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Rogério Tenório de Moura: O saber e o Poder

Rogério Tenório de Moura - 03 de dezembro de 2007 - 07:16

O saber e o Poder

Assim como em outros países, é bem verdade, a elite brasileira está profundamente dividida quanto à política da educação. Isto não seria grave se além da divisão, não existisse a separação dos grupos. Há a educação dos economistas, a dos pedagogos, a dos administradores, a dos sociólogos, a dos antropólogos, etc.. Tanto politicamente quanto cientificamente, faltaram até agora as condições de confluência de todas essas vertentes. Do ponto de vista científico ainda não amadurecemos para o método interdisciplinar que continua sendo, entre nós, quase sempre, uma aspiração frustrada. Já do ponto de vista político, as dificuldades de congregar as várias parcelas do Poder em torno de um projeto unificador derivam de diversas causas - ora o patriarcalismo, que se repete em cada nível e em cada linha de autoridade, ora a projeção mítica do poder tecnocrático sob a égide da racionalidade econômica mal compreendida.
Mas, além e acima desses aspectos do patriarcalismo fragmentário, que decompõe a autoridade e o próprio projeto nacional, temos a própria substância do patriarcalismo como forma confusa de racionalidade e irracionalidade. Assim é que os Planos da Educação jamais conseguiam imprimir à política da educação a desejada norma de racionalidade, já que esta é freqüentemente interrompida pelas incidências da autoridade desenvolta.
Nosso país, embora tenha despertado para o desenvolvimento, continua preso ao anacronismo, imaginando ter ingressado no processo transformador da sociedade. Esta é a fase mais crítica da ambigüidade brasileira.
Segundo os tecnocratas brasileiros, pode-se obter uma inteligentsia política, ou técnica, ou burocrática, a baixo custo: não se pode entretanto, elevar todo o povo ao nível da verdadeira inteligência, isto é, ao nível da percepção crítica, e da verdadeira competência, sem um custo altíssimo, só admissível quando ela aparece identificada, em larga escala, com o próprio custo do desenvolvimento. Se, pode-se promover uma sociedade com cem ou mil pessoas exercendo o papel diretorial, por que educar dez milhões, ou cem milhões, para exercer a democracia? Se o “desengrossamento” do povo, até a limpidez é tão dispendioso e “incerto”, por que não admitirmos a meia-educação? Nesse caso, realizar-se-ia uma educação apenas ritualista-simbólica, atendendo aos anseios da massa e sem que as suas deficiências impedissem o desenvolvimento.
No capitalismo brasileiro, acionado pelo regime tecnocrático, se constata o impasse entre a industrialização e o sistema educacional. Além disso as desigualdades regionais quebram a força tensional do desenvolvimento, enquanto esta se exprime na generalização dos padrões sociais, técnicos, culturais. As elites dominantes dos países subdesenvolvidos não crêem na educação como fator de desenvolvimento, apesar da retórica em contrário.
A educação é um projeto simultaneamente político e filosófico, cuja compreensão não cabe exclusivamente no âmbito da racionalidade científica. Por exemplo, não há um currículo para a educação fundamental que possa ser estabelecido apenas por critérios científicos, como se tratasse apenas de um objeto suscetível de ser exaustivamente compreendido pelo saber objetivado. Não, o currículo representa, em grande parte, a opção política e filosófica que, refletindo tendências culturais e econômicas de seu tempo, determinam as formas de educação.
Assim sendo, a norma básica da educação não é esgotada na ciência empírica nem na técnica. Ela provém de um saber mais radical: saber dos valores que, em última análise, estruturam o ser e a cultura do homem na sociedade. Um projeto de educação funde os interesses do indivíduo e da sociedade em processo de tensão que, permanentemente, encaminha a oposição entre uma e outra a soluções de compromisso e, mesmo, de integração - ou de ruptura.
Todos querem a mudança, mas os processos adotados levam a esse resultado: a máquina roda no vazio, “tal qual uma moenda sem a matéria para espremer”. O que falta à nossa engrenagem é o dente assentado na polpa da realidade: é o método da práxis.
