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Reforma do Judiciário é polêmica mesmo entre a classe

Agência Senado - 30 de agosto de 2004 - 10:11

Só há um consenso entre as diversas entidades do setor judiciário em relação à proposta de reforma que o Senado está prestes a aprovar: é que não há, praticamente, consenso nenhum entre elas no que diz respeito às principais medidas que poderão ser implementadas. Do controle externo do Judiciário à súmula vinculante, passando pela federalização dos crimes contra os direitos humanos, a maioria das modificações divide opiniões de magistrados, advogados, procuradores, promotores e juízes de primeira instância. A proposta ainda tem 165 destaques que serão votados no Plenário, no esforço concentrado de setembro, depois de a pauta ser liberada, após a votação de medidas provisórias e da lei de informática.

A súmula vinculante é rejeitada principalmente por juízes de primeira instância, que temem a perda de sua autonomia para julgar, e pelos advogados, que vêem nela causa para a diminuição de seu mercado de trabalho.

– A súmula vinculante é uma medida inadequada. Um país que tem uma desigualdade social tão grande quanto o seu território não pode ter um comando único para todos os fatos sociais que acontecem dentro daquele mesmo assunto – avalia Roberto Busato, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Para ele, que já chamou o governo de “o maior litigante de má fé do país”, para desafogar a Justiça bastaria que o governo não recorresse nas causas em que ele já sabe que vai perder. No seu raciocínio, a súmula vinculante ajuda a desafogar a Justiça na medida que impede a todos de recorrer sobre determinados assuntos. “É desdizer o Direito e tirar o julgamento do fato social do juiz natural, que é o juiz de primeiro grau”, explica Busato, que recorreu, recentemente, a uma metáfora médica para justificar sua posição.

– Seria a mesma coisa que uma pessoa acometida de um tumor maligno e que tem de fazer um tratamento. A súmula vinculante seria aquele tratamento quimioterápico que eliminaria o tumor maligno, mas levaria à morte o paciente por excesso de remédios. Já a súmula impeditiva de recursos tiraria o tumor, mas não comprometeria o paciente. Ou seja, o remédio na dose certa.

A Ordem dos Advogados acha que a reforma necessária é a infraconstitucional. A que se discute hoje visaria estruturar melhor o Judiciário, mas não dará celeridade ao julgamento e ao encerramento do caso, acredita Busato. A saída está na reforma dos códigos (penal, civil etc.), pois seriam eles os responsáveis pelo excesso de recursos que conduz à morosidade da decisão.

Na contramão desta postura, os presidentes dos tribunais superiores deixaram clara sua posição favorável à súmula vinculante, considerada essencial para diminuir o volume de processo que chegam na forma de recursos judiciais. No Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, os ministros são obrigados a proferir oito mil votos por ano, somente nos processos em que são relatores. Enquanto nos Estados Unidos a Suprema Corte, formada por nove juízes, decide 150 processos por ano, em média, no STF decide, com onze ministros, 80 mil causas a cada 12 meses.

Em nota oficial divulgada no primeiro semestre e entregue ao presidente do Congresso Nacional, senador José Sarney (PMDB-AP), os ministros dos tribunais superiores manifestaram-se também contra o controle externo do Poder Judiciário.

– Nossa posição institucional é contrária à participação de pessoas estranhas aos quadros da magistratura no Conselho Nacional de Justiça, pois tem gerado sérias preocupações no seio da justiça brasileira. A forma em que foi idealizado traduz potencial ameaça à independência de um dos Poderes – disse a nota, assinada pelos então presidentes do Supremo Tribunal Federal Maurício Corrêa; Superior Tribunal de Justiça, Nilson Naves; do Superior Tribunal Militar, José Julio Pedrosa; e do Tribunal Superior do Trabalho, Francisco Fausto.

Apesar da postura contrária ao chamado controle externo, na forma proposta pela reforma em discussão no Congresso, os ministros reconheceram, na nota, a necessidade de mudanças no Poder Judiciário, para lhe tornar mais ágil e eficaz:

– O Poder Judiciário, é incontroverso, precisa de reformas. Eentre outros problemas, as deficiências estruturais, agravadas pela Constituição de 1988, na área da Justiça, com grave marginalização no seu acesso, descomunal volume de litígios e inadequação de procedimentos, resultam na lenta e precária prestação jurisdicional. Mas não há ainda consenso quanto a várias das propostas para as resolver ou atenuar.

