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Saiba identificar a depressão pós-parto

Click Bebê - 13 de setembro de 2016 - 09:00

O transtorno de humor após o nascimento do bebê atinge 20% das mulheres em todo o mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em países pobres, os números chegam a dobrar. No Brasil, o problema afeta uma em cada quatro mulheres, segundo um estudo da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz). Nesta entrevista com a psicanalista Vera Iaconelli, Mestre e Doutora em psicologia pela Universidade de São Paulo e diretora do Instituto Gerar de Psicologia Perinatal, você vai entender a diferença entre a tristeza pós-parto e a depressão, saber identificar o problema e as situações de risco, como se tratar e da importância do apoio familiar desde a gravidez.

O que é o “baby blues” (tristeza puerperal) e a depressão pós-parto?

“Baby blues” é um estado de tristeza que acomete até 80% das mulheres e não é uma doença. Depois do parto existe todo um remanejamento psíquico, tanto para a mulher quanto para o homem, e isso implica um tempo de elaboração dessa grande novidade, que é ter um filho. Nessa fase, a mulher necessita passar por vários lutos benignos. Quais são eles? O luto do papel de filha em detrimento do papel de mãe, de um corpo que ela tinha e agora será outro, do tempo que ela tinha em relação à carreira e à diversão e da entrada de um terceiro na relação com o marido.

Além disso, tem a idealização da maternidade, que faz supor que a mãe se apaixona imediatamente pelo bebê. Não é bem assim, ela vai se apaixonando conforme ela for cuidando do filho. Quando todos esses sentimentos se agravam e não são elaborados ou conversados, a consequência pode ser uma depressão. Outro fator é a queda brusca dos hormônios, que pode afetar o sistema nervoso central.

Como diferenciar a tristeza do transtorno?

O que distingue é a gravidade do quadro e o que ele tem de incapacitante, afetando a funcionalidade da mãe e pondo em perigo seu bem-estar e o do bebê. O “baby blues” tende a ir melhorando semana a semana, podendo durar até mais de 1 mês, já que as condições de cuidar de um bebê pioraram muito. Os pais estão sendo muito cobrados, estão isolados e cheios de cobranças irreais. Hoje, se a mãe reclamar da maternidade, vai ser queimada em praça pública. Ou seja, há uma idealização e uma expectativa equivocada em relação à maternidade. Na depressão, a tristeza e a angústia só aumentam. Já o “baby blues” tem picos de exaustão, mas há momentos de satisfação também e a tristeza desaparece espontaneamente.

Quais são as mulheres mais vulneráveis a desenvolver a depressão?

A gravidez e o pós-parto são fases de muitas realizações, mas de muito stress, de tremenda exigência psíquica, de muitas transformações, muito parecida com as transformações da adolescência. Um dos fatores de risco é se a pessoa já passou por uma depressão ou que tenha vivido uma situação de muito stress e não encontrou recursos para enfrenta-la. Nesse caso, é bom comentar com o médico já no pré-natal.

Mulheres que passaram por dificuldades de saúde durante a gravidez ou tiveram algum contratempo na saúde do bebê também correm risco. Outro motivo é não ter um apoio social. A responsabilidade da criança não é só da mãe. O recém-nascido é um cidadão brasileiro, neto de alguém, tem um pai, e vai ser um aluno. Aquela mãe que sofre por isolamento, por não ser assistida no plano social, médico, familiar ou marital, tem um risco maior de desenvolver o transtorno depressivo. Outro ponto delicado é a gestação na adolescência, porque é uma crise sobre uma crise. Isso não quer dizer que se a mulher passar por todos ou alguns desses fatores, ela vai ter uma doença. No entanto, ela, a família e o médico devem ficar de olho.

“Os pais estão sendo muito cobrados, estão isolados e cheios de cobranças irreais. Hoje, se a mãe reclamar da maternidade, vai ser queimada em praça pública”

A alta expectativa e a idealização da maternidade podem desencadear uma depressão?

Sim. A gravidez muito perfeita é esquisita, porque significa que em nenhum momento a mulher teve a oportunidade de entrar em contato com ambivalência própria da maternidade, com as transformações que ela exige, sendo assim, as dificuldades podem aparecer. Para evitar isso, ela precisa estar em contato com outras mães e prestar mais atenção a si mesma.

A mulher deprimida imagina que falhou como mãe?

Sim, ela alimenta uma certa culpa em relação à fantasia da mãe que ela achava que deveria ser. Frequentemente ela se culpa por estar triste, quando se supõe ser “obrigatório” demonstrar felicidade. Tem vergonha e muito frequentemente o entorno é nocivo. É comum ela ouvir: “Você tem um bebê lindo e saudável, mas está triste”. Existe todo um julgamento em torno dela.

Mas nessa situação, a mulher está tão fragilizada que ela não consegue nem se defender, imagino.