A política educacional brasileira fixou-se em objetivos e métodos do país estático que éramos antes da industrialização. O Brasil de ontem e de hoje é um país que ainda não fez da competência o seu cotidiano; e como a coletividade social vive no nível do cotidiano, ainda não fez da competência a porção do povo. Na burocracia pública, no uso dos serviços técnicos e - noutro nível de instrumentalidade - em que toda a engrenagem econômica, política ou cultural em que ele próprio está inserido, a reação do homem-qualquer é alienante: a outro, a eficiência, o conhecimento criador e até mesmo o conhecimento simplesmente operacional. Chega a esse ponto a incapacidade a que o povo foi condenado, de exercer qualquer papel ou - mais especificamente, no caso - a possessão consciente e eficaz da cultura em que está imerso, e em cujo desenvolvimento constitui parte essencial. As elites acreditam que cabe a elas próprias as tarefas criadoras e os empreendimentos realmente produtivos reduzindo assim o povão, a uma massa de consumidores inexperientes, não só de bens materiais, como de bens culturais.
Sendo assim, a grande maioria fica excluída, voltando, então, todo o círculo vicioso: meia-educação, para meia-responsabilidade que se transforma em justificativa, novamente, para a meia-educação. Podemos nos referir à educação eficiente como um fenômeno raro, e pouco tem a ver com escolaridade oferecida pelo sistema escolar brasileiro. Sistema esse, mergulhado nessa nuvem de ambigüidade, em que as intenções proclamadas não correspondem às intenções intrínsecas, tão pouco, reais. Esse é o aspecto sociológico do problema; mas a ele corresponde, igualmente, um aspecto pedagógico. Existe, com certeza, uma pedagogia do desenvolvimento, como existe outra - a do subdesenvolvimento.
Nosso país desconhece a si mesmo, a educação não se baseia na práxis, nem poderia basear-se, dentro do esquema da filosofia da cultura. Se tivéssemos, nas raízes de nossa formação, admitido o real como fonte da práxis (consciência e ação), não teriam surgido as nossas alienações - a econômica, a política, a educacional; a do trabalhador, do produtor e consumidor, a do cidadão, etc..
Os movimentos involuntários, prevalecentes entre nós como instrumento de propulsão e reforma das instituições educacionais, definem tipicamente um processo de fora para dentro. Nota-se que o que se faz atualmente no Brasil é fazer pouco esforço (criativo) e, no entanto, ter muitas Escolas. É interessante notar que os órgãos de liderança “nacional” através do Estado, realmente não direcionam, são direcionados. Não há normas mas sim pressões que, infelizmente, assumem a liderança do processo. Essas pressões que com certeza, advêm de grupos e camadas sociais, com seus interesses particulares e freqüentemente contraditórios que com certeza, com esses particularismos não fazem nascer um projeto nacional de educação; então, os tecnocratas contemporâneos, tentando a modernização, estipulam planos que roubam as contradições reais da sociedade brasileira.
Ilustrando o processo da educação brasileira, focalizamos a questão da qualidade. Não é só falar de “toda criança na escola”, de vagas nas Escolas. Ela implica, além e acima disso, a consciência que o país adquire de si mesmo, de sua cultura e de suas novas necessidades políticas e econômicas. Teve nossa educação um crescimento linear e não uma evolução qualitativa quanto às estruturas básicas da sociedade e, por isso, dos modos de existência e de ação nos indivíduos, nos grupos e nas instituições. O processo social se mantém represado pelo sistema jurídico-institucional do Estado que, desde o início da industrialização, utilizou sua eficácia para conter os impulsos da transformação e da práxis coletiva.
Essa incompetência criada pelo nosso ensino significa a alienação e dependência. Em outras palavras, inexperiência, que não é fruto da questão tempo, mas do ângulo certo dentro do qual situamos a inteligência e a ação. Aí vemos a experiência da qual estão excluídos, por exemplo, os alienados. Essa confiança na experiência pressupõe confiança no país, isto é, na realidade que informa, admitindo que é realmente digna de refletirmos sobre ela, a nossa cultura, e de realizá-la. Isso é a práxis.

Rogério Tenório de Moura
é licenciado em Letras pela UEMS,
especialista em Didática Geral
e em Psicopedagogia pelas FIC.


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