro meses. “É incontestável que, com juros altos, não há desenvolvimento sustentado, mas dizer que a culpa é dos bancos não tem o menor sentido”, disse.


Pesquisa da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) revela que consumidores estão desanimados a gastar.
Quem tem razão nesse embate ainda não é possível saber, mas é fácil apontar quem se ressente dos altos juros. A agente de limpeza, Maria das Graças Souza,49 anos, é um exemplo. Acostumou-se a fazer compras maiores nos três meses que antecedem as festas de fim de ano. Mas em 2003, a história vai ser diferente. Foi obrigada a deixar de lado o cartão de crédito e os cartões usados nas grandes redes de supermercados. “Estou comprando muito menos. O dinheiro está curto. Comprar com muitas prestações, nem pensar. Se você for aos shoppings vai perceber que quase ninguém está comprando”,observa Maria das Graças.

A constatação de Maria das Graças encontra respaldo, também, na outra ponta do novelo, ou seja, no comércio varejista. Mesmo com 14 anos de experiência no setor de vestuário, o médio empresário de Brasília, Elias Moreira*(nome fictício a pedido do entrevistado), 55 anos, foi obrigado a fechar a última das suas seis lojas. Em apenas dois anos, o faturamento mensal médio de Moreira caiu de R$ 360 mil para R$ 40 mil, sem contabilizar as despesas fixas. “Não dá pra fazer dinheiro e ficar otimista com aluguéis e juros altos, desemprego e queda nas vendas”, disse.

Segundo o economista da consultoria Global Invest, Alex Barbosa, o empecilho para que a roda da economia gire, sem solavancos, é a estagnação. Com a retração, o ímpeto de consumo é reduzido, uma vez que as pessoas têm dúvidas quanto ao dia de amanhã.”Não há renda, nem emprego. Ainda fica difícil gerar consumo”.

As consultorias especializadas e as cooperativas de crédito dão outra versão para a demora. Para elas, o país vai precisar de aproximadamente seis meses para começar a sentir os reais reflexos das quedas dos juros no mercado. “Pode demorar até seis meses ou mais por causa das taxas de impostos, cadeia de risco, custo administrativo e taxas de patrimônio”, afirma o presidente do Banco Cooperativo Sicredi
SA, Ademar Schardong.

A mais recente pesquisa encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI),o Índice Nacional de Expectativa do Consumidor (Inec), entretanto,não é nada alentador e reforça a preocupação em relação às vendas. Mesmo com a indicação de quedas nos juros e da retomada da produção industrial, o estudo mostrou que o número de consumidores dispostos a não alterar seus hábitos de consumo subiu de 48% para 51%, nos últimos três meses. Isto é, nem as festas de fim de ano têm sido bons apelos para que os consumidores tirem a mão do bolso.

Perspectivas de melhora

Mas, nesse cenário, nem tudo são espinhos. Há exemplos de que é possível vislumbrar queda dos juros também para o consumidor, mesmo com os juros básicos na casa dos 20% ao ano. A Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, nas últimas reduções da Selic, anunciaram quase que simultaneamente a queda das taxas de empréstimos pessoais, cheque especial e cartões de crédito.

Até as linhas de microcréditos, voltadas a compras de eletrodomésticos, por exemplo, surgem como uma alternativa para a população fugir dos efeitos danosos dos juros altos.

De acordo com o economista Raul Velloso, o aumento da venda dos automóveis também sinaliza o início da retomada do crescimento, tendo por base a redução dos juros. “O que importa é que acabamos de sair da recessão. Ainda não tem grande melhora, mas também não tem piora”, disse.




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