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TJ garante a adventistas regime especial para aulas

TJGO - 30 de maio de 2008 - 08:52

Com base na liberdade de crença religiosa e no acesso à educação, direitos norteadores do princípio da dignidade da pessoa humana, previstos na Constituição Federal, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) seguiu voto do desembargador Felipe Batista Cordeiro e garantiu a três membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia o direito de não frequentar as aulas dos seus cursos superiores às sextas-feiras à noite e aos sábados pela manhã. O relator deixou claro, em seu voto, que a universidade deve aplicar atividades alternativas complementares para suprir a ausência dos alunos nesses dias. Mirian das Graças da Silva, Adriene Trindade Alves e Daniel Santos são alunos dos cursos de Letras e Pedagogia da Universidade Estadual de Goiás (UEG) - Unidade de Pires do Rio - e vieram à Justiça após tentar um acordo frustrado com a instituição para que fossem disponibilizadas alternativas com relação as aulas ministradas nos referidos dias, inclusive com a possibilidade de cursar as disciplinas paralelamente. No entanto, o juízo singular também negou o mandado de segurança impetrado pelos estudantes ao argumento de que os horários e dias das aulas estavam previstos no edital do processo seletivo, além de que a concessão da segurança configuraria tratamento discriminatório, em razão de religião, afrontando o regimento interno da universidade.

Ao examinar os autos, Felipe Cordeiro fez uma ampla exposição sobre a importância dos direitos fundamentais do ser humano, cujo caráter é universal. Ele lembrou que o princípio da dignidade da pessoa humana é pautado na viabilização de uma vida digna, na liberdade e na igualdade substancial entre os homens. "É na esteira desse caráter cada vez mais protetivo que o dogma de garantia e de amparo aos direitos fundamentais vem evoluindo ao longo dos séculos. Tais direitos possuem magnitude que lhe permitem extravasar e transcender ordens jurídicas, sendo comuns em diversos países, ao menos naqueles regidos pela democracia", destacou

Para o magistrado, a tendência internacional com relação à liberdade religiosa está diretamente ligada à categoria do direito fundamental, previsto na Constituição Federal brasileira. A seu ver, é na tentativa de se obter maior tolerância religiosa, a fim de se evitar ou ao menos amenizar conflitos de tal natureza, que se nota a clara evolução do pensamento, sobretudo nos Estados Democráticos de Direito, sobre a necessidade de se garantir a liberdade religiosa. "Configura direito fundamental o fato de que toda pessoa não deve ser obrigada a agir contra a própria consciência e os princípios religiosos que adotou para si. Atualmente no Brasil, no mesmo sentido do que ocorre nos países democráticos e livres, é assegurado a qualquer pessoa manifestar sua crença, descrença, participar de culto ou relacionar-se com uma ou mais religiões. Inclusive é direito fundamental não possuir religião ou crença, ou seja, qualquer pessoa é livre para acreditar ou não, cultuar ou não, a divindade que quiser, de forma que a ausência de crença religiosa também deve ser respeitada. É nesse sentido que se tem visto, ao longo dos anos, no cenário internacional uma preocupação em proteger esse direito, uma vez que ele está previsto na célebre Declaração dos Direitos Humanos", afirmou.

Na opinião do relator, o direito à liberdade religiosa não pode estar dissociado do exercício dos demais direitos inerentes ao ser humano, como a educação. "Diante dessa situação não fica difícil imaginar que os impetrantes chegarão ao ponto em que terão que optar entre os estudos ou sua crença religiosa, o que é inadmissível numa democracia. É importante lembrar que tal mandamento religioso não impede de forma absoluta a frequência dos alunos às aulas, apenas limita-se a certos períodos", asseverou. A universidade, de acordo com ele, consagra a idéia da busca pelo conhecimento, de modo a propiciar a evolução de uma sociedade que só será alcançada com ampla discussão sobre as mais diversas matérias buscando sempre a a harmonização, compreensão das diferentes culturas e costumes e rompimentos com preconceitos e discriminações. "Detendo-se numa concepção primária do termo universidade, mas irrepreensível para o seu melhor entendimento, tem-se que se trata de um local destinado ao progresso geral do saber por meio de uma constante e frequente troca de idéias e interação de culturas na busca por uma universalidade de conhecimentos. Restringir o direito de alguém, sobretudo por questões religiosas, de ter efetivo acesso ao ensino e poder se inserir no referido contexto é contrariar a própria idéia fundamental da universidade", salientou.


