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Rogério Tenório: Decifra-me ou te devoro!

Rogério Tenório* - 18 de julho de 2008 - 07:43

Só tem acesso aos mecanismos do poder, aos bens de consumo, a participação ativa nas realizações sociais quem coordena adequadamente os pensamentos através do domínio da linguagem, da seleção das informações, do domínio da retórica e de um amplo conhecimento de mundo.
A linguagem nunca é neutra. Ela sempre está vinculada a uma sociedade, às relações de produção, a um sistema político, a uma filosofia educacional e o homem é uma espécie essencialmente social, nossa existência, hoje, enquanto homo sapiens só tornou-se possível porque nossos ancestrais “primitivos” desenvolveram a habilidade de dominá-la.
No entanto a razão de ser original da comunicação foi vituperada, nossos ancestrais buscaram a aquisição da linguagem para sociabilizar o conhecimento acumulado, compartilhar nossas experiências para o bem da coletividade; o que se tem observado, porém, é uma busca incessante de domínio pacífico das massas via inculcação ideológica.
A tarefa de educador constitui justamente em fazer com que a liberdade triunfe sobre a dominação. Por aí se percebe que o trabalho do educador não é apenas ensinar ou transmitir conhecimentos, pois de certo modo a tarefa da educação está essencialmente ligada à formação da consciência crítica, à conscientização. O papel da conscientização de que nos fala Paulo Freire é essa decifração do mundo, dificultada pela ideologia; é esse ir além das aparências, atrás das máscaras e ilusões.
A escola não pode se manter omissa, alienada, andando atrás das mudanças sociais, ela deve estar na vanguarda ou corre o risco de perder sua razão de ser, mas sobretudo não pode permitir que seus educandos terminem sua vida escolar crendo que o resultado irremediável da dedicação é o sucesso, que o domínio da tecnologia garante uma sociedade mais desenvolvida e justa, pois sabemos que isto não é verdade.
A tarefa de educador constitui justamente em fazer com que a verdade triunfe sobre o engodo. Por aí se percebe que o trabalho do educador não é apenas ensinar ou transmitir conhecimentos, pois de certo modo a tarefa da educação está essencialmente ligada à formação da consciência crítica, à conscientização, a decifração das entrelinhas e não apenas daquilo que está à tona, na superfície dos textos. É preciso preparar os educandos para uma eterna decifração do mundo ao derredor, sob pena de serem devorados pelas esfinges que se apresentam travestidas de oportunidades. Não há outra saída, quem é mais fraco tem de ser mais esperto; Édipo que o diga!
A linguagem, enquanto mecanismo de participação e conseqüentemente de transformação social, garante ao indivíduo a aquisição de novas formas de pensar, de agir, de existir, fazendo-o dia a dia um novo homem. Não basta simplesmente agir no mundo, é preciso decifrá-lo, caso contrário tornamo-nos meros peões no imenso tabuleiro dos donos dos meios de produção. Quem se submete a atender a todas as expectativas sempre, sem questioná-las, transforma sua vida em uma catraca de dentes quebrados: roda no vazio!
Somente a título de ilustração, gostaria de terminar contando uma antiga lenda árabe que sintetiza bem o nosso assunto de hoje:
Certa vez um xeque teve um sonho em que ele via todos os frutos de uma árvore frondosa de seu jardim no chão, a grama estava seca e toda espécie de vida vegetal em volta estava morta, então ele mandou chamar um sábio para que interpretasse o sonho, este pacientemente escutou-o e por fim disse:
— O seu reino será desolado, seus filhos serão mortos diante de ti, terminarás seus dias sozinho e debilitado.
O rei ficou furioso, mandou decapitar aquele insurreto e chamou outro sábio. Este, sabendo o que houve com o primeiro intérprete, precaveu-se, não mentiu, disse exatamente o que o outro havia dito, mas utilizando-se de outras palavras:
— Este sonho é sobre a soberania de meu senhor, tua vida será tão longa que nem mesmo teus filhos viverão mais que ti, teu reino será impar sobre toda a Terra, terminarás teus dias reinando como uma fênix.
O xeque ficou tão feliz que decidiu premiar o sábio com grande quantia em ouro. Um jovem que estava por perto em ambas ocasiões disse ao sábio:
— Eu não entendo, você disse exatamente o mesmo que o outro sábio; mas aquele foi morto e você, premiado!
Então o sábio respondeu:
— Aprenda isto, meu jovem, na vida o que importa não é o que você diz, mas como você diz.

Rogério Tenório de Moura*
é licenciado em Letras pela UEMS,
especialista em Didática Geral

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