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Geral

Tv Globo não terá de indenizar vidente

TJ/SP - 10 de fevereiro de 2010 - 08:00

Veja sentença, na íntegra, abaixo:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

COMARCA DE SÃO PAULO

FORO REGIONAL II - SANTO AMARO

5ª VARA CÍVEL

SENTENÇA

Processo nº: 002.07.163115-6

Requerente: João Oreste Cafarelli

Requerido: Rede Globo de Televisão

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho

Vistos.

João Oreste Cafarelli propôs a presente Ação pelo rito ordinário em face da Rede Globo de Televisão pelo fato de o programa Fantástico exibido no dia 30/09/07 ter veiculado matéria que teria criado abalo psíquico no autor ante o seu caráter sensacionalista.

Sustenta que no final de uma reportagem com cerca de 9 minutos foi transmitida uma curta conversa com o requerente, gravada clandestinamente, a qual foi seguida da opinião de um advogado no sentido de que os entrevistados estariam praticando o "crime de charlatanismo". Alega que a conversa entre a repórter e o autor durou cerca de 30 minutos, embora tenha sido mostrado apenas um pequeno trecho do que foi falado. Afirma que é um "conhecido e respeitado profissional da área de holística", sendo que no curso de toda a sua vida se dedicou e se dedica a "ajudar as pessoas que o procuram de livre e espontânea vontade". Apesar disso, a matéria em questão teria atingido "sua honra, boa fama e respeitabilidade, com o nítido objetivo de a ré angariar audiência". Estima em 370 salários mínimos, equivalente a R$ 140.600,00 quando da propositura da Ação, a justa indenização pelos danos morais suportados. Requer ainda retratação por parte da ré. Junta documentos de fls. 20/41.

Regularmente citada (fls. 90 v°), a requerida apresentou contestação a fls. 104/111. Sustenta que no programa Fantástico do dia 30/09/07 foi exibida reportagem envolvendo o paranormal Juscelino Nóbrega da Luz que teria previsto uma série de acontecimentos importantes antes de sua ocorrência, mas que, após ter falhado ao divulgar eventos que não ocorreram, passou a ter o seu crédito abalado. Assim, foi feita uma matéria investigativa envolvendo Juscelino, o qual prestava "atendimentos espirituais" na sede do Instituto Mahat de Radiestesia e Geobiologia, que seria de propriedade do ora requerente.

Em conversa entre a repórter e o autor este teria revelado que cobrava por seus serviços, que incluiriam a retirada de espíritos de residências, valores que variavam de R$ 300,00 a R$ 2.000,00. Após ver o que foi filmado, um professor de Direito Penal teria dito que o clima em que se deu a ação dos entrevistados era de "charlatanismo". Assevera que a reportagem não teria veiculado fato inverídico ou "desviado do contexto de uma rigorosa apuração junto a profissionais altamente gabaritados". Sustenta que requerida "acompanhou fatos públicos, reais e de inegável interesse social, já que autoridades são unânimes em apontar falsos videntes ou profetas como exploradores, principalmente de parcela mais humilde da população". Conclui defendendo o caráter objetivo da reportagem, que teria o ânimo de informar o público, não de prejudicar o demandante. Impugna o pedido de retratação que, a seu ver, não poderia ocorrer nesta Ação. Requer a improcedência do pedido.

Réplica a fls. 157/159.

É o relatório.

Fundamento e decido.

Passo ao julgamento do feito no estado em que se encontra por estar devidamente instruído com documentos, sendo desnecessária a produção de provas em audiências.

A tal respeito, ressalto que embora instado a justificar a oportunidade e a pertinência das provas que desejasse produzir (fls. 159), o autor requereu genericamente a produção de prova oral para "corroborar os fatos narrados na inicial" (fls. 161), o que implica o indeferimento da oitiva de testemunhas pelo desatendimento do comando judicial.

No que concerne ao requerimento das gravações obtidas pela requerida antes da edição da matéria, entendo que tal prova não influenciaria o resultado desta demanda.

O requerente pretende ver reconhecido o seu direito à reparação por danos morais em decorrência de matéria veiculada no programa Fantástico da Rede Globo.