Alegações


No recurso, os apelantes sustentaram que são membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia e que, de acordo com os mandamentos bíblicos que seguem, tem de se dedicar exclusivamente às atividades espirituais durante o período que vai do pôr do sol das sextas-feiras ao dos sábados. Relataram ainda que estão sofrendo prejuízos sérios em relação às disciplinas ministradas nos dias mencionados, uma vez que não podem comparecer às aulas. Ao argumentar que possuem boas notas e são dedicados, sendo reprovados apenas pelo número de faltas, os estudantes ressaltaram a tentativa de resolver a questão administrativamente, por meios alternativos, para suprir suas faltas nesses períodos, mas não obtiveram êxito. As condutas da universidade de tentar impedi-los de fazer as últimas provas, frequentar as aulas e rejeitar formas paliativas de avaliação, de acordo com eles, fere seus direitos líquidos e certos garantidos constitucionalmente.

No entanto, ao rebater as alegações dos impetrantes, a UEG salientou que eles não tiveram a liberdade de crença religiosa violada e que a instituição sempre tratou todos os alunos igualmente, sem distinção de religião. Segundo a universidade, o edital do processo seletivo, levado ao conhecimento dos impetrantes quando prestaram vestibular, estabelecia que haveria aula nas sextas-feiras à noite e nos sábados pela manhã. Explicou que adotar uma medida alternativa de substituição das aulas poderia acarretar-lhe grandes prejuízos, inclusive com danos à coletividade, pois não possui condições financeiras para tanto. "O ensino é obrigatório somente no primeiro grau, já a matrícula em ensino superior é da vontade espontânea dos interessados", frisou.



Ementa

A ementa recebeu a seguinte redação: "Apelação Cível em Mandado de Segurança. Universidade Estadual. Adventistas do Sétimo Dia. Ausência de Aulas por Motivo de Crença Religiosa. Direitos Fundamentais. Concretização. Máxima Eficácia. Ponderação de Interesses. Imposição de Atividades Alternativas/Complementares. Possibilidade. 1 - A liberdade de crença religiosa e o acesso à educação são direitos fundamentais diretamente concretizadores do princípio basilar da dignidade da pessoa humana, de forma que devem ser respeitados, sobretudo quando seu exercício não impede, tampouco prejudica direitos alheios, sejam individuais ou de uma coletividade. 2 - O direito à igualdade deve ser valorado, precipuamente, na sua dimensão substancial, o que pressupõe diferenciação, de forma que conceder tratamento desigual, guardando-se, sempre, a razoabilidade e a proporcionalidade, àqueles que se encontram em situação de desigualdade satisfaz, sim, o princípio da isonomia. 3 - O princípio da legalidade administrativa não deve ser considerado de forma estreita ao ponto de se inviabilizar a efetivação de direitos fundamentais da mais alta relevância, sob pena de estar mitigando uma das básicas funções da administração pública, que é satisfação dos anseios de seus administrados, mormente quando há meios de, justificadamente, conceder tratamentos diversos a certas pessoas com o salutar intuito de se concretizar a dignidade da pessoa humana, sem que isso implique em prejuízo à coletividade. 4 - Havendo conflito de bens constitucionalmente protegidos, deve-se proceder à ponderação de interesses, a fim de se extrair a máxima eficácia dos direitos fundamentais e de se observar a unidade da Constituição. 5 - Assim, aos membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia, que, por motivo de crença religiosa, não podem frequentar as aulas em certos dias/períodos, deve-se conceder tratamento diferenciado, aplicando-lhes atividades alternativas que supram tais ausências, efetivando-se, assim, os direitos fundamentais à educação, à liberdade de crença religiosa e à igualdade substancial e, numa concepção mais ampla, concretizando-se o princípio da dignidade da pessoa humana. 6- Recurso de apelação conhecido e provido". Apelação Cível em Mandado de Segurança nº 119734-8/189 (200705227515), de Pires do Rio. Acórdão do dia 13 de maio de 2008. (Myrelle Motta)

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