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Uma lição dessa Olimpíada

*Cristiano Parente - 18 de agosto de 2016 - 17:00

Uma lição dessa Olimpíada

*Cristiano Parente

Os jogos estão acontecendo e muitos ídolos que marcaram sua história no esporte brasileiro não conseguiram bons resultados na Olimpíada do Rio. Alguns, inclusive, disseram não mais participar dos próximos Jogos Olímpicos, como o judoca Tiago Camilo e a saltadora Fabiana Murer.

A participação nos esportes, independentemente de resultado, é sempre interessante como aprendizado, troca de experiências e cultura. Entretanto, quem faz dessa área a sua profissão, tem como objetivo final alcançar seu melhor rendimento, se superar e, na maioria dos casos, lutar por medalhas e títulos.

Se para o público, ver a vitória sempre é mais interessante e prazeroso, para os atletas profissionais, a conquista desses status faz parte de suas vidas de maneira muito diferente. Essa relação alcança padrões emocionais inimagináveis.

Ao assistirmos alguns países ganhar continuamente diversas medalhas ao longo de anos de história e, do outro lado, percebermos claramente que o Brasil não consegue alcançar desempenho sequer comparável, o que nos passa na mente é que temos um modelo esportivo falido, que depende muito mais da sorte e do sacrifício do que da competência.

Os atletas que representam o nosso país e que conseguem chegar às medalhas são absolutamente heróis, pois partem de condições amplamente desfavoráveis e chegam ao topo contra tudo e contra todos. Arthur Zanetti, que por muitos anos treinou em equipamentos caseiros para se tornar medalhista, é um grande exemplo entre tantos outros.

Qual, então, é o caminho? Copiar quais modelos? O americano, que gera centenas de campeões e, como efeito colateral, uma população com 60% de obesos; o russo, que usa o esporte como política e cria mecanismos de doping para alcance dos resultados; o modelo chinês, onde atletas com genética favorável e que ‘dão sorte’ são colocados no ambiente esportivo com uma condição de vida melhor do que poderiam ter em outra situação, e dão a vida para ali se manterem sobrevivendo; ou o de alguns países africanos, que enxergam a única chance da vida, por exemplo, na corrida?

Na verdade, nenhum desses modelos é convincente, tanto pelas interferências externas quanto pelos efeitos colaterais. Tão pouco o nosso modelo brasileiro, que entre os países de proporção e população continentais, traz resultados bem menos expressivos que Rússia, Canadá e Estados Unidos, entre outros.

Imaginar que investir no esporte é obrigação do governo é algo absolutamente equivocado. O esporte demanda um imenso investimento, com alto risco, e quando se imagina isso na mão do Estado que é rígido, tem leis a serem cumpridas e inúmeras prioridades antes do esporte, dificilmente tal investimento terá algum retorno.

O lema de que o esporte tem um retorno social importante também é lendário, e serve para um em cada 450 mil brasileiros em média. O esporte é para poucos. Mesmo no futebol, que é o principal esporte do país, onde temos 98% dos atletas que ganham menos de dois salários mínimos.

Para o esporte funcionar, o ideal é aproveitar um pouco de cada modelo que existe, além de considerar números e resultados claros de mercado. Para isso, primeiro é fundamental entender qual o processo que leva ao surgimento de um atleta profissional. Depois, pensar em um modelo que atraia o mercado para poder vender e financiar o crescimento da modalidade. Por último, pensar um processo de produção contínuo e infindável, sem focar simplesmente em projetos para um evento específico.

É como pensar em uma empresa, que almeja crescer e ganhar dinheiro, às custas de trabalho, investimento, geração de emprego, comércio e serviços.

O esporte e toda sua estrutura são feitos para gerar lucro, via marketing ou via financeiro diretamente. Seus idealizadores pensam em ganhar dinheiro com aquilo e, para tal, é preciso ter gente que compre. Então, o esporte deve ser interessante e valer o investimento. E isso se consegue o transformando em espetáculo, criando uma estrutura que gere novos recursos (atletas), para seguir atrativo e conseguir mais clientes.

Esse pensamento vai desde como se imaginam as regras do jogo até como criar momentos de prazer ao redor do evento e de sua prática. O remo, na Inglaterra, é um exemplo desse processo. Por lá, as competições dessa modalidade são eventos de disputa entre as universidades que geram status, rivalidade e são transformados em festas e megaeventos, com ganhos revertidos para todos.

Os americanos compartilham da mesma lição. Pensam em espetáculos. Mudam os formatos para ficar mais comercial e ampliar a arrecadação, de forma a retroalimentar todo o sistema. Pensam o esporte como empresa.

Com mais recursos, torna-se possível o desenvolvimento de atletas e de eventos, com melhores pagamentos, com mais pessoas atraídas não só por ‘consumir’ aquela modalidade como também por praticá-la.

Este é o ponto técnico chave. Para descobrir um atleta de alto nível, com qualidades exponenciais ao ponto de algum dia chegar ao nível olímpico, uma grande massa de atletas amadores precisa ser observada. Entre eles, alguns despontam com características genéticas favoráveis, paixão pela modalidade, facilidade de entender a demanda do jogo e grau de maturidade ou aptidão compatível com o necessário para, somente então, ser encaminhado para um programa realmente profissional de preparação e treinamento.

Associado a essa seleção natural, um programa paralelo de Educação Física precisa ser disponibilizado para os outros 99,9% da população que não tem e nunca terá condições de chegar ao nível competitivo do esporte, incluindo aulas na escola que estimulem as pessoas a entender o corpo e o exercício, para que se tornem adultos ativos, saudáveis, e apreciadores e consumidores do esporte profissional.

Trata-se de um plano de transformação da sociedade, que pode desenvolver e criar um mercado profissional absurdamente gigantesco, capaz de transformar toda a indústria mundial, pois passa pela saúde, alimentação, indústria têxtil, automotiva, etc. Pessoas com hábitos saudáveis consomem outros produtos e serviços e podem mudar os rumos do planeta em relação inclusive ao meio ambiente.

Entender o esporte como ele é, pensar fora da caixa, fugindo de modelos como o de investimento estatal, ou de conceitos como o de que o esporte tira as pessoas das drogas é o caminho. Pensar uma indústria dos esportes trabalhando em paralelo com uma indústria da Educação Física, dentro e fora da escola e da grade curricular pode mudar os resultados em 15 ou 20 anos.

Fora disso, vamos passar outras frustrações por muitos e muitos anos, rezando e torcendo pelos nossos atletas extraterrestres que sofrem e comem o pão que o diabo amaçou para nos dar algum orgulho.

*Cristiano Parente é professor e coach de educação física.

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