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Vulgaridades, segundo Alcides Silva

Alcides Silva - 11 de março de 2006 - 09:22

Língua portuguesa, inculta e bela!
Alcides Silva

Vulgaridades
“Clichê” é o nome que se dá ao produto gravado em relevo numa chapa de zinco destinado à reprodução gráfica. Em estilística, é um termo ou frase que se repete abusivamente, transformando-se num lugar-comum, num chavão.
Rodrigues Lapa, em “Estilística de Língua Portuguesa”, comentou um trabalho no qual o autor descrevia, sem conhecer, ‘uma noite no deserto’. Reproduzo parte de seu trecho inicial:
“Noite encantadora! O luar banha com seus raios argentinos o areal desértico e imenso. Tudo brilha e refulge sob a claridade branda e suave da Lua. As estrelas, como milhões de pirilampos, estão disseminadas pela quietude misteriosa do firmamento. E no silêncio sepulcral, apenas cortado pela brisa rumorejante e dolente do oásis, tudo parece contemplar o céu, meditando no enigma do infinito...”.
Nessas poucas linhas (porque não mal traçadas linhas?) são numerosos os clichês: noite encantadora - o luar banha – raios argentinos – areal desértico e imenso - claridade branda e suave da lua – estrelas, como milhões de pirilampos - silêncio sepulcral - brisa rumorejante e dolente –enigma do infinito.
Essas construções, esses chavões, já tiveram expressividade, porém, o emprego excessivo deles, tirou-lhes o efeito e a beleza; passaram a ser perífrases ou rodeio de palavras. Perífrase é a figura que consiste em exprimir por várias palavras aquilo que se diria em poucas ou em uma só palavra. Torna-se, portanto, uma referência indireta. A repetição, porém, torna-a vulgar.
O oxigênio do globo terrestre está terminando.
A cidade da luz = Paris
O país do sol nascente = Japão
A cidade eterna = Roma
A cidade maravilhosa = Rio de Janeiro
O mesmo aconteceu recentemente com o “inserido no contexto”. Virou modismo, tanto quanto referir-se ao sol e chamá-lo de astro-rei. Por bom tempo, tudo andou inserido, como se a língua fosse um enorme embutido.
A televisão tem sido uma fonte permanente de chavões, que o povo adota com facilidade e facilmente abandona. Quem não se lembra: “Tô certo ou tô errado”, do Sinhozinho Malta ou do Zé fini, de um programa de humor? A maioria tem a vida curta de uma novela.
Na atualidade, dois verbos estão virando arroz-de-festa: investir e resgatar. Abre-se o jornal e lá está que a loja tal “investe em modernidade”, que o pecuarista fulano de tal está “investindo em melhoria genética do rebanho, que um outro, “investe em hidroponia”, que a secretaria da Educação “investe na melhoria do ensino”. Todo mundo investe, como se estivéssemos numa imensa tourada... Como verbo transitivo indireto, isto é, que exige complemento precedido de preposição, tem o significado de aplicar dinheiro em negócios (Aurélio) ou de “atirar-se com ímpeto” (Houaiss), “acometer, arremeter, irromper, assaltar, atacar; empossar" (Cândido Jucá).
“Resgatar” é o verbo do momento: resgatar o amor próprio, resgate da cidadania, resgate da auto-estima, resgate dos valores humanos, resgatar a história e outras tantas significâncias. Como verbo transitivo direto, resgatar é pagar, é recuperar, é retomar, é remir, é expiar, é cumprir (uma obrigação). É certo que resgatar também tem o significado de recuperar, de voltar a ter, mas o seu emprego a torto e a direito o está redundando em vulgaridade.

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