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Terapias genéticas trazem esperança para cânceres sem tratamento

EPharma News - 19 de julho de 2017 - 14:30

 Em 2012, a menina americana Emily Whitehead, então com 6 anos, estava à beira da morte. Sofrendo com um tipo de leucemia particularmente agressivo, recorrente e refratário aos tratamentos convencionais, sua última esperança era uma terapia genética experimental em desenvolvimento por pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, nos EUA. Nela, os cientistas usam uma técnica chamada CAR-T (sigla em inglês para “receptor de antígeno quimérico de células T”) para introduzir um anticorpo em células de defesa do organismo do próprio paciente, as mencionadas células T de seu nome, para que reconheçam, e ataquem, as células cancerosas. Tratada com as células modificadas, Emily, hoje com 12 anos, está livre da doença.

O sucesso do caso de Emily e de 52 pacientes levou um painel de dez especialistas a recomendar por unanimidade à Administração de Alimentos e Drogas dos EUA (FDA) a aprovação do tratamento na semana passada, o que faria dessa a primeira terapia genética a ter o aval do órgão regulador americano. No total, 63 jovens pacientes vítimas de leucemia linfoblástica aguda recorrente/refratária das células B (outro tipo de célula do sistema imunológico que tem em sua superfície uma proteína chamada CD19, alvo da alteração com a técnica CAR-T) foram inscritos no teste clínico no qual receberam o tratamento dado a Emily — agora nas mãos da gigante farmacêutica Novartis e rebatizado tisagenlecleucel (CTL019).

— A recomendação unânime do painel em favor do CTL019 nos leva mais perto de potencialmente entregarmos a primeira terapia celular aprovada para uso comercial a pacientes em necessidade — comemorou Bruno Strigini, presidente da divisão de oncologia da Novartis, em um comunicado. — Estamos muito orgulhosos de expandir as novas fronteiras do tratamento do câncer ao avançarmos na terapia imunocelular para crianças e jovens adultos com leucemia linfoblástica aguda recorrente/refratária das células B e outros pacientes em estado crítico que têm opções limitadas. Esperamos trabalhar com a FDA à medida que eles completam sua revisão (do novo tratamento).

Opção também para tumores sólidos

Mas a terapia que salvou Emily e os outros jovens não é a única a usar a técnica CAR-T, nem este tipo de câncer o único que está na mira dos pesquisadores. Diversos grupos de cientistas, na própria Novartis e em outras instituições, inclusive no Brasil, estão desenvolvendo alternativas de tratamentos usando o método tanto para outras leucemias quanto para os chamados “tumores sólidos”, como nos cânceres de mama, próstata, pulmão e cérebro, entre outros.

Ainda esta semana, por exemplo, cientistas do Centro de Pesquisas do Câncer Fred Hutchinson, nos EUA, relataram que 70% dos pacientes atingidos pelo tipo mais comum de leucemia em adultos viram sua doença regredir ou desparecer em outro experimento após receberem infusão de células T alteradas para reconhecer e atacar a proteína CD19, encontrada na superfície das células B. E, no mês passado, a empresa de biotecnologia Celyad anunciou resultados de testes pré-clínicos de outra linhagem destas células modificadas, chamada CAR-T NKR-2, que mostrou sucesso no combate aos cânceres de bexiga, colorretal, pâncreas, mamas e ovários, além de dois outros tipos de leucemia para os quais tinham sido inicialmente experimentadas.

— Os resultados ainda são muito incipientes, mas com certeza vão surgir mais tratamentos cada vez mais personalizados para o câncer como este, principalmente casos com prognósticos muito ruins, como os tumores de pâncreas e no cérebro, para os quais não há tratamentos específicos ou eficazes hoje e não temos mais o que fazer — considera a especialista Juliane Musacchio, médica do Grupo Oncologia D'Or.

Os especialistas lembram, no entanto, que este tipo de terapia deverá continuar a ser encarado como último recurso, já que seus efeitos colaterais podem ser muito severos. Quase todos os pacientes tratados com o tisagenlecleucel no teste clínico promovido pela Novartis, por exemplo, sofreram com a chamada síndrome de liberação de citocinas, uma reposta exagerada do sistema imunológico que provoca graves inflamações e pode levar à morte. Tanto que, dos 11 pacientes que não foram beneficiados pelo tratamento, cinco morreram, sendo que três com suspeita de ao menos alguma contribuição de reação às células modificadas.

— De fato esta técnica deve ser vista como último recurso, mas muitas vezes esta síndrome é manejável no ambiente clínico, então ainda podemos considerar a resposta ao tratamento como muito boa — pondera Juliane Musacchio.

Obstáculo para generalização do tratamento

Já Raphael Parmigiani, sócio-fundador do Idengene, laboratório de análises especializado em testes genéticos para ajudar no tratamento e prevenção de doenças, especialmente do câncer, lembra que, no caso do tisagenlecleucel, o alvo da modificação nas células T, isto é, a proteína CD19, é uma característica comum da superfície das células B, o que faz dela uma abordagem mais genérica, e simples, no ataque à doença.

— A maior parte das leucemias apresenta esta mesma alteração genética, então é possível fornecer um sistema que reconheça esta alteração para uma população mais ampla de pacientes — explica. — Assim, por mais que tenhamos que coletar células T de um por um dos pacientes, a modificação que será feita nelas é exatamente a mesma para todos, o que facilita a linha de produção. Mas, para alguns cânceres, não temos alterações tão comuns.

Juliane, por sua vez, também vê nisso um possível obstáculo para o uso mais generalizado deste tipo de tratamento:

— Temos que lembrar que o câncer não é uma doença única, mas uma população variada. Só de linfomas existem mais de 60 subtipos. Então não vai dar para generalizar. E por isso também são muito importantes as pesquisas em torno dos mecanismos por trás de cada tipo de câncer, da fisiologia da doença.

Apesar disso, tanto Juliane quanto Parmigiani veem na esperada aprovação da terapia genética pela FDA mais um importante passo rumo à medicina personalizada, em que os tratamentos são decididos ou desenvolvidos em laboratório, como as células CAR-T, segundo as necessidades e características de cada paciente e sua doença.

— Hoje já é uma realidade o levantamento genético dos tumores para identificar qual é a terapia mais adequada, sejam remédios quimioterápicos, drogas-alvo ou anticorpos monoclonais, para cada paciente — destaca Parmigiani. — Assim, é de se esperar que a médio ou longo prazo isto também chegue às técnicas de alteração de células do sistema imunológico como a CAR-T.

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