Geral
Língua portuguesa, inculta e bela por Alcides Silva
Obrigado eu
Tenho ouvido com muita freqüência nos últimos tempos, em respostas a agradecimentos, não mais o cerimonioso não há de quê de antigamente, mas o obrigado eu ou o obrigada eu. Parece estranho, soa diferente porque novidade na língua do povo. Daí muitas perguntas sobre se é correta essa forma de retribuir a um agradecimento.
O termo obrigado é o particípio do verbo obrigar, do latim obrigatus a, particípio de obrigare (ob + ligare = ligado, amarrado, em volta de). Como expressão de agradecimento, é adjetivo, que sempre concorda com o substantivo. Um homem diz obrigado; uma mulher, obrigada. A concordância é sempre com a pessoa que agradece, isto é, do ser que se sente no dever de manifestar gratidão, que assume a obrigação de retribuir.
Não há muita diferença na maneira de agradecer nas línguas neolatinas. Os espanhóis dizem gracias, como na canção de Violeta Parra, no Brasil magnificamente interpretada por Elis Regina:
Gracias a la vida, que me ha dado tanto. / Me dio dos luceros, que cuando los abro, / perfecto distingo lo negro del blanco, / y en el alto cielo su fondo estrellado,/y en las multitudes el hombre que yo amo. Os italianos usam o termo grazie (daí o nome próprio Graziela, popularizado por um romance de Lamartine, publicado em 1848), e os franceses empregam o termo merci, derivado do latim mercede (recompensa, gratidão). Nossa Senhora das Mercês, mãe de Jesus, a quem socorremos em busca de benefícios celestiais.
A propósito, graça, do latim gracia, significa mercê, benefício; Ave Maria, gratia plena (cheia de graça), é a saudação do anjo Gabriel a Maria, concebida do Espírito Santo.
A forma de agradecimento usado na língua portuguesa - obrigado - nasceu do dever de que quem recebeu alguma coisa, seja favor ou benefício, agradecer, obrigando-se a retribuí-lo. Daí, as respostas de agora: Obrigado/a eu.
Essa pronomelização deve-se, talvez, a um acontecimento artístico: Caetano Veloso e Jorge Mautner, no decorrer de uma turnê divulgando um CD que gravaram (Gosto de ficar na praia deitado / Com a cabeça no travesseiro de areia / Olhando coxas gostosas por todo lado / Das mais lindas garotas, também das mais feias /
Porque são todas gostosas e sereias /Pro meu olhar de supremo tarado), estiveram no programa Altas Horas, de Serginho Groissman, na Globo. Quando terminaram de cantar, foram ovacionados e Serginho repetiu, por várias vezes, sua reverência aos cantores: obrigado!, obrigado!, obrigado! Caetano respondeu, em seu nome e no do parceiro Mautner: Obrigados nós!.
E a pronomelização do termo obrigado ingressou no falar corrente da juventude. Hoje já está migrando para o linguajar comum, do dia-a-dia, do povo em geral. Logo será dicionarizada.