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Rótulo deve garantir informação necessária a uma alimentação adequada

Campo Grande News - 05 de novembro de 2018 - 06:40

A alimentação adequada e saudável é um direito fundamental do ser humano, cujo instrumento básico de garantia no Brasil é a Lei 11.346/2006, que instituiu o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). Trata-se de direito inerente à dignidade da pessoa humana, que apresenta duas dimensões: estar livre da fome e ter acesso regular e permanente a alimentos de qualidade. Para tanto, impõem-se práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, econômica e socialmente sustentáveis. Nesse contexto, cabe ao Estado respeitar o gozo efetivo desse direito, observando o princípio do não retrocesso social; proteger, impedindo que terceiros interfiram no gozo do direito ou o violem; promover, criando condições para a efetividade do direito; e proveralimentos a quem não possa obtê-los.

Uma das condições de realização do direito à alimentação adequada é a informação ao consumidor, permitindo que ele saiba o que come. A rotulagem nutricional é o instrumento recomendado para esse fim, conforme a recomendação da Estratégia Global sobre Alimentação, Atividade Física e Saúde, preocupada em reduzir o impacto das doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs).

A informação adequada e clara sobre produtos e serviços, com especificações corretas de características, composição e qualidade é um direito básico do consumidor (artigo 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor), incidente diretamente na questão alimentar e nutricional. A legislação brasileira específica, porém, atualmente não assegura essa informação, como é da experiência comum dos consumidores que procuram saber a composição dos alimentos industrializados pela leitura das complicadas tabelas nutricionais estampadas nos rótulos.

Com a finalidade de melhorar a informação, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vem conduzindo o processo administrativo que visa a uma nova regulação da matéria. Uma das etapas do processo foi a Tomada Pública de Subsídios, que contou com 3.579 participações de entidades e pessoas físicas. Desse total, 63% eram consumidores, o que demonstra o interesse geral — interesse manifestado inclusive do exterior, pois registraram-se 101 comentários originários de 27 países. Os participantes ofereceram 33 mil contribuições. A análise dos resultados da TPS servirá de base para o Relatório de Impacto Regulatório, que irá subsidiar a futura regulação.

Uma amostragem preliminar da TPS indicou que o modelo preferencial de rotulagem é o de advertência frontal. Esse modelo foi desenvolvido no Chile e é constituído por selos colocados na parte frontal do rótulo dos alimentos processados e ultraprocessados, indicando teores excessivos de açúcares, sal, gorduras totais e saturadas. Na lei chilena, alimentos que incidam em mais de uma advertência frontal não podem fazer publicidade. O modelo concorrente é o britânico, que transmite alertas com as cores do semáforo. Pesquisas indicam que esse modelo pode confundir o consumidor, na medida em que um mesmo alimento pode exibir sinalização verde, porque não contém excesso de um elemento potencialmente nocivo, ao mesmo tempo em que apresenta sinal vermelho para outro.

Que ninguém se iluda, porém: trata-se de uma luta política. Vejam-se três indícios sintomáticos: 1) a indústria alimentícia, que inicialmente era contrária à mudança da legislação atual, ante a inexorabilidade da mudança, acabou aderindo ao modelo semafórico. Ao final do período da TPS, pediu prorrogação do prazo de 60 dias para coleta das contribuições públicas, sob a peculiar alegação de que a Copa do Mundo e a greve dos caminhoneiros prejudicaram sua manifestação tempestiva; b) incentivos fiscais a produtores de insumos de refrigerantes, que haviam sido cortados como forma de financiar a redução dos fretes na greve dos caminheiros, acabaram sendo restabelecidos no Senado às vésperas da campanha eleitoral; c) recentemente, em declarações à imprensa, o novo presidente da Anvisa manifestou-se favoravelmente ao modelo semafórico, contrariando o relatório preliminar da TPS, produzido pela própria agência.

Na trincheira oposta, lutando por uma regulação eficiente, encontram-se entidades representativas da sociedade civil reunidas na Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, constituída por 40 entidades, e liderada por organizações consolidadas e respeitáveis, como o Idec e a ACT Promoção da Saúde. Em colaboração com a Universidade Federal do Paraná, o Idec apresentou um modelo similar ao chileno, que foi levado à Anvisa como sugestão. Registre-se que a academia está engajada com pesquisas de qualidade em matéria nutricional, do que é exemplo o Núcleo de Pesquisa de Nutrição em Produção de Refeições (Nuppre), da Universidade Federal de Santa Catarina, com importante pesquisa sobre a percepção dos consumidores sobre as informações nutricionais contidas nos rótulos.

Em 30 de agosto deste ano, o Uruguai tornou-se o primeiro país do Mercosul e o terceiro das Américas a implantar o modelo de advertência frontal. Enquanto isso, a pauta da alimentação saudável é negligenciada na plataforma da maioria dos candidatos à Presidência da República.

*Artigo de Adalberto Pasqualotto, professor de Direito do Consumidor na PUCRS e ex-presidente do Brasilcon – Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor para a Revista Consultor Jurídico.

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