Busato, da OAB, uma vez mais se coloca em posição contrária aos ministros. Na sua visão, o Conselho Nacional de Justiça não visa tirar qualquer tipo de independência que possa ter o magistrado, muito pelo contrário.

– Ele visa preservar essa independência quando está na sua função-fim, que é prestar justiça ao jurisdicionado. O controle externo visa dotar o Judiciário de instrumentos administrativos mais modernos e eficazes para auxiliar exatamente o magistrado na sua função de julgar. O que se pretende é trazer eficácia aos controles da magistratura, porque os controles internos perderam sua eficácia.

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) avalia que o objetivo de dar celeridade à Justiça não será atingido pela proposta em tramitação no Senado. O presidente da entidade, João de Deus Duarte Rocha, já declarou que o MP não é avesso ao controle externo, desde que este seja bem modulado para evitar interferência na atividade jurisdicional e na atuação do promotor.

– Os instrumentos (a serem aprovados) não podem, por exemplo, ter o poder de decretar a perda do cargo do promotor ou do juiz, pois isso fere determinados princípios e garantias das carreiras, como a vitaliciedade – raciocina Duarte Rocha, empossado no cargo em março passado.

Uma das entidades mais empenhadas em articular mudanças no projeto de reforma do Judiciário tem sido a Associação dos Magistrados do Brasil. O desembargador Cláudio Maciel, presidente da AMB, esteve no Senado este ano em pelo menos cinco ocasiões, negociando com os líderes e o relator modificações que a categoria considera importantes para aperfeiçoar a proposta. Vários dos destaques votados e aprovados na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, por exemplo, resultaram dessas conversas.

– Os principais pontos são a súmula impeditiva de recursos, no lugar da vinculante, a composição do Conselho Nacional de Justiça sem elementos de fora da magistratura, a eleição direta para os cargos diretivos nos tribunais, a não federalização dos crimes contra os direitos humanos e a manutenção dos tribunais regionais eleitorais na atual configuração (ou seja, sem a troca de um desembargador por um juiz federal) – resumiu Maciel.

Entre os senadores visitados estão os líderes do Governo, senador Aloizio Mercadante (PT-SP); do PSDB, Arthur Virgílio; do PFL, José Agripino; e do PDT, Jeferson Péres (AM); além do relator José Jorge (PFL-PE) e os senadores Demostenes Torres (PFL-GO), Flávio Arns (PT-PR), Alvaro Dias (PSDB-PR), Jorge Bornhausen (PFL-SC) e Sérgio Guerra (PSDB-PE).

A Associação Nacional dos Procuradores República (ANPR) comemorou a aprovação da federalização dos crimes contra os direitos humanos e a ampliação do número de juízes federais na composição dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), medidas justamente criticadas pela AMB. Os dois destaques eram considerados, segundo Nicolao Dino de Castro e Costa Neto, presidente da ANPR, “especialmente importantes para o Ministério Público”.

– As duas conquistas, dentre outras, representam um ganho significativo no aprimoramento dos mecanismos de proteção dos direitos humanos e, no que se refere à justiça eleitoral, um equilíbrio entre as magistraturas federal e estadual, possibilitando um maior distanciamento dos TREs em relação aos interesses políticos locais, conforme, aliás, foi enfatizado por diversos senadores, durante a votação – enfatizou Nicolao Dino, que também percorreu o Parlamento no trabalho de convencimento dos senadores para suas teses.

Outros pontos considerados essenciais pela entidade são a necessidade de que o procurador-geral da República manifeste-se em todos os processos submetidos a julgamento no Supremo Tribunal Federal; o critério de lista tríplice para escolha do procurador-geral; a supressão do foro privilegiado para o julgamento de processos nos quais são partes ex-ocupantes de cargos ou funções públicas; e manutenção da competência da justiça federal para o julgamento dos crimes praticados contra a organização do trabalho.

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