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Artigo: Condenados pelo trabalho

Dante Filho - 23 de outubro de 2012 - 16:14

Acompanhei pela imprensa a performance dos \"Executivos de Pedra\", que ocorreu recentemente em São Paulo, em plena Avenida Paulista, e que causou estranhamento em muita gente. Dois grupos teatrais – Coletivo Pi e Desvio Coletivo – cobriram-se cada um com 5 quilos de argila e, caminhando com extrema lentidão, percorreram alguns trechos do centro econômico da cidade.



A ideia era chamar a atenção para a questão do aprisionamento do trabalho, tentando provocar uma reflexão contrária ao que se pensa comumente de que seres humanos devem se restringir a ser unidades produtivas, ganhar dinheiro, consumir, etc, desprezando valores, sentimentos, emoções.



Sei que no fundo trata-se de uma boutade ou licença poética, mas mesmo assim acredito que o tema mereça ser discutido em todas as suas nuances. Vivemos na era do economicismo cultural. O mundo do trabalho é cada vez mais complexo, embora ao mesmo tempo prevaleçam os conceitos de sua nefasta homogeneização por conta de um empresariado extremamente tolhido por leis trabalhistas anacrônicas.



Lembro-me de uma história sobre o filósofo David Hume (1711/1776): seus familiares e amigos diziam que ele era um sujeito preguiçoso, não gostava de trabalhar, dormia até tarde, enfim, uma pessoa pouco produtiva do ponto de vista operativo.



Só que Hume era leitor voraz, escrevia muito, produziu as obras filosóficas que romperam com o racionalismo clássico, deixando um legado que influenciou definitivamente o pensamento moderno. Como podia se dizer que ele não gostava de trabalhar? Ao contrário: ele trabalhava exaustivamente, só que de maneira anticonvencional (até para os padrões de hoje).



Cito este exemplo para mostrar que em muitas modalidades profissionais termina-se valorizando demais o expediente strictu senso em detrimento do verdadeiro trabalho (criativo, inovador, repleto de motivação). Não digo aqui que não se deva haver ordem, horário pré-determinados, hierarquia funcional (claro que essas coisas são importantes em inúmeras categorias profissionais e num expressivo arco de atividades produtivas). Mas é importante que haja diferenciações conforme a natureza da divisão do trabalho, pois somente assim há inovação, produtividade e avanço da humanidade.



Existem gerentões obtusos por aí que creem que o sujeito só é produtivo se chega às 7 da manhã no escritório e saí às 19 horas. Esse é o critério de todos os valores. O funcionário exemplar - e recomendável - é aquele que chega cedinho e sai tardão da noite. Para estes tarados do expediente, horários flexíveis são inimagináveis. Esses caras não conseguem ver o tempo em que seus subordinados ficam ao telefone conversando com amigos e familiares (já que não tem outra forma de convívio social), navegando na internet, tomando cafezinho e conversando amenidades, sem contar as horas que leva para pagar suas contas e espremendo o orçamento doméstico para chegar ao fim do mês. No fim, trabalho efetivo e concentrado é pouco. Mas isso não importa: ele chegou cedo e saiu tarde. O cara é muito bom de serviço.



Acredito que em atividades que exigem criação, pensamento, definição de estratégicas (como no jornalismo, publicidade, arquitetura, design etc, etc) há necessidade de espaço flexível para o exercício profissional. Não dá para ficar manietando o sujeito com horários burros, não desprezando, logicamente, questões de prazos, entrega de material e projetos. O que os “executivos de pedra” estão propondo é passar a pensar o trabalho como algo gratificante e não torturante. Simples assim .



*jornalista de Campo Grande ( [email protected])





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