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Relato inédito de Manoel Afonso: 40 anos sem o dr. Juracy Lucas

Manoel Afonso - 09 de julho de 2018 - 06:20

Relato inédito de Manoel Afonso: 40 anos sem o dr. Juracy Lucas

Foi no dia 8 de Julho de 1978. Sábado.


Precavido, cheguei antes da hora combinada ao ‘campo de aviação’ na chácara do Zico Pereira. Madrugador, o Vascão já estava na labuta e ali travamos um bom papo sobre aviação e a viagem da qual ele já estava sabendo, pois o avião do dr. Juraci ficava ali estacionado. Convidados pelo noivo Biri, o Girotto e a Marisa tiveram que viajar para Rio Preto por problemas de saúde do Gustavo (filho deles e meu afilhado)  e eu fui ‘designado’ para substituí-los como padrinho.


Não demorou muito chegaram o fotógrafo Amauri e a dona Dolores Garcia, sogra do Ibi Queiroz, minha amiga e cliente. Quase em seguida chegou o dr. Juraci Lucas, bem ao seu estilo falante. Abastecida a aeronave rumamos para o destino - fazenda do Lolô Paes nas cercanias de Costa Rica. Eu fui no banco dianteiro, ao lado do piloto.


A viagem foi sem sustos, sempre seguindo o traçado da rodovia ainda sem asfalto, com o Juraci empolgado relatando sua experiência como piloto e muito feliz. Segundo ele: tinha o próprio hospital, uma fazenda, uma filha recém nascida e também concretizava o velho sonho de possuir um avião e ainda pilotá-lo. Juraci não escondia que só tinha que agradecer a Deus por tantas conquistas em sua vida. Quando eu retruquei que só faltava ele ser prefeito, ele ironizou soltando boas risadas.


Quando avistamos a fazenda fiquei atento ao detalhe: a pista de pouso em frente a sede, onde haviam várias mangueiras altas que poderiam atrapalhar a aterrissagem. Na parte final da pista, nos dois lados, havia uma mata alta e uma cerca de arame farpado.


Como na época eu voava frequentemente com o Natal e o Evânio Borges, tinha intimidade com o assunto. Daí que ele só desceu na terceira volta que deu para reconhecer com cuidado o local , fazendo minuciosamente todos os procedimentos exigidos: do ‘flap’ e a potência do motor. O pouso foi tranquilo.


Como o casamento civil seria realizado em Paraíso, cedi o lugar para a mãe da noiva e o avião rumou para o então distrito de Costa Rica. Enquanto isso a festa já estava em pleno vapor com mesas espalhadas debaixo das mangueiras e o churrasco assando. Contei mais de 40 carros estacionados no entorno da sede quando desci do avião. Por tudo isso a festa prometia.


Depois de mais ou menos duas horas ouvi o barulho do avião. Todos exclamaram: “os noivos chegaram”. Mas eu notei que em sua chegada o avião não repetiu aquele procedimento da primeira vez. Sai debaixo da mangueira para visualizar o avião e fiquei preocupado porque ele não desviou da mangueira. E mais: pelo barulho do motor, estava em velocidade incompatível com a situação. Corri então para a frente da casa e pensei que poderia vê-lo tocar na pista, mas não consegui. Senti que ele havia ‘egolido a pista’ pois não havia desviado da mangueira como do primeiro pouso. Ouviu-se um estrondo característico de uma tragédia.


Corremos todos para o local e deparamos com aquele quadro estarrecedor. O vereador Zé Tiago tirou o corpo do Juraci – enquanto outras pessoas socorriam os outros três passageiros. Lembro de outra cena inesquecível infelizmente: nas mesas com toalhas que serviriam para a comemoração foram colocados os corpos das vítimas. Apenas em filme tinha presenciado a mudança tão repentina: de felicidade ao horror. O histerismo dos parentes e convidados foi geral. Indescritível.


O que fazer com o corpo do Juraci? Eu e o Zé Tiago o colocamos no banco traseiro de seu fusca e rumamos para Cassilândia. Quando chegamos ali na ‘Vaca Parida’ o carro pifou. Foi uma choradeira geral. O Dorvino, sua mulher, familiares e o pessoal presente quando deram conta de que aquele corpo sem vida era do médico querido caíram em pranto. Não queriam acreditar que era verdade. Só de escrever fico arrepiado.


O Lió , do Indaiá do Sul,  tinha um açougue na ‘Vaca’ e se dispôs a concluir a viagem até Cassilândia com sua camioneta picape Ford Willys com grade para transporte bovino. O corpo do Juraci foi colocado em cima de um colchão naquela estrada ruim e tocamos até a Cantina da Vilma. Alí mandamos avisar o dr. Antonio sobre o ocorrido, pois havia a cautela de preparar a dona Nicinha para essa triste notícia.


Em poucos minutos o dr. Antonio chegou e foi uma cena de arrepiar. Ele abraçando o corpo do amigo e chorando emocionado. Outras pessoas foram chegando e a notícia espalhou-se por toda a cidade.


O restante todos sabem: o velório por poucas horas e a viagem até Uberaba num comboio de vários carros numa época em que havia racionamento de gasolina. Eu também estive presente no sepultamento do Juraci, encerrando esse episódio marcante de minha vida.


É possível que nem todos os leitores tenha conhecido o dr. Juraci, mas a intenção é fazer o registro do fato como uma forma de homenageá-lo pelos serviços prestados a comunidade cassilandense. Questionar se tragédia se deveu a esse ou aquele motivo não interessa.


Não vamos esquecê-lo.

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