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Um mundo que ignoramos

Site de dicas - 04 de novembro de 2017 - 09:00

Muitas vezes, de uma forma eficiente, não é possível passar para nossos alunos a pauta didática planejada. Dessa forma, não é novidade quando acabamos por perder completamente o diligente trabalho de dias e noites de estudos, um material que quase sempre será ignorado em sala de aula.

Se nem mesmo somos capazes de reter a atenção sempre dispersa de um grupo, desejar então que assimilem alguma coisa pode parecer um sonho distante da realidade. Não somos responsáveis, nem temos a pretensão de moralizar ou disciplinar quem quer que seja, e nem poderíamos se o quiséssemos. Mas resta a frustração diante da incapacidade exercer nosso magistério da forma idealizada em nossos primeiros devaneios vocacionais, quando sonhávamos com a possibilidade de que um dia poderíamos, de fato, mudar alguma coisa.

Quando recebemos aquelas crianças ou jovens em sala de aula, na maioria das vezes sem que nada saibamos a respeito de suas aspirações pessoais, ou mesmo das suas verdadeiras idiossincrasias, resta-nos cumprir as determinações exigidas pelo programa escolar padrão. É inútil questionar se aquele modelo é ou não edificador, ou capaz de potencializar a cognição de alguém, pois uma vez que não aceitamos as regras, dezenas de outros educadores, na verdade maestros de autômatos, já estão na fila de espera, dispostos a perpetuar o insípido e ineficaz modelo robótico.

Farão sem questionar, sem opinar, como máquinas cegas e obedientes; enfim, apenas cumprindo a carga horária necessária para justificar seus honorários. E assim é com a maioria das escolas, que se tornaram apenas instituições comerciais, sem proposta educacional. Não estão preocupados com a reforma ou construção consciencial de quem quer que seja.

E ao final do período, cada instituição adotará seus próprios meios para fazer o aluno avançar de grau, ignorando completamente se como entidades humanas estão progredindo, ou mais disciplinados, menos ou mais organizados e conscientes de seus papéis dentro de um mundo que ainda não conhecem, e que talvez nunca venham a conhecer.

Não podemos nos iludir, pois há um limite na trajetória comportamental de um indivíduo até onde podemos atuar. Depois disso, a reforma da sua conduta estará inteiramente nas mãos das vicissitudes da vida, do menor ou maior sofrimento, que ainda é a única linguagem que fala para todos no mesmo tom. É o sofrimento, uma linguagem capaz de criar em cada um deles o desejo de mudar.

Só é possível cultivar uma criança ou um jovem que desde cedo foi regado com os nutrientes cognitivos certos. Valor algum tem o heroísmo, a resignação docente, se nossos esforços não são recompensados com a compreensão e assimilação de um aluno que, motivado por condicionamentos patológicos, se recusa a nos ouvir.

Não podemos obrigar ninguém a incorporar o conhecimento que se aprende na pedagogia escolar e depois aplicar em sua vida. Muito menos devemos nos iludir imaginando que nosso magistério representa uma espécie de brigada divina, cujo desfecho é a transformação do homem, de onde ele sairá íntegro e consciente de que construir é melhor que destruir.

E eis a realidade: temos diante de nós um aluno, cuja vida pessoal para nós é um mistério. Nada sabemos sobre seu temperamento ou família, o que no final, poderá ter um efeito mais determinante sobre sua personalidade que nossos melhores esforços em edificá-lo. Sem contar que a atual escola não parece muito preocupada em tomar para si essa tarefa.

Diante disso, devemos ser mais realistas e menos idealistas. Um idealista fecha os olhos para muitas realidades, e por isso mesmo, seus esforços são quase nulos. É um sonhador, e por isso ignora o que é real. Sua abordagem não pode construir, uma vez que lida apenas com personagens virtuais de um mundo abstrato, a fantasiar seu paraíso onírico.

Ao educador resta dar-lhes orientação, e esta orientação poderá ou não lapidar de forma positiva parte do seu caráter. Ele sabe também que não é o responsável pelo destino do seu educando, afinal de contas, não é nem pelo seu próprio. Mas, aquele mínino que ele dá, pode fazer grande diferença na mão desse jovem. De posse desse mínino recebido, poderá o aluno se conduzir de uma forma mais consciente, com maiores chances de acertos, e isso é tudo que pode ser feito.

Isso nos faz lembrar que, cada educador, deveria antes disciplinar a si mesmo. Deveria primeiro compreender seu mundo, estar consciente dos seus limites e do seu papel; ter sua própria casa em ordem, antes de se propor a arrumar a casa alheia.

De que adianta a disciplina através de alguma forma de coação, se chegará um momento onde nossas recompensas não mais terão o efeito “disciplinador” sobre aqueles que fomos encarregados de tentar domesticar? Precisamos compreender de uma vez por todas que o tradicional modelo de castigo e recompensa apenas degrada e corrompe o indivíduo, criando um homem preguiçoso, insensível à sua obra; aquele sujeito que vê na obtenção da vantagem sua razão de viver.

Este modelo não é capaz de construir decência ou algum sentimento de respeito em quem quer que seja. Tire-lhe o prêmio, e você não terá mais o animal amestrado que obedece como um fantoche em troca de méritos ou agrados.

Uma Experiência cognitiva capaz de transformar a prática pedagógica...
A prática poderá ser realizada em grupo ou de forma individual, em qualquer ambiente externo ou interno.

