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Rosildo Barcellos - Ei, deixa eu viver melhor ?

Prof. Rosildo Barcellos - 28 de novembro de 2006 - 06:41

O mister de construir um mundo melhor não pode partir de escombros, a Terra já não existiria, começar do zero não é opção. Qualquer atitude, que não a de participar da construção desse mundo melhor, não é uma opção, ou melhor será se optar pela complacência com a agressão e descaso com nossa própria existência e com o nome que seus pais lhe deixaram.
Momentos vividos em nosso cotidiano podem se tornar lembranças eternas, com reflexos positivos ou negativos. O bullying, agressão moral entre iguais, é apenas um tipo de violência . Outro tipo de violência pode resultar em morte ou deixar marcas, que são levadas para toda a vida é o suicídio. A morte não é contrário da vida, e sim sua a conseqüência
Para esclarecer melhor lembro que a palavra suicídio (etimologicamente sui = si mesmo; -caedes = ação de matar) foi utilizada pela primeira vez por Desfontaines, em 1737 e significa morte intencional auto-inflingida, isto é, quando a pessoa, por desejo de escapar de uma situação de sofrimento intenso, decide tirar sua própria vida
Pra mim o suicídio é a conseqüência de uma perturbação psíquica. A tensão nervosa que envolve, e culmina nos conflitos intrapsíquicos de gravidade acentuada, transtorna a tal ponto que a morte torna-se único refúgio e a inevitável solução dos problemas.
Inconscientemente, o suicida tenta depositar a culpa de sua morte nos outros indivíduos que compõem seu ambiente social, principalmente nos familiares. Neste caso o suicídio funciona como um \'\'castigo\'\'. É como revidar uma agressão do ambiente que o envolve.Muitas vezes escrevem cartas dizendo “agora você vai se lembrar de mim o resto de sua vida”
Historicamente na civilização romana a morte não era significativa, importante era a forma de morrer: com dignidade e no momento certo. Para os primeiros cristãos, a morte equivalia à libertação, pois a doutrina pregava que a vida era um \"vale de lágrimas e pecados\". Nesse momento a morte surgia como um atalho ao paraíso.
Nos séculos V e VI, nos Concílios de Orleans, Braga e Toledo, proibiram as honras fúnebres aos suicidas, e determinaram que mesmo aquele que não tivesse obtido sucesso em uma tentativa deveria ser excomungado. Assim o suicídio passou a ser considerado um crime que poderia implicar na condenação à morte dos que fracassavam. Os familiares dos suicidas eram deserdados e vilipendiados enfrentando os preconceitos sociais. Apenas na Renascença a humanidade dos suicidas foi reconhecida, o romantismo desse período forjou em torno do tema uma determinada áurea de respeitabilidade.
Em outras culturas, como a dos japoneses, o suicídio é muitas vezes considerado um ato de bravura, como quando os kamikazes direcionaram seus aviões-bomba aos contratorpedeiros americanos em Pearl Harbor, ou um jovem adolescente que se suicida por não ter passado no vestibular acreditando ter desonrado o nome e a tradição da sua família, postura essa adotada pela supervalorização da chamada honra que é, como sabemos, filha dileta do orgulho.
Pra quem acredita ou é simpatizante do espiritismo o ser diante da certeza das vidas sucessivas, entende que o Homem não tem mais o direito de cogitar sobre o impossível, o irreversível, o inatingível. O melhor sempre está por vir. As dificuldades instruem e passam, as virtudes se consolidam e ficam.
Quando buscamos uma solução bíblica encontramos \"nenhum homicida tem permanecente nele a vida eterna\" (1 João 3.15). Evidentemente, Deus pode perdoar a um homicida que se arrepende de seu pecado de haver tirado a vida de alguém, mas como alguém pode se arrepender se morrer no próprio ato de tirar uma vida? Quando saimos desta vida teremos tempo para arrependimento ? Você acha que seria uma solução? Não, de modo algum, seria apenas arrumar um problema sem solução: uma eternidade de dor e sofrimento
Quando se fala em prevenção merece o destaque o trabalho do CVV que tem em suas fileiras obstinados pela vida e pelo amor e atende a todos que buscarem serem ouvidos. Para quem imagina ser famoso após seu ato, é claro, tivemos casos conhecidos de suicídio como por exemplo Getúlio Vargas que na madrugada de 24 de agosto de 1954, cometeu o suicídio com um tiro no coração, mas antes desse ato, escreveu uma carta na qual apresentava os motivos de sua atitude:
\"Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se novamente e se desencadeiam sobre mim.
Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto”.
Encontramos um exemplo mais próximo o então presidente da Fundação para Conservação da Natureza de Mato Grosso do Sul (Fuconams), Francisco Anselmo Gomes de Barros, o Francelmo. Urge ressaltar que não vejo sentido em julgar ou interpretar o ocorrido com Francelmo, Getúlio ou qualquer outro que tenha passado por essa situação em termos pessoais, psicológicos ou emocionais. O suicídio, qualquer suicídio, é como um momento de singularidade impenetrável. Mesmo quem conhece o suicida se vê engolfado por uma nuvem de absurdo, comparável talvez, unicamente, àquela que sufocou o sujeito e o precipitou no abismo. Não há o que explicar nem o que entender com o nosso simples conhecimento mortal.
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Acontece que a imolação de Francelmo foi um ato político, assim projetado por ele. Convida ao debate, e não apenas do alvo visado , mas igualmente do cálculo e da estratégia empregados
Assim foi com Valter Noleto, essa semana outra vítima das opressões de seu próprio ser. Entre apoiar o errado ou aceitar as pressões das dívidas, da sociedade como um todo decidiu pela desistência da luta. Uns dizem ser a positivação máxima da vontade humana outros que é a destruição arbitrária e premeditada que o homem faz da sua natureza animal .
Definições teóricas se alternam, se complementam, se contradizem: as reticências, ou mesmo um ponto de interrogação, permanecem em desafio a uma resposta definitiva e exata. Não há uma única resposta porque o caminho do suicídio é o da ambigüidade. Nele vida e morte se encontram, se complementam, se contradizem, repetindo este movimento infinitamente como as definições do próprio termo em torno de ódio e amor, coragem e covardia.
Não quero aqui conceituar o suicídio ... deixo isso para os doutores e mestres da psicologia; que tão bem sabem faze-lo; mas quero contribuir para os leitores que estão em volta de alguém com um problema que pra ele ou ela é grande, incalculável e que se deprime, se anula como pessoa e que pode desenvolver um quadro de tentativa de suicídio.
Por isso acredito que o suicidado pratica um ato de comunicação e não um gesto solitário e que, além de tudo, é uma comunicação para uma sociedade que o impede de comunicar-se de outras formas que não seja através deste gesto. Ele quer dizer pra todos que não esta sendo ouvido, que sua palavra precisa ter valor; que precisa de carinho e atenção, claro, como todos nós!
*articulista,contista e escritor

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