Logo, a questão tratada nos autos restringe-se ao que foi dado conhecimento seja ao público, seja à própria parte, sendo irrelevante para aferição de eventual direito à indenização daquilo que permaneceu e permanece de ciência exclusiva dos envolvidos.

Passo à análise do mérito.

Como já foi referido, deve haver a análise detida da reportagem em questão, para que se verifique se o conteúdo da matéria extrapola o direito/dever de a emissora de televisão informar o público, redundando em ofensa ilícita ao autor.

A reportagem tem como foco principal a análise de algumas profecias feitas por Juscelino Nóbrega da Luz.

Juscelino teria previsto acontecimentos importantes como o acidente com o avião da TAM em julho de 2007 em Congonhas, sendo que este teria comprovado seu dom no caso ao enviar uma carta para a companhia aérea tempos antes do evento trágico (9 meses mais precisamente, sendo o documento datado de 23/10/06 - CD - 0:55').

Juscelino também teria tido uma visão sobre o ataque às Torres Gêmeas do WTC de Nova York e ajudado a desvendar o esconderijo onde Sadam Hussein foi encontrado, fato este que inclusive fundamentaria uma Ação promovida pelo vidente em face do governo dos EUA pleiteando uma indenização de 25 milhões de dólares (CD - 1:10´- 1:50´).

A notoriedade que tais feitos deram a Juscelino acabaram por fazer com que um número cada vez maior de pessoas passasse a acreditar no que este diz, o que levou a reportagem da ré a analisar os documentos mostrados pelo vidente como atestados de seus poderes paranormais.

A matéria ouviu peritos grafotécnicos que examinaram as cartas que Juscelino ostenta como provas de suas habilidades.

O perito Orlando Gonzáles Garcia assevera que os documentos analisados têm diversos carimbos em seu corpo, o que acaba levando incautos a erro (CD - 2:30').

Em uma carta que teria sido enviada em 2004 à então Prefeita Marta Suplicy, Juscelino teria alertado à autoridade sobre uma cratera que atingiria o metrô de São Paulo. Todavia, a matéria identifica que embora a data da carta fosse de 2004, o carimbo de reconhecimento de firma nela presente seria de 2007, dias após o acidente (CD - 3:00´)

Maria Regina Hellmeister Garcia, também perita, afirma, quando da análise de uma das cartas, que havia indícios de que parte do texto teria sido incluída na missiva após seu registro em cartório (CD - 4:00´), o que inclusive daria ao documento traços de falsificação grosseira, segundo o primeiro expert consultado (CD - 4:10´).

A matéria segue informando que nenhuma das pessoas para quem Juscelino escreveu e que foram ouvidas disse ter se lembrado do aviso do vidente antes de experimentar os acontecimentos que em tese teriam sido previstos pelo estudioso (CD - 4:30' - 4:50´).

Uma delas, Ana Maria Braga, até mesmo conversou com Juscelino em seu programa de TV, contrariando o entrevistado acerca de um alerta que o vidente escreve em livro que teria feio à apresentadora acerca de problemas de saúde (5:00´).

A reportagem expõe que Juscelino teria errado premunições relevantes, como a que disse que Geraldo Alckmin seria eleito presidente e a que afirmou que o Papa Bento XVI sofreria um atentado em 2006 (5:20').

Ouvido, Juscelino admitiu que não era Deus e que não acertava sempre (5:30´).

Na seqüência, a matéria divulga que Juscelino oferece atendimentos no instituto Mahat de Radiestesia e Geobiologia (5:35`), sendo que cobraria por tais serviços R$ 25,00 por 15 minutos de consulta, o que, segundo o vidente, corresponderia a uma doação.

Uma repórter, sem se identificar, afirma que tem problemas com seu filho para verificar se Juscelino de fato teria como prever que na verdade estaria sendo testado em seus poderes (5:50´).

Contudo, o vidente não só não adivinha que a cliente não teria filho, como assevera, sem hesitar, que a situação que lhe foi relatada se deve às más companhias do rapaz que não existe (6:00´).

Após ouvir o diagnóstico dado por Juscelino, Jaime Roitman, psicólogo, questionou a formação do profeta para prestar esse tipo de atendimento, encaminhando a vida das pessoas, e, ainda mais, cobrando por isso (6:25´).