Isso mesmo, porque, inclusive, ela concorda com esses argumentos. Ela não entende o que está acontecendo, está confusa. Sente vergonha, faz autocrítica, muito frequentemente não tem o desejo de estar com o bebê. Em casos graves, pensa em suicídio. Além disso, existem as somatizações: não consegue comer direito, está exausta e não tem sono reparador. A privação de sono tem efeitos nefastos nas pessoas, por isso uma mãe deveria jamais cuidar do bebê sozinha. É muito importante saber que essa relação mãe-bebê, na qual a mulher está, na maioria das vezes, sozinha, só existe na cultura ocidental contemporânea. Todas as culturas cuidaram muito das suas parturientes, porque era uma condição até de sobrevivência da espécie. Uma mãe africana mais tradicional, por exemplo, praticamente não cuida do filho. Quem toma conta é a avó, porque a mãe precisa de cuidados. Só que a gente vive o oposto extremo, é um disparate total.

E o impacto na carreira? Se a mulher tiver noção que com a chegada do bebê vai precisar desacelerar um pouco, a situação fica um pouco mais suportável?

Não, isso não acontece na prática. Não dá, simplesmente, para eliminar a expectativa. A pessoa vai viver o que ela tiver de viver, são perdas inevitáveis. O que é possível é criar condições melhores em volta daquele indivíduo. Na medida em que a mulher começa a conversar sobre isso com outras pessoas, para que ela possa identificar algumas coisas mais rapidamente, a angústia diminui. Ou falar sobre coisas que são tabu, reconhecer limitações, compartilhar sentimentos e procurar ajuda. Essas são as melhores coisas para evitar ou minimizar uma depressão.

Um pré-natal bem feito e o apoio da família ajudam muito também?

Sim, a atenção deve ser desde a gravidez. A gente usa a expressão depressão pós-parto erroneamente. Eu uso depressões na perinatalidade, porque envolve a mãe, o pai e o bebê. Há uma alta incidência de depressão desde a gestação. E muitas perguntam se a depressão tem origem hormonal. Cada mulher vai ter uma descarga hormonal de um jeito. As mulheres que já sofriam com TPMs fortes e com características depressivas, o fator hormonal pode ser um desencadeador da doença. Mas não é só isso, pois mesmo o pai e a mulher que nunca gerou uma criança também podem sofrer de depressão. O hormônio não é um fator determinante e nem o único.

Pela sua experiência, as mulheres demoram para perceber o problema?

Sim, demoram inclusive para admitir e para mensurar o tamanho do sofrimento. Muitas vezes elas minimizam, escondem delas ou dos outros. É bom ficar atenta aos sintomas que são: irritabilidade, mudanças bruscas de humor, indisposição, doenças psicossomáticas, tristeza profunda, desinteresse pelas atividades do dia a dia, sensação de incapacidade de cuidar do bebê e desinteresse por ele, chegando ao extremo de pensamentos suicidas e homicidas em relação ao bebê. Outras podem desenvolver comportamentos obsessivos em relação à criança, como protegê-la demais ou verificar a cada instante se ela está respirando.

O tratamento sempre envolve medicação?

Não necessariamente, cada caso é um caso. Os estudos mostram que a depressão tem que ser tratada, tanto com psicoterapia quanto com medicação. Mas nem toda depressão vai ser tratada com remédio. Agora, uma avaliação psiquiátrica é bem-vinda. No entanto, a medicação só trata o sintoma, não a depressão. O que cura é a psicoterapia.

E o bebê sente de que forma?

No começo, o bebê é absolutamente carente dos recursos ambientais, afetivos e psíquicos. Se a família está adoecida, ele vai ser uma criança com menos vitalidade, mas isso não quer dizer que não vá recuperar depois. O único jeito de tratar o bebê é cuidar dos pais. Na minha consulta, eu atendo quem vier: a mãe, o pai, avó, o bebê. Em alguns casos, o pai ou a mãe são tratados separadamente. O foco é ajudar os que cuidam para refletir os efeitos positivos no bebê.

“O bebê é como um girassol, ele procura luz”

Como minimizar essa fase difícil para o bebê?

O bebê tem muitos recursos para lidar com essa situação. Se o pai estiver em condições, ele deve assumir a função de cuidar. O pai não pode? Recorra à avó ou a alguém que possa dar carinho. Não pode privar o bebê de outros contatos vitais, achando que ele tem que ficar só com a mãe. O bebê é como um girassol, ele procura luz. Onde tiver, ele vai. E a mãe pode conversar e falar com seu recém-nascido: “A mamãe não está bem e isso não diz respeito a você. Você será bem cuidado pelo papai, pela vovó” (ou quem quer que seja e que tenha real disponibilidade em fazê-lo). Se a mãe for bem cuidada e passar por tratamento, ela vai encontrar prazer em cuidar do seu filho ou vai encontrar alguém que tenha.

Fonte: Vera Iaconelli, psicanalista e diretora do Instituto Gerar de Psicologia Perinatal. Mestre e Doutora em psicologia pela Universidade de São Paulo e autora do livro “Mal-estar na maternidade: do infanticídio à função materna” (Editora Annablume)

(CRP 35751)

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