Há alguns anos atrás, fizemos uma abordagem lúdica em sala da aula cujo rendimento cognitivo extrapolou até as nossas mais exageradas expectativas. Por iniciativa pessoal decidimos fugir do processo linear e inflexível das técnicas cognitivas tradicionais centradas em normas, a nosso ver, ultrapassadas.

Inicialmente não tínhamos uma ideia concreta dos resultados, pois era algo novo, uma abordagem nunca vista dentro da didática escolar regular. E claro, nada disso fazia parte da pauta curricular. Era um processo informal, fora das vistas da direção, e começou como uma simples brincadeira no período do intervalo, ou recreio.

A primeira abordagem foi com um grupo de 20 alunos com faixa etária entre 8 e 10 anos de idade. Uma vez por semana tínhamos uma oficina de pintura e desenho com esse grupo. Num certo ponto do ano letivo, durante uma pequena discussão entre dois alunos, que sentados numa mesma mesa com folhas individuais cartonadas em mãos, disputavam o mesmo potinho de tinta para colorir uma árvore semelhante. Questionei por que não compartilhavam da tinta, sem conflitos.

Um deles afirmou que, como pegara o pote de tinta primeiro, deveria pintar antes do outro a sua árvore. Mas, enfatizou que, tão logo concluísse a sua, o outro poderia usá-lo. Perguntei se não seria possível a ambos, sem disputas, molhar ao mesmo tempo seus pincéis no mesmo potinho, sem, contudo, pertencer exclusivamente a nenhum dos dois.

Para eles não foi tão simples compreender e aceitar essa abordagem, uma vez que o processo da disputa pela preferência já fazia parte do comportamento rotineiro de cada um. Não assimilavam aquela condição de não disputa, e mesmo depois da concordância, ainda olhavam involuntariamente para os pincéis um do outro na ânsia de conferir quem retirava mais ou menos tinta do recipiente. Estava claro que sequer imaginavam existir um modo de ação alternativo, fora daquele padrão robotizado do seu dia a dia. Os demais alunos ainda observaram aquilo por algum tempo, e logo, sem que chamássemos a atenção de nenhum deles, começaram a imitar aquele gesto.

Foi até uma coisa divertida, pois ficaram contentes uns com os outros, e havia uma espécie de companheirismo solidário entre eles. Notava-se agora um certo alívio, pois não mais precisariam proteger aquilo que até agora julgavam ser um patrimônio exclusivo, sob o risco de outro saquear ou destruir.

Na aula seguinte, fizemos um desafio para o grupo. Informamos que naquele dia não iriam pintar. Iríamos dar uma volta no pátio da escola, e simplesmente observar o mundo. Expliquei o que deveríamos fazer naquele passeio, assim como os motivos.

Explicamos: “O papel de cada um será observar com atenção a maior quantidade de coisas que for capaz de perceber pelo caminho, tais como: As plantas rasteiras, a terra e sua aparência, as árvores, o céu, a sujeira do pátio, as pessoas, o que estas pessoas estão fazendo, a cor de suas roupas, a coloração das plantas, das paredes, e também o que estão sentindo enquanto observam a tudo isso.”

Sugerimos que levassem consigo papel e lápis, pois deveriam anotar alguma coisa que pudesse servir de referência, de modo a facilitar a lembrança das ocorrências mais tarde. Alguns pareciam cismados, uma vez que não compreendiam o significado ou propósito daquela atividade não chamada de tarefa escolar. Seus rostos expressavam curiosidade em descobrir o significado de uma atividade escolar, que além de não ser considerada uma tarefa, também não valia pontos.

Foi dito que queríamos conhecer a capacidade de observação de cada um deles. E só depois de alguns dias informamos dos benefícios que viriam com o desenvolvimento da qualidade desse tipo de atenção.

Paramos muitas vezes em pontos distintos do pátio. E lhes mostramos algumas plantinhas muito pequenas, que cresciam nas frestas de uma das calçadas do pátio. Sugerimos que observassem a coloração, a nuance dos muitos verdes das pequenas folhas, suas sombras, caules, e também o formato geral da plantinha. Enfim, deveriam tentar enxergar nelas alguma coisa que as pessoas normalmente não perceberiam, simplesmente porque nunca paravam para olhar.

A reação do grupo foi extraordinária. E logo tivemos que estender a atividade a outras turmas, já que todos conversavam sobre aquilo. E em casa passaram a ser mais observadores, mais atentos aos detalhes, mais ponderados. A capacidade cognitiva de cada aluno daqueles grupos se ampliou de um modo notável. O temperamento mudou, já não eram mais os mesmos. Agora eram capazes de ver o mundo com outros olhos. Tornaram-se mais organizados, cuidadosos com o asseio pessoal e do ambiente; e não se via mais nenhum vestígio de sujeira em sala de aula.

Depois explicamos ao grupo outras coisas, que são as qualidades que todo observador precisa ter, principalmente quando vivemos num mundo onde o senso comum é o culto a destruição ou degradação. E logo que voltamos à realidade da sala de aula, solicitamos que descrevessem em papel tudo o que conseguiam lembrar após o passeio. E de uma agitação inicial, onde todos discutiam entre si expondo seus pontos de vista, logo podíamos ver crianças reflexivas, de olhos atentos a tudo que ocorria à sua volta.

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