No caso da repórter que se passou por cliente, Juscelino acrescentou que a sua casa teria energia ruim, o que demandaria que ela, para não destruir sua vida, mudasse ou fizesse uma "limpeza" (7:00´).

Só nesse momento da matéria é que o nome do autor desta Ação, João Oreste Cafarelli, é mencionado (7:15´).

João é apontado como sendo a pessoa capaz de realizar o trabalho de que a suposta cliente necessita para resolver seu "problema sério" (7:18´).

O requerente afirma que pode fazer a tal limpeza na residência da repórter, o que significaria tirar do local espíritos que estariam nele habitando.

Todavia, diversamente do que o autor sustenta em sua petição inicial, tal atividade não consiste em uma ajuda de livre e espontânea vontade (item 7 de fls. 4), mas sim em um serviço com preço definido: consulta R$ 300,00, limpeza R$ 2.000,00 (7:42´), sendo que se tiver que tirar algum espírito o valor é acrescido de mais R$ 1.000,00 (7:55`).

O autor aceita dividir o valor em quatro vezes (8:04´)

Após o registro desta cobrança, a reportagem ouviu o professor de Direito Penal Carlos Fernando Maggiolo, o qual deu seu parecer sobre o que viu das consultas prestadas por Juscelino Luz e João Cafarelli: "pelo que eu vi aqui, nitidamente o crime de charlatanismo, que a pena é de 3 meses a um ano de detenção"(8:15´).

Finalizando, a matéria veicula que Juscelino teria um mês antes da reportagem causado medo na cidade de Criciúma (Santa Catarina) ao prever um desastre que atingiria o local em 2008 (8:25´).

Com relação ao fato, o próprio Prefeito da cidade, Anderlei Antonelli, foi ouvido, dizendo que se tratava de uma "brincadeira de mau gosto" e de uma "total irresponsabilidade", sendo que "infelizmente há pessoas acreditam nesses falsos videntes que na verdade são grandes exploradores" (8:45´).

A reportagem conclui que Juscelino está sendo investigado pela Polícia Federal pela falsificação de documentos do gabinete da Presidência da República para forjar suas profecias, sendo que ao que tudo indica, se depender das autoridades, as previsões para o vidente não são boas (9:00´).

Neste contexto, verifica-se que a matéria apurou fatos com objetividade, mostrando dados concretos, ouvindo os envolvidos e especialistas em diversas áreas, não fazendo, ela, Juízo pejorativo seja de Juscelino seja de João.

Ademais, o que restou incontroverso nos autos é que o requerente cobra por seus serviços de limpeza espiritual, os quais oferece a uma pessoa que lhe foi encaminhada por Juscelino, que a diagnosticou com problemas que a "paciente" de fato não possuía.

Dessa forma, pelo menos no que concerne à repórter que se submeteu à consulta com Juscelino, pode-se dizer que o profeta não teve qualquer visão sobre o seu passado ou futuro, tanto que suas habilidades não permitiram que o vidente descobrisse que tudo não passava de um teste.

Contudo, Juscelino não só não admitiu que não conseguia saber o que se passava na vida da suposta cliente, como diagnosticou problemas inexistentes, deu conselhos para saná-los e ainda a encaminhou para ser atendida pelo autor desta demanda.

João, profissional da área de holística, prestou consulta pela qual cobrou R$ 300,00 e prescreveu, dada a situação que lhe foi posta, um serviço que custaria à repórter de R$ 2.000,00 a R$ 3.000,00 reais.

Esses são os dados constantes na reportagem que o requerente sustenta que lhe causou danos morais por ofensa a sua honra.

Se por um lado não se pode dizer peremptoriamente que João ou Juscelino não tenham qualquer habilidade extrapole as faculdades de pessoas comuns, por outro é certo que existem elementos concretos no sentido de que os supostos poderes que eles alegam ostentar possam ser questionados.

E é exatamente isso que é retratado na matéria sob exame, sem que tenha havido qualquer "sensacionalismo" como alegado pelo demandante, sendo que a agravante consiste na cobrança pelos serviços por estes oferecidos.

Tal fato, incontroverso, é mostrado ao público, o qual passou a ser alertado da possibilidade de pagar por um serviço cuja utilidade não é comprovada, inclusive com base em uma consulta em específico (a da repórter), com relação a qual se pode dizer que nada de verdadeiro foi previsto ou resolvido seja por Juscelino, seja por João.

Por tais razões, verifica-se que a reportagem cumpriu um papel importante, qual seja, o de informar a população de riscos em se submeter a tratamentos do tipo oferecido pelo autor e Juscelino, expondo fatos que lhes são contrários, sem, contudo, emitir conceitos subjetivos sobre os profissionais.

Anoto que, pelo que foi divulgado na matéria, o parecer dado pelo Professor de Direito Penal ouvido foi no exercício de sua liberdade de expressão, não tendo se dirigido ao ataque da honra e boa fama do autor, mas sim à ilustração de um possível tipo penal em que possam incidir João e Juscelino caso cabalmente demonstrado, na Justiça, a prática do crime de charlatanismo pelos envolvidos (art. 283 do Código Penal).

No mesmo sentido do que ora é decidido, confira-se o seguinte julgamento em que foi apreciado um caso análogo:

"Ag 934357 . Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI. Data da Publicação 25/10/2007 . Decisão AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 934.357 - SP (2007/0168960-9) Processual civil. Agravo de instrumento. Ação de compensação por danos morais. Prequestionamento. Ausência. Reexame fático-probatório. Inadmissibilidade(...). Sentença: julgou improcedente o pedido. Acórdão: negou provimento ao apelo do agravante, nos termos da seguinte ementa: "RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL - PROGRAMA TELEVISIVO DE CUNHO JORNALÍSTICO-INVESTIGATIVO - DIVULGAÇÃO DA IMAGEM DO AUTOR RELACIONADA AOS FATOS NOTICIADOS - INOCORRÊNCIA DE DANO MORAL E DE PROVA DO EFETIVO PREJUÍZO - DIVULGAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA DE INTERESSE NACIONAL RELATIVA A FALSIFICAÇÃO DE MEDICAMENTOS - VINCULAÇÃO DA PESSOA DO AUTOR DE FORMA OBJETIVA, EM RELAÇÃO AOS FATOS DIVULGADOS, SEM JUÍZO DE VALOR - NARRATIVA DESCRITIVA DOS FATOS OBJETO DE INVESTIGAÇÃO POLICIAL - DANO À HONRA DESCARACTERIZADO - AÇÃO IMPROCEDENTE - APELO DESPROVIDO" (Fls. 122) (...) Sobre o assunto, cabe destacar os seguintes trechos do aresto recorrido: "O programa denominado ' Linha Direta', apresentado pela Rede Globo de Televisão, embora se caracterize por seu tom sensacionalista (circunstância que, a meu sentir, revela-se irrelevante para o deslinde da presente querela), veicula reportagens que se pretende sejam investigativas e elucidativas acerca de fatos criminosos que possam merecer destaque. Da degravação, que se vê a fls. 182/198, da fita de vídeo juntada a fl. 82, pode-se extrair a conclusão de que a matéria veiculada, de cunho jornalístico-investigativo, não extrapolou seu objetivo de levar ao conhecimento do público fato de extrema gravidade, objetivamente considerado, relativo à noticiada falsidade de medicamentos. A imagem do autor, divulgada sem que a ela se associasse qualquer juízo de valor, no citado programa, o foi também objetivamente, de forma referida, por declaração de terceiros, como sendo contato dentro da indústria farmacêutica, dada sua condição de funcionário à época da ocorrência dos fatos." (Fls. 123/124)

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE, nos termos do inciso I do art. 269 do CPC, a Ação proposta por João Oreste Cafarelli em face da Rede Globo de Televisão, por não ter sido comprovado qualquer dano moral suportado pelo requerente em decorrência da matéria examinada nos autos, a qual tratou fatos de forma objetiva, não fazendo juízos subjetivos seja com relação ao envolvido, seja com à atividade por este desenvolvida.

Sucumbente, condeno o autor ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como de honorários advocatícios que fixo em 10% do valor dado à causa.

P.R.I.C.

São Paulo, 22 de janeiro de 2010.


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